?Ir à Biblioteca Pública é tão bom! Tem muita coisa interessante para se fazer, ver filmes, conhecer novos livros e até mesmo ler os jornais do dia, sem precisar pagar por eles?.
O comentário foi feito por uma senhora com mais de 60 anos, que compunha a platéia que se preparava para ouvir uma palestra da psicóloga Tereza Cristina Karam, com formação em gerontologia, que iria discorrer sobre o tema ?Cheguei na maturidade, e agora ??. Enquanto a palestrante não iniciava seu trabalho, as mulheres (e os homens) trocavam idéias sobre o que fazer para preencher o tempo livre, conquistado à duras penas, depois de alcançar a aposentadoria, criar os filhos e conseguir certa estabilidade financeira.
Muita gente, ao chegar na maturidade (ou terceira idade, como costumam dizer), entra em depressão, achando que deixa de ser útil. Passa a se considerar um peso para a família, um incômodo para os filhos, e veste a carapuça de que para os idosos restam a poltrona favorita, o televisor e o par de chinelos.
No entanto, a coisa não funciona bem assim.
Depois de anos de estudos, Tereza Karam montou uma apostila, no mínimo interessante, que pretende ajudar a romper os ?mitos? da terceira idade. Os falsos conceitos criados por uma sociedade que cultua o belo, o jovem e o consumo. A psicóloga enumerou seis ?mitos? que atormentam a maioria das pessoas que passa dos 60 anos.
E os derrubou um a um, com explicações simples e dicas que podem melhorar a convivência entre jovens, adultos e idosos. Afinal de contas, a expectativa de vida dos brasileiros é, em média, de 70 anos.
E há muito o que aproveitar.
Na reportagem de hoje, o leitor vai conhecer os mitos e aprender a driblá-los, garantindo assim uma convivência satisfatória com o envelhecimento, processo natural de todo ser humano. Boa leitura.
Agenda Cheia, Após aposentadoria
Terezinha Isofina Corrêa completou 65 anos de vida este mês, exatamente quatro dias depois de conseguir a aposentadoria. Ela trabalhou desde os 14 anos, primeiro como auxiliar de escritório, depois como professora. Formada em Biologia -curso que só foi concluir aos 40 anos de idade -passou os últimos 20 anos em salas de aula, com alunos dos ensinos fundamental e médio. Dona de brilhantes olhos verdes, herdados de seus avós suíços, revela estar muito feliz com a condição de aposentada. Nem de longe lhe passa pela cabeça coisas como depressão ou não ter o que fazer.
Pelo contrário, sua agenda está cheia.
Fazendo o percurso contrário de muitas mulheres, Terezinha quer agora dedicar-se integralmente ao lar. ?Trabalhei muito fora.
O que me tomava o tempo que poderia dar à minha família. Agora vou recuperar isso?, diz ela, sorrindo. O retorno às panelas lhe fez recobrar o gosto pela culinária francesa, o que virou um hobby. Vez por outra ela prepara um prato especial, cheio de ervas especiais, e manda de presente para um dos netos. Sua alegria está, inclusive, em ter tempo para ir ao Mercado Municipal, escolher com rigor as ervas que farão parte do tempero.
Com muita alegria – e talento – Terezinha também está conseguindo se dedicar mais ao jardim, plantando flores e verduras.
Entre pés de alface e orquídeas floridas, ela se realiza, unindo o belo ao útil.
Um de seus desejos é que existisse paz no mundo. ?A guerra é coisa ultrapassada. Não cabe mais no século XXI?, sentencia. Para ajudar na busca da paz, Terezinha exerce o amor em família, tentando agregar os seus, para que isso possa ser disseminado. ?Se cada um fizesse a sua parte, viveríamos em um paraíso?, salienta. Fora de casa, busca sabedoria e paz no messianismo, religião que descobriu há algum tempo. Curiosa, também começou a estudar a língua árabe e a dança do ventre. Dança muito bem, segundo uma de suas filhas. Quanto ao idioma, diz que aprendeu como se escreve e matou a curiosidade. Então parou de estudar. Mas francês fala fluentemente. Também borda com esmero e presenteia a família com belas toalhas.
Boa parte destas atividades já eram exercidas por Terezinha antes da aposentadoria.
O que muda, é que agora seu tempo pode ser integralmente usado para fazer exatamente o que gosta, o que quer e o que planeja.
Redescobrindo a sexualidade
Se alguém ainda pensa que após os 60 anos sexo é coisa que não se discute, está muito enganado. Mais do que discussão, sexo e sexualidade continuam a fazer parte da vida de homens e mulheres na maturidade, e em muitas vezes, de forma até melhor do que antes. A quebra do tabu de que a velhice significa abstinência, ou não funcionamento do corpo, é fundamental para preservar a alegria de viver. Viver, inclusive, novos amores e novas paixões. Resgatar momentos felizes como o do namoro, o da ?química? entre os corpos, a atração da ?pele?, possibilita a redescoberta das emoções. E não são poucos os casamentos que acontecem depois dos 60 ou dos 70 anos, recheados de alegria.
Numa rápida busca, a Tribuna descobriu muitos exemplos de que é possível começar (ou recomeçar) em qualquer idade, a conquista da felicidade a dois. Basta puxar pela memória ou olhar ao redor e certamente o leitor também vai encontrar um exemplo em seu rol de amizades ou na família. Exemplos que devem e podem ser seguidos.
Histórias da vida real
Lúcia tem 46 anos, é profissional liberal, divorciada e tem um filho prestes a se formar na universidade. Com a vida financeira estabilizada, não pensa em casar-se novamente. Mas isso não exclui a possibilidade de viver um novo amor. E ele apareceu. Jorge, 62 anos, empresário, vivendo um casamento de aparência, não acreditava que um dia iria voltar a se apaixonar (nem pretendia), até que conheceu Lúcia. Eles se encontraram em um barzinho da cidade. Descobriram que gostavam das mesmas coisas. Riram juntos, beberam juntos e não se largaram mais. Eles não têm idéia de quanto tempo a relação vai durar, até porque Jorge ainda mantém o casamento de aparência, por questões sociais e financeiras. Mas ambos não negam que o encontro foi ?mágico? e os fez reacender emoções há muito tempo esquecidas. O fim da história, só Deus sabe…
Ana, 39 anos, divorciada, mãe de dois filhos, profissional liberal. Uma amiga lhe apresentou Cláudio, 62, também divorciado, bem situado financeiramente e que mora com as duas filhas já formadas em universidades. ?Rolou? uma química e há dois anos eles estão namorando. Cada um mora em sua casa, cumpre com seus compromissos e faz qualquer coisa para ficar com o outro, nos fins de semana. Sábado é dia (e noite) de namorar. E de preferência, que ninguém atrapalhe. Não pensam em casamento, pelo menos por enquanto. O fim da história, só Deus sabe…
Nos dois exemplos, a mulheres garantem que estão felizes com os companheiros, que além de outras qualidades, são também ótimos parceiros sexuais, não deixando nada a desejar. Os homens, mais encabulados, preferem não ?discutir a relação? em público, mas não conseguem esconder o olhar de satisfação e o teimoso sorriso que escapa pelo canto da boca, quando falam delas.
Sex shops: uma ajuda extra
Foto: Evandro Monteiro/Tribuna |
Belém: ?boa clientela da terceria idade?. |
Sim, os mais velhos também vão ao sex shop. Talvez seja difícil imaginar sua mãe ou avó rondando os ?equipamentos? expostos na loja, mas que muitos realmente se interessam, isso é incontestável. É o que garante o empresário Jorge Belém, proprietário do sex shop Muito Prazer, em Curitiba. Além das lojas no centro, ele também vende seus produtos em um canal que pode ser assistido via parabólica. ?É um canal de venda de produtos eróticos, que atinge principalmente o público masculino, mais simples e de mais idade?, afirma. Pela televisão, é possível comprar boa parte do que tem na loja, onde o público muda completamente: de 80% a 90% é composto por mulheres.
Desse total de mulheres, muitas pertencem à terceira idade. Os motivos para visitar o sex shop se resumem a adquirir produtos que levem os respectivos parceiros a ?dar conta do recado? ou, então, que apimentem a relação -como os lubrificantes, no caso das que perdem a lubrificação natural, e géis feitos para as regiões íntimas, que provocam sensações diversas, como as de frio ou calor, por exemplo.
?Já os homens, em geral, buscam artefatos que ajudem a satisfazer a mulher.
Os produtos mais procurados são as capas penianas (pênis de borracha que pode ser colocado sobre o verdadeiro, em caso de problemas para manter a ereção) e a bomba peniana (dispositivo que puxa o fluxo de sangue para o pênis por vácuo e coloca-o em ereção)?, cita.
Ligia Martoni
Passadinha na farmácia…
Foto: Aliocha Maurício/Tribuna |
Calixto, geriatra especialista em sexualidade do idoso. |
Para suprir algumas dificuldades que o pessoal da ?velha guarda? possa ter em termos de sexo, existem os famosos medicamentos. Desde o pioneiro Viagra até os mais novos Cialis, Levitra e Vivansa – que têm ação mais duradoura, alcançando efeito de até 36 horas. ?As drogas dão mais confiança e ajudam a ter ereção suficiente para a penetração?, diz Gilmar Calixto, geriatra especialista em sexualidade o idoso. Para quem nunca experimentou, não há por que se assustar, garantem os médicos: elas agem no tempo delimitado, mas apenas havendo o estímulo para o ato sexual. ?A única restrição é que a pessoa não tome medicamentos para doenças coronarianas simultaneamente, conhecidos como nitratos?, delimita outro geriatra, Paulo Luiz Honaiser.
E para as mulheres, complementa Calixto, existe tratamento também para o ressecamento vaginal notado principalmente logo após a menopausa. ?Sempre tem solução, desde que o casal queira. Há alterações quanto a freqüência com que as relações acontecem, a ereção pode não ser tão firme e pode-se demorar mais para atingir o orgasmo, mas esses fatores não são indícios de que a relação não será boa?, tranqüiliza. ?Tanto que, hoje, a maior parte dos idosos se encaixa em um mesmo perfil: o dos que querem redescobrir sua sexualidade.?
Cuidados
As mudanças no ponto de vista sobre o sexo que hoje influenciam muitos idosos não exclui os cuidados que devem tomar, principalmente quanto às doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). Segundo o médico Gilmar Calixto, a desinformação vem fazendo com que o número de casos de aids, por exemplo, entre pessoas da terceira idade, cresça assustadoramente. ?Atualmente, 8% dos casos de aids se concentram entre eles. Não existem campanhas que orientam o idoso para a sexualidade, nem mesmo sobre as DSTs. Foram criados em uma época em que nem se cogitava isso?, alerta.
Muitos viúvos e viúvas estão redescobrindo a sexualidade, freqüentando bailes e excursões, com certa independência financeira. Esses fatores fazem com que tenham novos parceiros, mas sem remeter necessariamente ao uso da camisinha, por exemplo. ?Existe ainda muita discriminação quando o assunto é sexo do idoso, mas esse é um mercado que consome e que deveria ser alvo de mais apelo para que se lembre dos cuidados?, avisa Calixto. Outro fator: as mulheres às vezes pensam que as consultas ao ginecologista não são mais necessárias depois de uma certa idade. ?Acreditam que estão relacionadas à reprodução, e não à saúde?, explica. (LM)
Em 2050, um quinto da população será idosa
De acordo com dados divulgados no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o crescimento da população de idosos é um fenômeno mundial e está ocorrendo a um nível sem precedentes. Em 1950, eram cerca de 204 milhões de idosos no mundo e, já em 1998, quase cinco décadas depois, este contingente alcançava 579 milhões de pessoas, um crescimento de quase 8 milhões de pessoas idosas por ano.
As projeções indicam que, em 2050, a população idosa será de 1.900 milhões de pessoas, montante equivalente à população infantil de 0 a 14 anos de idade . Uma das explicações para esse fenômeno é o aumento, verificado desde 1950, de 19 anos na esperança de vida ao nascer em todo o mundo.
Nos próximos 20 anos, a população idosa do Brasil poderá ultrapassar os 30 milhões de pessoas e deverá representar quase 13% da população ao final deste período. Em 2000, segundo o Censo, a população de 60 anos ou mais de idade era de 14.536.029 de pessoas, contra 10.722.705 em 1991.
Os números mostram que, atualmente, uma em cada dez pessoas tem 60 anos de idade ou mais e, para 2050, estima-se que a relação será de uma para cinco em todo o mundo, e de uma para três nos países desenvolvidos.
Ainda, segundo as projeções divulgadas pelo IBGE, o número de pessoas com 100 anos de idade ou mais aumentará 15 vezes, passando de 145.000 pessoas em 1999 para 2,2 milhões em 2050, no planeta.
Diante de dados tão significativos, nada mais interessante que se preparar para a realidade mundial de 2050, buscando saúde física e mental para ?agüentar o tranco?. (MC)