Suíça passa por crise de identidade

Filho de imigrantes bósnios, Haris Seferovic, de 19 anos, virou herói nacional na Suíça. No ano passado, ele calou 60 mil torcedores nigerianos ao marcar o único gol da final da Copa do Mundo sub-17, em Abuja, na Nigéria, dando aos suíços o primeiro e único título relevante dentro um campo de futebol. Na mesma seleção jogam o português André Gonçalves, o chileno Ricardo Rodríguez e mais uma dezena de “estrangeiros”.

O fenômeno que ocorre com a seleção suíça sub-17 é a ponta do iceberg de uma transformação social que está vivendo o até então pacato país alpino, que sempre se gabou de sua neutralidade. As mudanças, contudo, estão mergulhando o país em uma autêntica crise de identidade.

A mudança mudou a maneira pela qual a comunidade internacional enxerga o país e tem aumentado a pressão para que a Suíça repense suas leis, alianças e sua estrutura de poder.

No campo econômico, a maior crise está no setor bancário. Cerca de 30% da fortuna do mundo está depositada nos bancos suíços – quase US$ 3 trilhões. Dizem, no mercado financeiro, que se houver um banco suíço em crise, o mundo deve começar a se preocupar. E foi isso o que ocorreu em 2009.

Só o banco UBS viu seus clientes retirarem do país mais de US$ 250 bilhões com o temor de mudanças nas leis de segredo bancário. Pressionados pela crise financeira e por déficits colossais, os países ricos querem garantir que seus cidadãos não desviem dinheiro para a Suíça.

Uma caça às contas secretas começou. Na França, processos foram abertos com a ajuda de dados roubados de computadores de bancos de Genebra. Diretores do Credit Suisse foram aconselhados a não viajarem para a Alemanha porque correm o risco de serem presos por lavagem de dinheiro.

A chiadeira global contra as leis bancárias suíças é, no fundo, um questionamento do papel da Suíça no mundo de hoje. A Suíça estabeleceu sua neutralidade no Congresso de Viena, em 1815 – desde então, o país nunca lutou em uma guerra. Na Europa, no entanto, essa pose não convence mais ninguém.

Isolamento

A Suíça é avessa ao multilateralismo. O país se tornou membro da ONU apenas em 2003 e a adesão à União Europeia é rejeitada pela maioria da população. O isolamento tem consequências práticas: em caso de pressão externa, ninguém a defende.

O isolamento ficou claro na pressão feita pela G-20 para que o país acabasse com o segredo bancário. A Suíça bem que tentou uma aliança com outros paraísos fiscais, como Luxemburgo e Liechtenstein, que por motivos óbvios não conseguiu frear o lobby de França, EUA e Grã-Bretanha.

Outro ponto de atrito é a chegada de estrangeiros. Nos últimos anos, partidos de extrema direita se transformaram na principal força política da Suíça. Como bandeira, a luta contra a imigração, que estaria descaracterizando o país. Hoje, 20% dos 7,7 milhões de habitantes são estrangeiros. O Partido do Povo Suíço (SVP), que tem quase 30% do eleitorado, defende a expulsão de estrangeiros – e da família – em caso de crime, o que é considerado uma aberração jurídica.