Atire a primeira pedra quem nunca sofreu uma separação amorosa, daquelas traduzidas em lágrimas, coração ferido e a sensação de perda do chão. O término de uma relação é o risco que se corre ao assumir uma relação. Obviamente, ninguém inicia uma história de amor imaginando que um dia ela vai acabar. Mas um dia, isso pode acontecer e a postura assumida após a separação pode ser decisiva para a felicidade futura.
A recorrência do tema na vida humana desperta cada vez mais estudos e teorias sobre o tema. O psicólogo clínico Mauro Godoy defende uma tese interessante, que ajuda a lidar com a separação. Com base em estudos de Psicologia e Antropologia, ele concluiu que o que mais perturba no processo de separação são as expectativas criadas e os projetos futuros. ?Isso acontece em 70% dos casos e é o que gera maior sofrimento. As pessoas não querem abrir mão das coisas positivas da relação, como se fossem esperanças, fontes de motivação?.
Para encarar de maneira positiva o processo de separação, Godoy explica que é preciso distinguir três forças que agem como ponto inicial da separação: o término, perda e derrota.
O término é a superação do relacionamento, quando o amor foi totalmente desgastado e deixou de ser um motivo para que a relação exista. Com base na teoria Freudiana, Godoy explica que a separação provocada pelo simples término do amor, de ambos os lados, é a cercada de maior compreensão. ?Levando-se em conta que o amor é uma transferência, ou seja, quando se dá um sentimento para alguém, com o tempo este amor retorna para quem deu, sendo incorporado novamente?. Na separação motivada pelo término, o que se tem a superar não é propriamente a dor, mas a readaptação a uma rotina sem o cônjuge.
Sofrimento
Quando o agente motivador da separação se resume na perda, ou seja, quando um dos cônjuges decide terminar a relação, o sofrimento costuma ser maior. ?Neste caso, estamos falando de abandono, rejeição, substituição e humilhação. É o popular ?pé-na-bunda?, que pode resultar em trauma, caso não seja bem tratado?, diz o psicólogo. Para separação desse tipo, em que o amor de um lado ainda é grande, o ideal é encarar a separação como um ferimento na pele, que dói, infecciona, mas se bem tratado, cicatriza, mesmo que para isso leve um tempo. A desgraça por presentear alguém com o coração e esta pessoa simplesmente fugir levando tudo o que recebeu, é um teste à estrutura emocional da pessoa. ?É preciso respeitar o tempo de superação da separação e utilizá-la como lição de amadurecimento?.
Derrota
Outra conseqüência da separação é a sensação de derrota, que muitas vezes envolve muito mais a auto-estima do que propriamente sentimentos de amor. Traduzindo, a pessoa tem tanta certeza do poder de estar no comando da situação, que quando a relação acaba, ela sofre um duro golpe na própria onipotência. ?Para essa pessoa, o amor é um jogo e perdê-lo, tem um efeito de uma derrota?. Para superar a separação com essas características, a melhor saída é entender que a perda de um cônjuge é uma situação substituível, já que existem outras bilhões de pessoas no mundo em que se pode projetar outra história.
Separação
Os três casos levam à questão prática da separação, no consenso entre as pessoas envolvidas, desde o ponto de vista legal, passando pela família e pela visão social. No final das contas, a separação nada mais é do que uma mudança na vida e saber lidar com ela é o segredo para evitar o prolongamento do sofrimento e o reencontro com a felicidade. ?Aos poucos, novos compromissos, novas pessoas e novos projetos vão preenchendo o vazio deixado pela separação e a vida volta ao normal?.
Igreja permite separação em casos extremos
A separação, do ponto de vista da Psicologia, tem várias vertentes, para a Igreja Católica, ela se resume na precipitação do casal em partir para o altar. Justamente por isso, os esforços da Igreja têm sido no sentido de trabalhar muito a preparação das pessoas para o matrimônio.
?Assim como qualquer empreendimento, o casamento precisa de preparação. Por isso, a intenção da igreja é preparar as pessoas para o matrimônio desde a infância?, diz o monsenhor Luiz de Gonzaga Gonçalves.
Ele lamenta que, nos dias de hoje, as pessoas esquecem o verdadeiro princípio do matrimônio, no entendimento da igreja. ?O casamento é a união indissolúvel entre um homem e uma mulher, com a bênção de Deus. Por isso, é preciso conhecer bem o cônjuge. É um assunto sério?.
Para muitas pessoas, o verdadeiro sentido religioso do casamento ganhou contornos de um grande evento social. ?Há uma inversão de valores. O casamento é uma instituição divina, não um evento cheio de pompas?.
Apesar da rigidez de conceitos, a Igreja permite a separação em casos extremos, quando um dos cônjuges se mostra uma pessoa completamente diferente após o matrimônio: isso inclui problema com drogas e adultério. ?Os casos de pedido de separação são estudados cuidadosamente pelo Tribunal Eclesiástico. E no entendimento da Igreja, se faltaram requisitos para a consumação do matrimônio, é como se não houvesse tido casamento?, diz. No processo de permissão de separação, há necessidade de depoimento de testemunhas, sejam familiares ou amigos, para ajudar a comprovar que realmente não é mais possível o casal viver junto. Após a separação, a Igreja permite uma nova união, caso a pessoa encontre alguém que realmente queira viver na graça de Deus a união.
Para evitar todo o desgastante processo, mais uma vez o padre ressalta a importância de se conhecer bem o parceiro antes de partir para uma decisão tão definitiva como o matrimônio. ?A pessoa tem que ter certeza de que é aquela pessoa que passará o resto da vida a seu lado. Isso passa por conhecimento de personalidade e sentido de afinidades?.
Sofrimento acaba atingindo os dois lados envolvidos
Foto: Arquivo/O Estado |
A felicidade da hora do casamento pode virar tristeza. |
Independente de quem põe fim ao relacionamento, o sofrimento da separação atinge os dois envolvidos. No caso de Clara*, que pôs fim a um casamento de 23 anos, mesmo que a iniciativa da separação tenha partido dela, o sofrimento foi inevitável. Mesmo tendo certeza de que o término da relação seria a melhor coisa a ser feita, a dor a consumiu.
?Eu passei 23 anos acreditando que ele mudaria, que teria mais responsabilidades e que teria mais iniciativa de ir à luta. Mas a cada promessa desfeita, morria um pouco da minha esperança?, diz. Até o dia em que a paciência acabou e ela decidiu pedir um tempo, já sabendo que o casamento não teria volta. ?Meu casamento era uma montanha-russa. Tinha épocas ótimas, mas outras complicadas, com muita mentira, muita desconfiança?.
Durante um ano e meio, Clara ficou separada e o divórcio saiu em março deste ano, sacramentando em definitivo o fim do relacionamento. ?Fui eu quem decidi, mas foi duro aprender a viver sem ele na minha vida. A gente tende a só lembrar dos momentos bons e isso traz muitas lágrimas e muita dor?, diz. Mais do que isso, Clara sofreu pelo fato de ter lutado muito para ficar com o ex-marido, derrubando preconceitos familiares. ?Só o amor nos dá força para lutar. Mas não me arrependo da separação?.
Para superar a fase difícil, Clara contou com a ajuda de alguns poucos amigos e se apegou ainda mais aos filhos, dois adolescentes. ?Eles me ajudaram a ficar bem. E é esse o conselho que dou para quem está passando pela dor da separação. Se apegar ao que mais gosta e nunca se entregar à tristeza. Porque ela passa. É preciso apenas ser forte?.
Triplo
Quando o assunto é separação, Roberto é experiente. Afinal, já foram três nos 50 anos de vida. Agora ele está no quarto casamento e fala com propriedade. ?As pessoas têm pressa de ser feliz e acabam escolhendo a pessoa errada, pulando etapas?.
O primeiro casamento dele foi aos 26 anos, quando a namorada de longa data engravidou. Como tinha o sonho de ter uma família, ele não relutou em casar. ?O problema foi que ela mudou demais após o nascimento da criança. Teve depressão pós-parto e simplesmente me abandonou com a criança?. Sem entender o que estava acontecendo, Roberto se agarrou no amor ao filho para superar a dor. ?O nosso namoro foi um mar de rosas e ver tudo desmoronando foi muito difícil?. Foi necessário um ano concentrado nos cuidados com o bebê e com muito apoio da família para que Roberto voltasse a pensar em ficar com alguém. ?Depois do primeiro casamento, morei junto com uma mulher por dois anos, mas o amor acabou por causa do ciúme?. A decisão partiu dele e ele superou o sofrimento da ruptura com muita festa. ?Acho que é a tendência imatura do homem partir para a vida noturna, festa e tudo mais?. Quando passou a época de recuperação do segundo ?casamento?, Roberto reencontrou a alegria ao lado de uma mulher mais velha que ele. No início, a relação foi edificante, porém a diferença dos momentos de vida que estavam sendo vivenciados foi minando o amor. ?A relação vai se deteriorando aos poucos e quando se vê, não há mais razão para que exista. Daí vem a separação?.
Das três experiências de separação, Roberto tirou uma importante lição. ?É no sofrimento que a gente cresce. Por isso, nada de ficar encontrando culpados. O negócio é tocar a vida e procurar novamente a felicidade de uma relação?.