Superdotação: fenômeno nem tão incomum

O conceito da superdotação é subjetivo, mas o fenômeno é real e muito mais comum do que se imagina. Até os anos 90, perdurava a crença considerada clássica de que a determinação da superdotação partia pura e simplesmente da análise do quoeficiente de inteligência (QI). Crianças submetidas ao teste que ultrapassavam os 130 pontos eram consideradas superdotadas.

Entretanto, o avanço dos estudos neurológicos, que desvendam os mistérios do cérebro humano, permitiu a formulação do conceito modular da superdotação, ligada à teoria neuropsicológica da competência modular da mente. Com ele veio a explicação do porquê da genialidade de algumas pessoas em determinadas áreas.

Segundo a psicóloga Elizabete da Veiga, o novo entendimento do funcionamento do cérebro deu a oportunidade de uma nova interpretação da superdotação. ?Surgiu uma nova idéia do que é a inteligência, muito mais ligada à criatividade e envolvimento com determinados temas?, explica. Daí o entendimento do porquê dos maiores gênios da história serem sumidades em certas áreas do conhecimento e serem comuns em outras.

A teoria também põe por terra o conceito de que as pessoas superdotadas são aquelas que vão bem na escola. ?Algumas pessoas extremamente inteligentes até podem ir, porém é comum notar superdotados que não vão bem em determinadas matérias ou são indisciplinados?, explica Elizabete. A indisciplina, nesse caso, está diretamente ligada ao fato da criança ou do adolescente se sentir deslocado no meio de colegas com grau de inteligência na média comum. ?É comum também que o superdotado acabe sofrendo discriminação, já que é diferente dos colegas. Daí a necessidade de identificar a superdotação o quando antes e trabalha-la da melhor maneira possível.? Na análise da psicóloga, o ideal é manter a criança ou adolescente superdotado cursando a escola tradicional, porém com atividades paralelas que permitam o desenvolvimento das potencialidades especiais de cada um. ?As habilidade da superdotação têm que ser trabalhadas, porque o que não se usa, atrofia. Com a inteligência acontece exatamente isso. Apesar de acreditarmos em que parte da superdotação é hereditária, o meio onde o superdotado vive pode influenciar diretamente o desenvolvimento ou não de suas habilidades.?

Identificação

Com o conceito da relatividade da inteligência, fica a pergunta de como se identifica um superdotado. ?Existe uma série de observações, pois não há um conceito específico. Geralmente a identificação vem da análise do padrão de habilidade das crianças dentro da sua faixa etária e cultural.? Na prática, crianças que aprendem a ler e escrever antes da idade considerada normal, que usam linguagem e palavras típicas de adultos ou são extremamente curiosas e auto-suficientes, oferecem indícios de superdotação. Em caso de suspeitas, uma análise psciológica pode ser decisiva na determinação. 

Instituto ajuda no desenvolvimento dos superdotados

Se o conceito da superdotação ainda é um tanto quanto mitificado, entende-se o porquê do atendimento restrito a crianças e adolescentes superdotados. O Instituto de Educação do Paraná quebrou a regra e criou, há dois anos, um espaço para ao desenvolvimento das habilidades dos alunos considerados superdotados, abrindo espaço também para a comunidade.

Com apoio da Secretaria de Estado da Educação (Seed), que se mirou na abertura do governo federal aos alunos especiais, as professoras Denise Matos e Paula Sakaguti tomaram a frente do projeto inovador. Hoje, são 46 crianças de 7 a 15 anos superdotadas que freqüentam as atividades extra-curriculares oferecidas no instituto, que foram identificadas pela observação dos professores, dos próprios familiares ou provenientes de diagnóstico de psicólogos. ?Promovemos oficinas para contemplar todas as áreas em que eles têm interesse. A maioria é muito curiosa e quer participar de tudo. Porém, identificamos as habilidades especiais de cada um e encaminhamos para o curso que promove maior identificação?, explica Denise.

Entre os temas desenvolvidos há de tudo, desde um projeto de pesquisas com pombos até oficinas de música e teatro. No projeto dos pombos, eles tinham como objetivo descobrir o porquê de tantos pombos no instituto e fizeram um estudo detalhado, inclusive com mapeamento das praças da região. ?Depois eles descobriram que as pombas se multiplicavam no próprio instituto, de modo que a origem da superpopulação era daqui?, explica Paula, exemplificando um trabalho que envolve especialmente a área da biologia. Depois de desenvolverem projeto de RPG, neurociência,  eles ilustraram um livro, estudo da origem dos brinquedos, com direito à pesquisa histórica; eles agora se concentram em arte, literatura e história, com um trabalho direcionado à Guerra do Contestado.

Diferente do que se possa imaginar, o objetivo do trabalho não é projetar grandes nomes nas mais diversas áreas de conhecimento. ?São crianças especiais que muitas vezes sentem-se deslocadas no meio em que vivem, já que têm uma leitura de mundo mais detalhada e sensível. Convivendo com outras iguais a elas, elas se sentem menos deslocadas?, explica Denise. A oportunidade de crescimento das habilidades naturais destes pequenos superdotados vem no pacote. ?Na medida do possível, damos a eles oportunidades de fazer os potenciais se desenvolverem.?

Parceria

O trabalho do desenvolvido no instituto conta desde o início com o apoio do departamento de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Aos discentes do curso, orientados pela psicóloga Elizabete Veiga, cabem os estágios com o grupo, resultando no apoio psicológico não só aos alunos como também aos pais, que muitas vezes se sentem perdidos. ?É uma situação diferente e,  assim como as crianças e adolescentes sentem-se deslocados, os pais ficam na dúvida de como lidar com eles. Além da ajuda psicológica, eles encontram no instituto outros pais para poderem trocar experiências?, diz Paula. (GR)

Garota tem interesses diferentes dos de seus colegas

A adolescente Dafne Cristine Lucas, de 14 anos, é um exemplo clássico de superdotada. Com gostos refinados para a literatura, que passa pelo suspense de Edgar Allan Poe, e inclinação para a biogenética e computação gráfica, ela tem interesses muito além de seus colegas do primeiro ano do ensino médio.

?O lado ruim é que muitas vezes me sinto um ET entre eles. Sem querer parecer arrogante, me frustra ver que eles não têm interesse na vida?, diz a garota, que não vê a hora do seu aniversário de 15 anos chegar, em outubro, para ganhar um violino. ?Um dos meus interesses é a música. Toco piano de ouvido, mas como pratico pouco, não toco bem. Agora quero me dedicar ao violino?, diz. Enquanto a maioria de seus colegas mira-se em ídolos do show business, como é típico de adolescentes, Dafne tem como referência a cientista Alexia Ashford, personagem de um jogo eletrônico, outra paixão da garota.

Nas aulas especiais do instituto, ela pode extravasar e desenvolver todo o seu gosto e potencial, criando o alicerce para a sua futura profissão, que poderá ser geneticista ou astrônoma. ?Queria mesmo me dividir entre as duas coisas. Também gosto de arqueologia?, diz.

A superdotação de Dafne foi percebida pela mãe quando ela tinha oito anos de idade e perguntava muito, especialmente sobre ciências. ?Ela percebeu que meus interesses eram outros. Gostava de conversar com os adultos.?

A professora Maria Angélica Cerve Araújo também descobriu a superdotação do filho Luís Gustavo observando o comportamento diferenciado dele, também percebido pela então professora do menino, a coordenadora do projeto, Paula Sakaguti. ?Ele desde pequeno sempre foi muito curioso, com vocabulário acima da média e uma produção de texto excelente, com humor. Também sempre gostou muito de ler?, diz.

Apesar de ter um filho superdotado, Maria Angélica faz questão de dar um tratamento normal, não permitindo que o garoto se vanglorie por isso. ?Sei que ele é especial, mas ele tem as obrigações e tratamento de uma criança normal. Deste modo, não temo que ele seja alvo de preconceito?, conclui. (GR)

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