Cabul/Afeganistão – Quinze meses depois da queda do regime taleban, a estabilidade política do Afeganistão se sustenta em frágeis alicerces, dependendo dos “senhores da guerra”, pouco mais de vinte caudilhos regionais que controlam exércitos, armas e poder em diferentes áreas do país.
As ruas da poeirenta Cabul, congestionada de ciclistas que serpenteiam entre dezenas de velhos táxis trazidos de Dubai, não mostram sinais de tensão, mas basta se afastar alguns quilômetros da cidade para perceber como o controle da capital diminui, enquanto aumenta o poder dos “senhores da guerra” locais ou das tropas talebans sobreviventes.
A apenas 150 quilômetros ao sul da capital, na província da Paktia, uma rádio pirata prega continuamente a derrubada do governo do presidente Hamid Karzai e uma ofensiva armada contra as tropas estrangeiras.
“Os limites do governo nacional começam a ser notados a menos de meia hora do centro, depois de Karte 3 e 4 (arrasado bairro ao sul da capital, que se tornou símbolo da destruição produzida pela guerra civil). Daí em adiante, nunca se sabe o que o viajante poderá encontrar”, comentou Ashmatullah, da associação de comerciantes de Cabul.
Os caudilhos locais não só representam instabilidade política para o governo central, que procura estender seu poder além dos limites da capital, mas também geram uma situação de insegurança aos países doadores e entidades que enviam dinheiro para a reconstrução do Afganistão.
Karzai, que chegou ao poder depois da queda dos talebans em novembro de 2001, constatou desde o início a rebeldia dos caudilhos e tentou cooptá-los, incorporando vários deles aos ministérios e governos locais. É o caso de Rashid Dostum, comandante treinado pelos soviéticos nos anos 80 e suspeito de ter morto cerca de mil milicianos talebans por asfixia, encerrando-os em contêineres. Ele controla numerosas províncias do norte e foi nomeado vice-ministro da Defesa em junho do ano passado.
Conhecido por ter criado uma moeda regional com seu nome, Dostum é subordinado no ministério ao dirigente da chamada Aliança do Norte, Mohammad Qasim Fahim, um dos líderes da campanha que, apoiada pelos bombardeios americanos, pôs fim aos cinco anos de regime taleban. Ismail Khan, governador da província de Herat, também faz parte do governo, mas, como Dostum e Fahim, mantém seu domínio regional.
“Senhores da guerra” não aceitam fim de seus poderes independentes
“Deve haver pelo menos 300 mil homens armados no país, além dos 2.800 soldados nacionais sob as ordens de Karzai”, revelou à Ansa o porta-voz do ministério de Defesa Mir Jon, explicando que para implementar uma campanha de desarmamento como a pretendida pela ONU “primeiro é preciso encontrar trabalho para todos eles”.
“De maneira alguma vamos desarmar pela força todos os `mujaedins’ (guerreiros de Alá), que lutaram vinte anos pela libertação do país”, assegurou Jon, deixando claro a relutância do governo em ceder às pressões da ONU para acelerar o desarmamento dos exércitos regionais.
Os caudilhos mais hostis ao governo estão ao sul da capital, sobretudo na região entre Cabul e Paquistão, área onde estão “oficialmente” escondidas as forças talebans remanescentes. Mas mesmo nas ruas da capital é fácil perceber a presença desses poderosos guerreiros: todos eles se locomovem em vans para todo terreno, dotadas dos mais vistosos acessórios.
É que os “senhores da guerra” se enriqueceram graças a seus exércitos regionais, instalando alfândegas próprias, cobrando impostos e até traficando papoula para produzir heroína ou morfina, um tradicional e milionário negócio do país, que o Taleban se gabava de ter “erradicado”.