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Caso o artigo 30 do Estatuto seja referendado, cidadão comum será totalmente desarmado.

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No dia 23 de outubro, a população brasileira terá que votar em um referendo e responder a seguinte questão: o comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil? O assunto é referente ao artigo 35 do Estatuto do Desarmamento, que vigora desde 2003.

O estatuto editou uma série de medidas, dificultando a compra e o porte de armas. Hoje, se uma pessoa quiser tirar porte de armas, precisa ter mais de 25 anos, fazer um teste psicológico, um exame de tiro na Polícia Federal e ainda comprovar a necessidade de ter uma arma de fogo. Com tanta dificuldade, de 2003 para cá, o Estado do Paraná só concedeu 10 portes de armas.

No entanto, a bandeira defendida pelo governo federal é de que a criminalidade no País pode sofrer grande decréscimo, uma vez que seja promovido o desarmamento da população civil. Mas a medida ganhou muitos opositores no Congresso e, após muita discussão, decidiu-se deixar à cargo da população a decisão final.

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O referendo é um tipo de consulta popular que se difere do plebiscito em um único aspecto: uma lei é posta à apreciação popular depois de já ter sido constituída e não o contrário, como acontece em plebiscitos. No último, realizado em 1993, os brasileiros tiveram que escolher qual o melhor regime político para o País: presidencialismo, parlamentarismo ou monarquia. Venceu o presidencialismo e a lei foi criada.

Com o referendo de outubro, a população irá referendar ou não o artigo 35 do Estatuto do Desarmamento. Caso ele seja referendado, haverá um desarmamento total do cidadão comum, como já prevê o estatuto. Caso o artigo 35 não seja referendado, a proibição da venda de armas não ocorrerá e a lei será revogada.

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Enquanto defende com todas as forças o desarmamento, o governo apóia-se em estudos e estatísticas. O mais recente deles, elaborado pela Unesco, mapeou as mortes por armas de fogo no Brasil, entre 1979 e 2003. O estudo, divulgado no mês passado, também comparou os números brasileiros com outros 56 países pesquisados e chegou a dados alarmantes. Só em 2003, foram 39.284 vítimas de armas de fogo, o que representa 107 mortes diárias.

Estes e outros dados servirão de "armas", a partir de 23 de setembro, quando as frentes parlamentares – contrárias e favoráveis ao desarmamento – formadas no Congresso Federal começarão a veicular propaganda para conquistar o eleitorado.

Contra e a favor

O deputado federal paranaense Abelardo Lupion é o vice-presidente da Frente Parlamentar Pró Legítima Defesa, que reúne 135 deputados e dois senadores contrários à proibição da venda de armas. Segundo Lupion, a medida já se mostrou ineficaz. "O Estatuto do Desarmamento já vigora há dois anos. Quando se leva em conta que, no ano passado, só foram vendidas 400 armas em todo o Brasil e não houve queda na criminalidade, é possível comprovar que não é a venda de armas que vai atrapalhar os planos do governo de diminuir a criminalidade", afirma o parlamentar. Segundo Lupion, o caminho não é desarmar o cidadão de bem. Para ele, o Código Penal brasileiro prevê a legítima defesa e não se pode ir contra ao que já está estabelecido.

No outro time, daqueles que defendem a medida, está o deputado federal Gustavo Fruet, que integra a recém-criada Frente Parlamentar Mista por um Brasil Sem Armas. Fruet diz que não será apenas com a proibição da venda de armas que vai se acabar com a violência no País. "Não é uma solução simples. O que sabemos é que, do jeito que está, não pode ficar. Temos que adotar outras medidas de caráter restritivo, além do referendo, porque será através de uma soma de fatores que surtirão efeitos para acabar com a criminalidade", disse.

Sociedade organizada também se mobiliza

A sociedade organizada também está se mobilizando. Organizações não governamentais como o Viva Rio e o Convive apóiam a campanha do governo federal. Por outro lado, outros grupos foram criados especialmente para o oposto da idéia. É o caso do Pela Legítima Defesa, uma coalizão de diversas associações que, a partir de agosto de 2000, defendem o que chamam de direito natural e inalienável à legítima defesa e, portanto, o direito de possuir e portar armas de defesa.

De acordo com o coronel da reserva Jairo Paes de Lira, um dos porta-vozes da coalizão, que atuou durante muitos anos no combate à criminalidade, as armas de fogo são, de fato, os instrumentos da maioria dos crimes de roubo, homicídio doloso (intencional) e de latrocínio (matar para roubar). "É preciso levar em conta que as armas usadas neste tipo de crime são as ilegais que existem em mãos de criminosos, não as registradas, possuídas por homens e mulheres de bem. O bandido não compra arma em loja, não registra arma, não declara à autoridade que possui arma e muito menos entrega arma alguma ao governo em lacrimosas campanhas de desarmamento", afirma.

Além de endossar a tese da ineficácia da medida, o Pela Legítima Defesa afirma que a proibição de vendas de armas trará prejuízos à economia do País. De acordo com dados da organização, a produção e a comercialização de armas de fogo e munição responde por 27 mil empregos diretos e indiretos no Brasil. Com a proibição, esses postos de trabalho poderão ser extintos. Além disso, eles afirmam que a participação brasileira no mercado mundial de armas de fogo, segundo o Instituto Internacional de Investigações para a Paz, de Estocolmo, é de US$ 100 milhões, renda esta que poderá ser perdida.

A Associação dos Delegados de Polícia (Adepol) também já manifestou publicamente ser contrária à proibição. De acordo com o presidente da Adepol no Paraná, João Ricardo Kepes de Noronha, a lei proposta pelo governo é mais retórica política do que prática. "Em dois anos de funcionamento da lei, vimos a violência aumentar de forma assustadora, sobretudo os crimes violentos contra a vida. É preciso analisar estes fatores para perceber que o caminho para resolver o problema da insegurança não é este", afirma.

Paraná foi pioneiro em ação de desarmamento

O Paraná foi o estado pioneiro em iniciar a campanha do desarmamento no Brasil, no início de 2004. Cerca de 20 mil armas foram arrecadadas em todo o Estado em quatro meses, sendo que 13 mil foram entregues pela população civil e cerca de sete mil apreendidas pela polícia. No Paraná, além de pagar pelas armas entregues pela população, o governo do Estado resolveu também pagar aos policiais por arma apreendida.

Em âmbito nacional, a campanha do desarmamento começou em julho do ano passado e deveria ter terminado em 23 de junho deste ano, mas foi prorrogada até 23 de outubro. Desde o início da campanha, foram recolhidas mais de 338 mil armas no País. No Paraná, a Polícia Federal recebeu, até o último dia 20, 20.385 armas. Quem faz a entrega, tem direito a uma indenização que varia de R$ 100 a R$ 300, dependendo do calibre da arma.

A Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sesp) realizou um levantamento e verificou que, no período em que vigorou a campanha estadual do desarmamento, houve queda no número de homicídios. Em Curitiba, o número de homicídios dolosos caiu 12,5% no comparativo do primeiro quadrimestre de 2004 em relação ao mesmo período de 2003. Na Região Metropolitana, foi registrada queda de 27% nos homicídios, no mesmo período.

Alternativa

Para o secretário estadual de Segurança Pública, Luiz Fernando Delazari, proibir a venda de armas no Brasil não resolverá o problema da criminalidade, mas é uma boa alternativa para a segurança pública. "A medida não ataca todos os focos do problema, não vai reduzir a violência de um modo geral, mas vai ajudar e muito, principalmente na diminuição dos crimes contra a vida", afirma o secretário.

Para Delazari, não passa de falácia o argumento usado por aqueles que são contrários à medida, que afirmam que proibir o cidadão comum de se armar significa também tirar o direito do cidadão à legítima defesa. Delazari diz que as estatísticas demonstram que uma pessoa armada que tenta se defender numa tentativa de assalto ou roubo tem 70% de chances a mais de se tornar uma vítima do bandido. "Reagir significa aumentar a insegurança".

O secretário também nega o argumento de que, com a proibição, o contrabando de armas pode aumentar no País. Para ele, um assunto não está ligado ao outro. "O que sei é que, onde a lei do desarmamento atuou, houve queda nos crimes de homicídio. Vivemos uma guerra no dia-a-dia e ela está espalhada pelo País. Alguma coisa precisa ser feita para mudar isso e a campanha do desarmamento é um passo importante", afirma.