A polícia haitiana e as forças da Organização das Nações Unidas (ONU) perderam ontem o controle sobre os saqueadores e criminosos em Porto Príncipe, capital do Haiti. O que antes eram dezenas de pessoas se transformou ontem em ondas de centenas, talvez milhares, arrancando dos escombros das lojas tudo o que podiam, enquanto gangues armadas voltaram a ocupar território na Cité Soleil e em outras favelas da capital – num retrocesso de vários anos, desde que as forças da ONU, sob o comando brasileiro, conseguiram a duras penas debelá-las, em 2006.
O principal foco da ação dos saqueadores é o cruzamento da Grande Rue com a Rue de la Fontfort, onde fica o antigo Mercado de Ferro, um prédio com forma de estação de trem, cuja estrutura metálica foi arrancada de seu alicerce pelo terremoto de terça-feira. Crianças, jovens, adultos, velhos, homens e mulheres vasculhavam as lojas à procura de qualquer coisa – alimentos, produtos higiênicos, cosméticos, ferragens, material de escritório – antes à venda no centro comercial.
Do alto de um prédio, alguns homens jogavam caixas pela janela, que eram agarradas pela multidão na rua. Centenas de pessoas se esgueiravam entre os escombros, pisando sobre os instáveis blocos de concreto, amontoados sobre cadáveres, que exalam um forte cheiro. Até mesmo em um prédio pegando fogo alguns mais ousados desviavam das chamas à cata de algo de valor. Os saqueadores chegavam com sacos, caixas e até malas para o transporte do que encontrassem.
Cerca de 20 policiais haitianos circulavam em caminhonetes, assistindo, impotentes. O terremoto, que segundo se estima pode ter matado 200 mil pessoas, reduziu pela metade o contingente da polícia. Quando os conflitos entre assaltantes e saqueadores se tornavam mais violentos, os policiais davam tiros para o alto com espingardas calibre 12. Os disparos faziam a multidão se dispersar por alguns instantes, mas em seguida a atividade era retomada. Para os mais renitentes, eles apontavam as armas. Duas pessoas foram mortas a tiros no local, no domingo.
Ao sair das lojas, os saqueadores já iam em busca de compradores para seus produtos. Um deles oferecia os óculos de sol que havia acabado de saquear. Um homem abriu a sacola para sua mulher, mostrando o que tinha conseguido: duas maçanetas de porta. “O que vamos fazer com isso?”, perguntou ela. Abordados pelos repórteres do jornal O Estado de S. Paulo, invariavelmente os saqueadores explicavam: “Faço isso porque estou passando fome.”
Ajuda humanitária
“O Haiti voltou para a situação anterior a 2004”, resumiu no domingo o general brasileiro Floriano Peixoto, comandante militar da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah). O Exército brasileiro aposta na entrega de ajuda humanitária para restaurar a ordem. Essa é também a visão das autoridades haitianas. “Se a situação vai explodir ou não, depende da chegada da ajuda da comunidade internacional”, disse ontem Ralph Jean-Brice, comandante da Direção Departamental do Oeste, sob cuja jurisdição está Porto Príncipe.