A Turquia inaugurou hoje um túnel que era um sonho de muitos governantes do país desde que um sultão otomano propôs uma passagem sob a água em 1860, ligando o território europeu ao asiático em Istambul como parte de uma aposta para transformar a cidade num centro internacional. Com 62 metros abaixo da superfície e investimento de 5,5 bilhões de liras (US$ 2,77 bilhões), o projeto Marmary que atravessa o Estreito do Bósforo é o túnel ferroviário submerso mais profundo do mundo, permitindo a travessia de trens de carga e de passageiros, além do metrô.
A ferrovia, que foi atrasada em quatro anos à medida que as escavações encontraram artefatos de oito mil anos, vai transportar até 1,5 milhão de passageiros por dia entre a Europa e a Ásia numa viagem de apenas quatro minutos, reduzindo o congestionamento crônico no tráfego de Istambul, de acordo com estimativas do governo turco.
A conclusão do túnel, construído por um consórcio de empresas japonesas e turcas, liderado pela Taisei e financiado a uma taxa de juros de 0,75% pela Agência de Cooperação Internacional do Japão, vem sendo saudado pelo Partido da Justiça e Desenvolvimento, do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan, como o mais recente de uma série de projetos de infraestrutura de larga escala que se tornaram a marca da história de sucesso do governo, que está há dez anos no poder.
Ao inaugurar o que chamou de “projeto do século” no 90º aniversário da República Turca, o governo também apresentou suas credenciais para a campanha eleitoral do próximo ano. Como parte do esforço para estabelecer a Turquia como uma força regional, as autoridades apresentam o túnel como a ligação que conecta Pequim a Londres, tornando a obra crucial não apenas para Istambul como também para a humanidade. “Hoje, com este grande projeto, estamos enriquecendo nossa república e também fornecendo o que uma república democrática pode conquistar com estabilidade, confiança, irmandade e solidariedade. Marmaray está unindo pessoas, nações, países e até mesmo continentes”, disse Erdogan às autoridades presentes à inauguração, como o primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, e aos milhares de turcos que saudavam o líder local em Uskudar, a primeira parada do túnel no lado asiático.
O impulso desenvolvimentista do governo gerou um boom na infraestrutura e construção que ajudou Erdogan a triplicar o tamanho da economia da Turquia desde que seu partido assumiu o poder, em 2002, para US$ 786 bilhões. Agora, o premiê turco pretende repetir o feito e elevar o PIB do país para US$ 2 trilhões, transformando a Turquia numa das dez maiores economias do mundo quando a república completar 100 anos, em 2023.
São esperados mais de US$ 400 bilhões em novos enormes projetos de infraestrutura para ajudar a ancorar o crescimento do PIB da Turquia ao longo da próxima década. As ambições do governo incluem um dos maiores aeroportos do mundo para estabelecer Istambul como uma conexão internacional, um canal ao longo do lado europeu da cidade que conecte o Mar Negro ao Mar de Mármara para navegação comercial, três usinas nucleares e um projeto de renovação urbana para proteger a cidade contra terremotos.
Analistas alertam que pressões financeiras e políticas crescentes poderão prejudicar a capacidade do governo financiar tais projetos, com a economia desacelerando e um número cada vez maior de riscos ao cenário. “Será muito difícil levantar financiamento internacional”, disse Nigel Rendell, economista da Medley Global Advisors em Londres. A dificuldade, segundo ele, deve-se em parte à provável remoção dos estímulos à economia dos EUA pelo Federal Reserve no próximo ano. A liquidez do Fed, diz o economista, ajudou a alimentar o crescimento nas economias em desenvolvimento, como a Turquia. Além disso, acrescenta Rendell, “e mais importante, a confiança das pessoas na Turquia foi atingida pelos protestos ao longo do verão, quando Erdogan foi visto como um líder autocrata pela comunidade internacional”.
Em setembro, os bancos turcos assumiram o financiamento de US$ 2,3 bilhões para construção da terceira ponte no Estreito do Bósforo, diante da falta de financiadores internacionais. O governo, por sua vez, teve de reduzir o tamanho do projeto após fracassar nas ofertas pelo projeto, que era inicialmente estimado em US$ 6 bilhões.
Ainda assim, autoridades descartam visões de que a Turquia vai ter dificuldades para levantar cerca de US$ 300 bilhões em dívida para bancar seus projetos de infraestrutura. “Não haverá qualquer dificuldade de financiamento”, garantiu o ministro dos Transportes, Binali Yildirim. “Devido às circunstâncias globais, todos estão em busca de países estáveis para investir, como a Turquia. Em todos os lugares há uma crise econômica ou uma guerra, mas nós temos estabilidade econômica e crescimento. Se os organismos internacionais não quiserem emprestar à Turquia, elas poderão muito bem manter seus recursos em caixa”, desdenhou.
Implementar os projetos será crítico para o premiê Erdogan à medida que as eleições se aproximam. Os arranha-céus que proliferam e agora são uma marca no horizonte de Istambul, os projetos de estradas que viram autoestradas quadruplicarem na última década e os resplandecentes shopping centers que são uma testemunha de uma demanda insaciável dos consumidores ajudaram a transformar a vida na Turquia. Como resultado, o apoio a Erdogan subiu a 50% nas eleições gerais de 2011, de 34% em 2002. Com o túnel Marmaray, Erdogan pretende fazer mais do que meramente conectar os dois lados de Istambul, onde o premiê já foi prefeito: ele também quer consolidar sua liderança ao atrelar a si próprio aos antepassados otomanos da Turquia e lançar as bases para a prosperidade do país no futuro.
“A velha ordem já era, estamos entrando numa nova era”, disse um maquinista de 40 anos, Erhan Buran, que conduziu o trem que transportou o ministro Yildirim e a imprensa até o lado asiático de Istambul no último domingo. “Eu não poderia nem sonhar com um túnel como esse, e agora ele tornou-se real.” Fonte: Dow Jones Newswires.