A psicologia adverte: trair é prejudicial a qualquer relacionamento; causa ódio, dor, sofrimento e rancor. No entanto – por cultura, vício ou fantasia – as pessoas traem. O marido trai a mulher e o contrário também ocorre. Em uma relação saudável como o namoro, é muito comum. Nas relações de trabalho acontece bastante. Quem já não se decepcionou com um amigo? ?Todo mundo sabe que faz parte?, como diz a socióloga Miriam Adelman. O difícil é as pessoas admitirem: traídas ou traidoras.
Nos espaços reservados da internet, muitos deixam seus depoimentos. Somente no Orkut, existem mais de 20 comunidades sob os mais diferentes títulos. Desde Traição masculina merece morte, com mais de dez mil membros, até Meu ex é corno e não sabe, com 5.823 membros. Ainda tem Me decepcionei com uma amiga, Sou casada e quero um amante, Chifre, quem não faz toma e Cornos… Eu já fiz um, todas com mais de três mil participantes.
De acordo com a psicóloga paulista Silvana Martani, ?ninguém se recupera de uma traição. Quem já foi traído nunca esquece. Mesmo cinqüenta anos depois, a pessoa sabe contar a traição que sofreu do início, meio e fim. Afetivamente é um baque.?
A mestranda em literatura da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Patrícia Talhari, de 38 anos, diz que sentiu pena ao flagrar o primeiro marido em uma cena de traição. Hoje, 16 anos depois, ela diz não pensar mais sobre o que aconteceu, mas admite não confiar totalmente nas pessoas, em qualquer relação. ?Você nunca faz o que pensou que faria caso acontecesse. Primeiro eu fiquei congelada, sem ação e boquiaberta. Até você pensar em uma reação, já acabou e todos foram embora. A reação seguinte foi de acreditar: parece muito surreal. O terceiro movimento é procurar o apoio moral de família e amigos. Aí é que os problemas começam?, conta Patrícia.
Segundo ela, ?todos têm uma receita ou uma fórmula da melhor solução.? ?Todos se metem. A minha família disse que eu deveria ser mulher, entender e perdoar. Houve até os que disseram que eu deveria ter feito alguma coisa, falhado em algum momento. Eu não perdoei, saí. Fiquei uma semana sem reação. Até cheguei a pensar em perdoar, mas não deu. A gente entende humanamente, mas quando você vê é difícil?, afirma.
?Eu passei raiva, sim, mas acho que é mais pena que dá. Não sei por quê?, afirma. A traição a fez começar os cinco anos de análise. Apesar de hoje conversar com o ex-marido, que está casado novamente, ela admite que restaram marcas. ?Todas as outras traições pelas quais passei depois foram bem perdoáveis. Não guardei mágoas, nem ressentimentos. Meu segundo marido me traiu, não com outra, mas porque mentiu bastante, o que é uma traição bastante grave. Sempre tem as pessoas, amigos ou simples colegas, com quem a gente conta na vida, mas na hora ?h? nos desapontam. Acho que meu nível de expectativa em relação às pessoas baixou bastante. Fiquei muito cética?, afirma Patrícia.
A socióloga Miriam Adelman, da UFPR, afirma que hoje em dia os padrões de expectativa das pessoas, umas nas outras e em relação ao casal, de fato sofreram uma mudança. ?A fidelidade é uma ilusão cultural. A interação social é muito intensa e as pessoas não têm tanta expectativa em relação à fidelidade absoluta. A tendência da sociedade é ser menos moralista e idealista e mais realista e honesta. Todo mundo pode viver ou querer viver uma relação extra. O desejo é instável e em muitas vezes, difícil de controlar?, explica a socióloga.
Infidelidade e personalidade podem estar relacionadas
Antes mesmo de existir a relação amor e casamento, já existia a traição. A professora de psicologia e pesquisadora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Lídia Weber vai além. Ela explica que em termos de evolução, ?o ser humano não é monogâmico. A monogamia foi culturalmente criada para manter os vínculos?. Porém, por diversos fatores esses vínculos são enfraquecidos e, segundo pesquisas internacionais, pelo menos de 30 a 50% das pessoas traem.
?A traição causa dor e sofrimento, mas é a maior responsável pelo índice de divórcio que temos hoje. O que mais acontece, atualmente, é a traição eventual, uma ou duas vezes, não são comuns os compulsivos. O padrão cultural é manter a monogamia serial?, explica a pesquisadora.
Outros dados de pesquisas apontam que há uma relação entre infidelidade, personalidade e a própria relação conjugal. Pessoas centradas em si e que se consideram especiais, muitas vezes são exibicionistas, pessoas descuidadas, irresponsáveis e não confiáveis. E, pessoas impulsivas são as mais propensas a se envolverem em casos extraconjugais. Por outro lado, pessoas instáveis emocionalmente, que mudam de humor facilmente ou ainda brigam sempre com os parceiros podem fazer com que o outro traia.
A psicóloga ainda apresenta alguns pontos que podem ser considerados sinais de infidelidade, detectados em pesquisas: mudança repentina de rotina; desapego emocional; ter sempre outras pessoas como assunto ou nunca querer falar de determinada pessoa; ser em excesso raivoso ou crítico com o parceiro; e mostrar-se apático.
?Perdoar tem a ver sempre com o nível de traição. Numa relação mede-se sempre o custo/benefício: os níveis de envolvimento, como aconteceu. É possível perdoar, mas é preciso que seja uma conversa definitiva. Ficam marcas, mas não é preciso prestar atenção nelas?, afirma Lídia. Em relação ao perdão, os estudos psicológicos apontam que pessoas mais atraentes que os parceiros perdoam menos e os mais dependentes, econômica ou emocionalmente perdoam mais. (NF)
Traição empresarial também existe
?É uma questão cultural: algumas pessoas têm sempre de levar vantagem sobre as outras?, explica o professor e consultor de empresas Fábio Violin. Impulsionada pela competitividade negativa, disputa por poder ou apatia, ele afirma que a traição é uma atitude comum também no meio empresarial, principalmente em ambientes de clima tenso e sem perspectivas. Essas iniciativas podem levar certas pessoas ao isolamento, mesmo estando trabalhando dentro de uma grande corporação.
?As relações dentro da empresa tendem a se deteriorar por alguns fatores do dia-a-dia. A traição é bastante comum, porque há uma oferta muito grande de profissionais no mercado e para subir muita gente se utiliza de boicote?, explica Violin.
Geralmente os tipos mais freqüentes de boicote em empresas são a alteração de dados e manipulação de pessoas. ?É comum a gerência intermediária e alguns cargos de acesso acabarem roubando as propostas e idéias dos colegas. Outra coisa que acontece é a manipulação de dados para que as coisas pareçam melhor ou pior de acordo com o interesse?, afirma.
Não é somente em cargos de gerência que ?se puxa o tapete?. Segundo Violin, desde colegas de balcão até o responsável pela qualidade e a presidência podem trapacear. ?A vaidade humana é muito complicada. Às vezes não é nem por uma questão de dinheiro. A traição é geral, em empresas de todos os ramos, mas na área de serviços acontece muito mais, porque é bastante variada. A falta de estímulo e dedicação levam à traição?, explica.
Também nas relações de trabalho, é muito complicado para alguém admitir. ?Não se admite que isso existe, muitas vezes por dependência. É uma espécie de acordo entre cavalheiros, até porque quem expõe é apedrejado?, afirma Fábio Violin. (NF)