Duas semanas após as eleições parlamentares na Turquia, especialistas concordam em uma coisa: ninguém realmente sabe o que vai acontecer. O pleito deixou o governista AKP sem maioria para governar sozinho, o que significa que precisaria do apoio de pelo menos um dos três partidos de oposição. Mas as negociações são dificultadas pelo clima extremamente acirrado que dominou a campanha e pelas ambições do presidente Recep Tayyip Erdogan. Após 13 anos controlando o governo, ele se elegeu chefe de Estado e agora busca ampliar os poderes do cargo.
Um dos cenários mais plausíveis envolve um acordo entre o AKP e o partido radical nacionalista MHP, que se opõe às negociações de paz com os rebeldes curdos. As duas agremiações estão à direita no espectro político turco, mas tal acordo poderia prejudicar o desempenho do AKP entre os eleitores curdos. Uma alternativa seria o partido governista engolir o orgulho e costurar uma coalizão com seu arquirrival CHP, mas este é um acordo difícil de imaginar, já que ambos têm enormes diferenças, a começar pela postura secular do CHP.
Um dos pontos de consenso entre os três partidos de oposição é que todos querem Erdogan fora da política. Entretanto, é improvável que o ex-premiê e atual presidente, famoso por sua língua afiada, aceite a derrota do AKP e saia de cena.
Teoricamente, seria possível que as três forças da oposição (MHP, CHP e o esquerdista HDP) se unissem e tirassem o AKP da jogada, mas esta é uma possibilidade remota.
Também existem rivalidades pessoais em jogo, inclusive dentro da base governista. Uma alternativa extrema seria que o AKP desse a liderança do partido para o ex-presidente Abdullah Gul. Ele é visto como um aliado de Erdogan de longa data, mas um livro de memórias recém publicado por um de seus assessores parece indicar que ele estaria disposto a voltar ao centro do palco. “Eu posso levar a Turquia de volta aos dias quando sua estrela brilhava”, diz Gul no livro.
Existe espaço ainda para outras artimanhas políticas. Deputados poderiam ser seduzidos a deixar os partidos de oposição em troca de cargos no governo, por exemplo. Os rivais de Erdogan temem que ele sabote propositadamente as negociações para uma coalizão e use a instabilidade política como argumento para convocar uma nova eleição, na esperança de que seu partido reconquiste a maioria absoluta.
Em declarações publicadas neste domingo pela agência estatal de notícias Anadolu, Erdogan deu a entender que sua paciência é limitada, alertando para a possibilidade de um “impasse” se um governo não for formado rapidamente. “Se os políticos não conseguirem resolver este assunto, o único ponto de referência para resolver a situação é o povo”, comentou, em uma aparente referência à possibilidade de novas eleições.
O cenário pode começar a ficar mais claro esta semana, quando os deputados tomam posse e elegem o presidente do Parlamento. Se a oposição conseguir tirar o comando do Legislativo das mãos do AKP, isso pode ser uma mau presságio para Erdogan. Fonte: Associated Press.