Sincronismos históricos II

ARQUEOLOGIA NO IRAQUE

Outro sincronismo mencionado na Bíblia e confirmado por inscrições assírias é o de II Reis 15:19. “Então veio Pul, rei da Assíria contra a terra e Menaém deu a Pul mil talentos de prata.” Pul é o nome pelo qual Tiglate-Pileser III (745-727 a.C.) era conhecido em Babilônia.

Tiglate-Pileser é mencionado em II Reis 15:29, onde aparece como um contemporâneo de Peca, rei de Israel. Infelizmente, nenhuma precisão maior é dada nestas passagens. Mas uma cronologia dos reis de Israel, digna de confiança, deve permitir que tanto Menaém como Peca tenham sido contemporâneos de Tiglate-Pileser III. Com efeito, E. R. Thiele data o reinado de Menaém, de 752 a 742, e o de Peca, de 740 a 732.

De acordo com II Reis 16:7 e 10, outro rei que teve contato com Tiglate-Pileser foi Acaz, rei de Judá. Thiele data o reino de Acaz de 732 a 716, com uma co-regência de alguns anos com Jotão, seu pai.

Muito mais bem-documentado é o sincronismo entre o rei Ezequias de Judá e Senaqueribe, rei da Assíria (II Reis 18:13 a 19:37). O sítio de Jerusalém por Senaqueribe é mencionado no famoso Prisma de Taylor, cuja fotografia aparece em vários livros de arqueologia e cujo texto é traduzido na íntegra no Ancient Near Eastern Texts, editado por J. E. Pritchard. Reproduzimos aqui apenas a parte que nos interessa desta longa inscrição:

“Quanto a Ezequias, o judeu, ele não se submeteu a meu jugo. Eu sitiei 46 de suas cidades fortes… e inúmeras aldeias menores em sua vizinhança, e as conquistei por meio de rampas bem-pisadas e aríetes trazidos para junto (dos muros) (combinados com) o ataque de soldados a pé, (usando) minas, brechas e trabalho de sapadores. Expulsei (delas) 200.150 pessoas, jovens e velhos, homens e mulheres, cavalos, mulas… Eu o fiz prisioneiro em Jerusalém, sua residência real como um pássaro na gaiola…” (Anet, p. 288)

É digno de nota que Senaqueribe não pretende ter tomado Jerusalém, o que indiretamente confirma a narrativa bíblica quanto à destruição de boa parte do exército assírio. Do ponto de vista deste artigo, o importante é que a data de 701 a.C., derivada dos documentos assírios para esta campanha de Senaqueribe contra Judá, é tratada como uma data absoluta por Thiele em seu livro sobre a cronologia dos reis hebreus.

Outros reis

Senaqueribe foi seguido no trono da Assíria por Esar-Hadom (II Reis 19:37), cujo reinado durou de 680 a 669 a.C. Numa inscrição conhecida como o Prisma B, Esar-Hadom menciona Manasses de Judá como um dos reis por ele convocados para providenciar o transporte de toras de cedro do Líbano para Nínive, sua capital (Anet, p. 291).

O rei seguinte a ocupar o trono da Assíria foi Assurbanipal (668-627 a.C.). Ele também menciona Manasses, que teve um longo reinado (696-642), como um dos reis que foram obrigados a lhe pagar tributo e a contribuir com tropas para sua primeira campanha contra o Egito (Anet, p. 294).

Embora esses contatos não sejam mencionados na Bíblia, não há como negar sua historicidade, particularmente porque, segundo a cronologia de Thiele e outros, estes reis foram contemporâneos.

Um contato entre Jeoaquim, rei de Judá (608-597 a.C.) e Nabucodonosor é mencionado brevemente em II Reis 24:1. Este contato ocorreu em 605 a.C., quando Nabucodonosor, depois de derrotar o exército do faraó Neco II, em Carquemis e Hamate, estendeu seu domínio até a fronteira do Egito. Entrementes, ele obrigou Jeoaquim a transferir sua vassalagem de Neco II para sua pessoa. Em agosto do mesmo ano morria seu pai, Nabopolassar, e Nabucodonosor subia ao trono da Babilônia. Os restantes meses de 605 e os primeiros meses até a primavera de 604 constituíram o ano de ascensão de Nabucodonosor. Segundo a tradição babilônica, o primeiro ano do seu reinado só conta a partir do dia, em 604, quando recebeu o poder real numa cerimônia na qual, simbolicamente, o deus Marduque lhe confere o reino.

Daniel

É indispensável fazer esta distinção entre o ano de ascensão e o primeiro ano de reinado, porque de outro modo haveria contradição entre o sincronismo de Daniel 1:1 e o de Jeremias 25:1. O breve sítio de Jerusalém, ao qual se refere Daniel 1:1, ocorreu no terceiro ano do reinado de Jeoaquim, ano este que corresponde ao ano de ascensão de Nabucodonosor e não a seu primeiro ano de reinado. Na minha opinião, o sítio foi interrompido quando Nabucodonosor recebeu a notícia da morte de seu pai em Babilônia. Nabucodonosor se contentou em receber um pequeno tributo, além de alguns reféns, entre eles Daniel e seus companheiros (Dan. 1:6).

Evidentemente, pouco se saberia destes contatos entre reis de Israel e de Judá e os reis das grandes potências da época não fossem as descobertas arqueológicas dos últimos 160 anos. Quando o ceticismo de muitos estudiosos quanto à historicidade da Bíblia estava na ascendência, os arquivos da Assíria, Babilônia e Egito vieram à luz para confirmar os dados históricos encontrados nas Escrituras. Entre estes dados se distinguem os sincronismos acima relatados, pois fornecem a possibilidade de comparar a cronologia bíblica com a de outras nações e, deste modo, estabelecê-las sobre uma base mais fidedigna.

Siegfried Júlio Schwantes é Ph.D em Línguas Semíticas pela Universidade Johns Hopkins. Brasileiro, atuou durante décadas em diversas escavações no Oriente Médio. Aposentado, reside em Silver Springs, Maryland, EUA.

Editor desta sessão:

Ruben Dargã Holdorf

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