Quando tinha mais ou menos três anos, a estudante de farmácia Janaina Trentin chegou em casa com duas sementes de ameixa e a crença de ter achado a solução para seus anseios de ganhar um irmãozinho. É que, desde muito pequena, ela escutava a história que os pais Vera Lúcia e Irani Antônio Trentin contavam: ?Papai não tinha a sementinha para colocar na mamãe e, como nós tínhamos muita vontade de ter um filho, fomos até um hospital e escolhemos você.? A história foi a maneira mais fácil encontrada pelo casal para fazer Janaina saber desde sempre que era adotada.
?Mas eu queria um irmãozinho e como eles sempre contavam a história da sementinha, que não podiam me dar um irmão porque faltava a sementinha, quando tive uma aula na escola de como nasciam as plantas, não tive dúvida. Levei as sementes de ameixa para casa na esperança que nascesse um irmão a partir delas?, conta Janaina.
Vinda do interior do Rio Grande do Sul, Janaina nunca conheceu os pais biológicos e não tem interesse de fazê-lo nem hoje em dia. Para ela, os únicos pais que teve e terá são Vera Lúcia e Irani. ?Talvez, se ficasse com meus pais biológicos, eles não teriam condições nem de me alimentar. Eu considero a minha vida um milagre. Ter encontrado uma família fez muito bem para mim e para eles também?, afirma.
Depois das longas insistências de Janaina, os Trentin resolveram aumentar a família e três anos mais tarde adotaram Daniel. Estudante de Direito e hoje com 20 anos, que também chegou recém-nascido. ?Nunca passou pela minha cabeça buscar meus pais biológicos. Para mim, família é uma só e pronto. Sempre soube que fui adotado e não tive problemas com isso. Acho que os traumas surgem quando os pais não contam desde cedo para a criança e quando elas descobrem, vem o choque. Mas acredito que mesmo nesses casos a única coisa a fazer é ficar grato por tudo?, afirma Daniel.
O tempo passou, a família seguiu feliz até que, há cerca de dois anos, os quatro começaram a fazer trabalho voluntário num lar para crianças que esperam adoção, e que é mantido pela igreja que freqüentam. E foi lá que os Trentin conheceram Paola. Foi paixão à primeira vista. ?Conversamos em casa e decidimos que iríamos adotá-la. Mas ao procurarmos as vias legais para isso, descobrimos que ela tinha outros dois irmãos e que eles não poderiam ser separados?, conta Irani.
Mas isso não foi empecilho. Depois de muita conversa e alguns ajustes no orçamento, em outubro de 2003, os irmãos Paola (de 4 anos) e os gêmeos Luan e Luéli (de 6 anos) foram adotados pelos Trentin.
Hoje, eles formam uma família pouco usual, formada por um casal desprovido de preconceitos e cinco filhos adotivos. Vera Lúcia, para lá de experiente quando o assunto é adoção, avalia como uma lição de vida a adoção tardia. ?É preciso ter um preparo emocional maior porque as crianças já vêm com uma história. Mas vale muito a pena. Eles nos aceitam facilmente. Nós é que somos mais preconceituosos?, afirma.
Juiz vê evolução nos processos nacionais de adoção
O juiz Fabian Schweitzer, da 2.ª Vara da Infância e Juventude de Curitiba, fica emocionado toda vez que abre uma carta enviada por crianças que encontraram uma família, depois de terem sido adotadas. Numa pequena caixa, o juiz reúne todas essas cartas, nas quais crianças que até pouco tempo atrás não tinham esperança de encontrar um futuro melhor, contam da felicidade de ter encontrado uma nova família e lhe escrevem, pintando um mundo cheio de novas perspectivas.
Uma das últimas cartas recebidas pelo juiz veio da Itália. O remetente é Moisés, um menino que cursa a terceira série do ensino fundamental, e que está há um ano na Europa. ?Eu pensava que viria para a Itália só para comer uma pizza e hoje tenho uma família. Sempre lembro do senhor com afeto?, diz o menino na carta colorida, sem deixar de salientar que mantém uma foto sua com o juiz Schweitzer na cabeceira da cama.
?É só uma questão de oportunidade, que muda todo o destino de uma criança?, resume Schweitzer, ao definir a importância das adoções. Desde 2002 à frente da 2.ª Vara de Infância e Juventude de Curitiba, Schweitzer vê a realidade das adoções no Estado evoluírem, mesmo que a passos bem lentos. ?Não é correto dizer que não houve evolução. Hoje, conseguimos adoções nacionais de crianças maiores, coisa que não acontecia tempos atrás?, conta.
Atualmente, cerca de 300 crianças com mais de cinco anos estão espalhadas em 150 abrigos da cidade aguardando uma família interessada em adotá-las. Na outra ponta da fila, existem pelo menos 400 casais esperando para adotar uma criança.
O juiz explica que a demanda seria atendida caso esses casais aceitassem adotar crianças mais velhas, como as que estão nos abrigos da cidade. ?O problema é que o brasileiro ainda não conseguiu vencer a barreira da idade?, afirma. Segundo ele, foi construído um mito de que adotar crianças mais velhas é algo problemático, que não dá certo. ?As pessoas não se conhecem aos 20, 25 anos e se casam? Essas pessoas também têm uma história, uma vida pregressa e casamentos sólidos são construídos assim. Por que não daria certo a convivência com uma criança de 10 anos??, questiona o juiz. Para ele, não há mania ou defeito que o amor não corrija. E é nisso que os casais que desejam adotar uma criança deveriam pensar. ?É preciso mudar a convicção das pessoas. Bebês, todos querem, e na minha opinião, dão mais trabalho?, brinca. Anualmente, passam pela 2.ª Vara da Infância de Curitiba 250 processos nacionais de adoção e cerca de 80 internacionais. (SR)
Crianças são atendidas no Projeto João de Barro
Toda vez que alguém pergunta para Ricardo (nome fictício) por que ele quer ter uma família, ele responde rápido: ?Para poder chamar alguém de mãe.? O menino de sete anos vive desde bebê em abrigos e casas-lares, junto com dois irmãos mais velhos, André e Diego (nomes fictícios). Os três irmãos vivem numa das casas do Projeto João de Barro e aguardam uma família para adotá-los.
Maria Aparecida de Lima Filho, assistente social do projeto, conta que a história dos irmãos é triste. Vivem há cinco anos em instituições porque vêm de uma família desestruturada. São filhos de pais diferentes – o pai de um deles já morreu, de outro está preso, e do terceiro, sumiu – e a mãe não aparece há tempos sequer para visitá-los. ?Não há qualquer possibilidade de reintegração familiar?, afirma a assistente social. E as chances de adoção também diminuem, a medida que o tempo passa. Com sete, nove e 14 anos, os três irmãos só têm chances de serem adotados por alguma família do exterior, e não podem ser separados.
André, o irmão do meio que tem nove anos, diz que quer uma família que cuide dele e que possa lhe dar tudo aquilo que não teve em casa, como cuidado e carinho. ?Tenho esperança que ainda este ano vamos achar uma família?, afirma com convicção.
Na mesma casa do Projeto João de Barro, vivem os irmãos Beatriz (8), Gisele (7) e Pedro (11) (nomes fictícios). Filhos de pais alcoólatras, eles foram tirados da família porque a casa em que viviam não oferecia as mínimas condições de vida. A mãe os deixava sozinhos, sem alimentação. No dia que foram tiradas de casa pela Justiça, descobriu-se que as crianças viviam em meio a ratos.
Beatriz conta que, mesmo não lembrando mais como era o convívio com os pais, gostaria de voltar a viver com a mãe, se tivesse a possibilidade de fazer esta escolha. ?Eu quero ter uma família normal, que possa cuidar de mim e possa me alimentar. Daí, quando crescer, quero ser dentista?, planeja.
O Projeto João de Barro integra um dos seis projetos mantidos em Curitiba pela Associação Cristã de Assistência Social (Acridas). Ao todo, 118 crianças são atendidas em casas-lares da associação. Neste locais, estas crianças têm a oportunidade de usufruir de uma vida normal, enquanto aguardam uma família adotiva. (SR)