Tempo com qualidade para os filhos

Quando se fala da entrada e da permanência da mulher no mercado de trabalho, sempre aparece um questionamento: e como ficam os filhos? As mulheres que precisam e desejam trabalhar vivem esse dilema, que parece menos complicado conforme os dias passam. As mães já sentiram muita culpa de terem que deixar seus filhos enquanto estão batalhando na empresa. Entretanto, hoje elas sabem que é preciso administrar o tempo para ficar com as crianças e implantam essa rotina em casa.

Mesmo com essa evolução, há um conflito que não quer cessar. Muito se falou sobre a qualidade do tempo gasto com os filhos, teoria que vale para muitos casais na atualidade: "Basta uma hora com dedicação total que o problema está resolvido". Mas especialistas defendem uma nova tese: a qualidade é necessária, mas não pode andar separada da quantidade.

"Teve uma época que as mães saíram para trabalhar e ficaram com muita culpa. Foi aí que se adotou a questão da qualidade", afirma a psicóloga Ceres Alves de Araújo. Ela defende o aumento da quantidade de horas na educação do filho, mas ressalta que o tempo deve estar intimamente ligado com a qualidade. "Mãe em período integral nunca foi bom. Não deixa a criança desenvolver a sua individualidade, em qualquer idade. A quantidade é importante, mas não significa esquecer da qualidade", comenta.

A psicóloga Cristiane França diz que é complicado orientar os pais para abrir mão de certas atividades ou tarefas em prol dos filhos. Quando se toca nesse assunto, muitos homens e mulheres acham que vão perder oportunidades no mercado de trabalho se deixarem de fazer alguma coisa relacionada à profissão. "Eles primeiro devem estabelecer qual a filosofia de educação que vão dar para os filhos e o que de fato acreditam. Os pais devem definir qual é a prioridade deles. Estamos em uma época em que as pessoas temem muito a competição no trabalho", avalia.

Hoje em dia, qualquer um fala que está sem tempo para nada. As pessoas realmente estão trabalhando demais. Manejar o tempo, literalmente colocar a educação dos filhos na agenda, pode ser a saída para atender as necessidades dos pequenos. "Todo mundo precisa pagar as contas e sustentar a casa, mas os pais podem ter mais tempo não extrapolando as questões extras. Dá para se organizar e limitar algumas atividades. As pessoas acrescentam excesso de trabalho, tarefas que não precisam ser feitas com urgência", enfatiza Cristiane.

"Se tem filho pequeno, adia a pós-graduação, por exemplo. Os pais correm o risco de ser virtuais. Muita gente se acomodou nesta idéia de qualidade. É preciso lembrar de ligar para o filho, levar para a escola, reservar alguma atividade com ele uma vez por semana. Quando se planeja um filho, tem que ter espaço para ele na agenda", sugere Ceres. Ela frisa que o planejamento de uma criança vale muito hoje em dia por causa da competição do trabalho e das contas da casa. "Se veio inesperadamente, é necessário criar estratégias inteligentes para dar conta. Ou muda o relógio ou a babá e a avó podem substituir a mãe."

Para a diretora da clínica de psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Mari Ângela Calderari Oliveira, não se pode pregar que os pais devem abrir mão totalmente do que fazem ou do que desejam realizar. O afastamento do trabalho ou a impossibilidade de realizar atividades pessoais podem causar frustrações. "É melhor ter uma pessoa satisfeita. Às vezes a mãe fica o dia inteiro em casa, mas queria estar trabalhando. A pessoa também precisa se realizar profissionalmente, sentir que está produzindo. Terá mais condições de exercer funções mesmo que o tempo seja pouco. Uma pessoa frustrada pode ter dificuldades na relação pai e filho", pondera.

De funcionária a empresária

Pedro Henrique (16 anos) e Gabriel (13) são os filhos da empresária Graziela Tavares Fuzzo. Quando eram pequenos, Graziela trabalhava na Companhia Paranaense de Energia (Copel) e precisava viajar bastante. "Acho que a situação hoje está mais tranqüila do que naquela época. Antes, sempre ouvia aquele ‘mãe, não vá’. Era difícil participar de comemorações do Dias das Mães ou jogos de futebol. Hoje trabalho por conta própria e consigo conciliar melhor os horários", conta.

Graziela acredita que a receita para dar conta de tudo é explicar que as viagens e as jornadas de trabalho fazem parte da rotina. A criança também precisa entender que aquilo é necessário. "Não se pode fazer disso um problema. Se desde o início achar que é problema, os filhos também vão achar. Tem que disponibilizar tempo, mas não é uma questão de quantidade. É a maneira como você participa, sem abandonar. Pelo menos ligue, cobre, lembre. Isso também é tempo. Depois vai chegar a vez deles, quando não vão deixar de sair para ficar fazendo companhia para os pais velhinhos", opina.

Ela diz que foi criada de forma diferente, na época em que a mulher exercia o papel de mãe integralmente. "Tive mãe exclusiva. Mas não acho que os meus filhos são menos felizes ou piores do que eu." Graziela e o marido buscam os filhos na escola e todos almoçam juntos, diariamente. "Agora é muito mais fácil para todos porque existe diálogo. Lógico que são adolescentes, saem umas briguinhas, mas eles participam da nossa vida e a gente da deles." (JC)

Grávidas são vítimas de preconceito

A falta de tempo dos pais com os filhos pode gerar conseqüências negativas no desenvolvimento da criança. "Quanto menor o filho, maior o tempo que os pais vão precisar dedicar a ele", ensina a psicóloga Ceres Alves de Araújo. O primeiro ano de vida é a fase em que são definidos os traços do caráter. Nesse período, o bebê aprende por meio das emoções e sensações. "O apego, o abraço, a presença, o sentimento de segurança são muito importantes", ressalta a psicóloga Cristiane França.

Segundo a presidente da Sociedade Paranaense de Pediatria, Eliane Cesário Pereira, há uma campanha para aumentar o período da licença-maternidade de quatro para seis meses, a fim de diminuir as conseqüências dessa inevitável rotina dos pais. "Pelos menos, os seis meses são necessários para garantir o futuro de um bom relacionamento, além da questão da amamentação, que dá suporte à parte física", conta. Eliane explica que as mães já começam a ficar angustiadas um mês antes de terminar a licença. Ficam ansiosas com o que vão fazer quando voltarem ao trabalho. Esse estresse afeta até o aleitamento materno. Outro fator apontado por ela é o preconceito existente no mercado de trabalho. Segundo Eliane, muitas empresas preferem profissionais do sexo masculino para alguns cargos, porque as mulheres podem engravidar e se afastar do emprego. "Elas se preocupam com isso. Algumas relatam que foram rebaixadas quando informaram que estavam grávidas. Carregam o peso de trabalhar e sustentar a família, além do preconceito".

Eliane acredita que as empresas devem fazer um movimento pela qualidade de vida dessas mulheres. Muitas delas não conseguem sair do trabalho para amamentar o filho. Se pudessem, isso refletiria na melhora do vínculo com a criança e reduziria os casos de doença. A creche dentro da sede da fábrica ou do escritório também é uma alternativa para a qualidade e a quantidade de tempo gasto com os filhos. Sabendo que estão perto, as mães podem amamentar tranqüilamente e ficar despreocupadas. "Existem leis para que empresas de determinado porte instalem creche para os filhos de funcionárias. Conversando com advogados e especialistas, fiquei sabendo que apenas 30% cumprem a lei. É preciso cobrança nisso", cita Eliane. (JC)

Planejamento das atividades amplia convívio

A médica dermatologista Kátia Sheylla Purim tem três filhos: Laila, de 11 anos; Mirela, 7 anos; e Andreis, 6 anos. Trabalha no Hospital de Clínicas (HC) e em seu consultório. Uma rotina complicada, mas que tem espaço para as crianças. "Eu desejei e planejei os meus filhos. Primeiro fiz o curso de Medicina, a residência, a especialização. Mesmo assim, tive que me reorganizar. No começo, bateu um desespero. Vinha na minha cabeça a pergunta: ‘O que vou fazer agora?’, apesar do planejamento".

Kátia reduziu a carga de trabalho e separou as tardes de terça e quinta para fazer atividades com os filhos, como ir ao parque, brincar e ajudar nas tarefas escolares. Faz questão de levar e buscar na escola. Na casa dela, é regra todos almoçarem juntos, todos os dias. "A gente aumenta as oportunidades de convívio, apesar de ser cansativo. Esse artifício de usar as terças e quintas é para que os filhos sintam que são parte da nossa vida, a coisa mais importante. Temos que favorecer esses momentos e aproveitar todos os tempinhos", aconselha.

Além disso, a médica agora faz doutorado. "Tenho que estudar à noite ou depois que eles dormem. Toda essa rotina é trabalhosa, mas é muito bom e gratificante. Faz parte de um investimento na educação deles. Dá certo quando se faz um trabalho de equipe. A parceria do meu marido é essencial. Tentamos passar isso para as crianças. Um precisa ajudar o outro", comenta. (JC) 

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