Uma frase (essencial) de Thomas Mann

Há, no extraordinário prelúdio desse livro de gênio que é José e seus irmãos, e que Thomas Mann sugestivamente intitulou de ?Descida ao inferno?, uma frase marcante, para não dizer emblemática. Aliás, são milhares as frases desse tipo lapidar, ao longo da textualidade quase cantante da tetralogia do grande alemão de Lübeck, que praticamente só escreveu obras-primas marcadas pela musicalidade verbal. Aliás, ele via na música um sucedâneo da própria religião.

Além do José, da sua pena demiúrgica brotaram Os Buddenbrook, Montanha mágica, Morte em Veneza, Doutor Fausto, Mário e o mágico, Os famintos, O eleito, As confissões de Félix Krull, Tônio Kroeger, etc. Esse conjunto de livros lhe valeu a conquista do Prêmio Nobel de Literatura. Aliás, diga-se de passagem, poucos foram tão dignos da famosa láurea da Academia Sueca.

Admito hoje, após a leitura do José (por mais de uma vez iniciada e interrompida), que Thomas Mann é provavelmente o maior romancista de todos os tempos, data vênia a Tolstoi, Dostoiewski, Balzac e Proust.

Mas qual era mesmo a frase que eu tinha em mente no primeiro parágrafo da presente crônica? Ei-la: ?A essência da vida é o presente??.

A frase em apreço me remete incontinenti para a clássica proposição filosófica de Santo Agostinho (ou será São Tomás de Aquino?). Seja quem for, um desses dois doutores da igreja, a propósito do tempo, afirmou que tudo é presente: o passado, presente acontecido; o futuro, presente por acontecer; e o presente propriamente dito, aquele que está sendo vivido, vivenciado, aqui e agora.

De fato, o gênio teutônico e o santo católico estão absolutamente certos. Mas a verdade é que, curiosa e inexplicavelmente, o ser humano costuma viver com os olhos sempre fitos, ou no passado, ?essa lanterna na esquina de uma rua velha? de que fala o Álvaro de Campos pessoano, ?esse futuro usado?, a que se refere um personagem de Guimarães Rosa em Grande sertão: veredas, ou no futuro, sempre ilusório, hipotético, problemático, nebuloso.

O homem esquece a clássica recomendação de Horácio: Carpe diem!. Aproveita o dia. Curte o presente. Afinal, o presente pode ser a vida inteira.

Concluindo, lembro, a título de curiosidade ? e quem não é curioso neste mundo de Deus? ?, que a mãe de Thomas Mann se chamava Júlia da Silva. Era carioca e filha de portugueses, como informa o próprio romancista numa página autobiográfica. Em suma: para honra nossa, ele tinha sangue luso-brasileiro.

Esse fato étnico talvez explique a razão determinante para que a sua belíssima novela Tônio Kroeger seja o livro em que a problemática quase metafísica da saudade, tipicamente lusíada, é mais profundamente radiografada. Nem Camões, Bernardim Ribeiro, Almeida Garret, Antônio Nobre, Fernando Pessoa ou Teixeira de Pascoais abordaram essa problemática com tamanha grandeza e sensibilidade. Uma teoria? Não: um fato.

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