Dizemos que Deus é brasileiro ou, no mínimo, que o Brasil é um país abençoado por ele. Nós espíritas repetimos o espírito de Humberto de Campos que aqui ?é o coração do mundo e pátria do evangelho?. Na minha modesta opinião não sei se dá para levar a sério essas afirmações. Tirado o ufanismo pueril sobra muito pouco de verdade. Em primeiro lugar Deus não pertence a nenhum povo ou religião. Se é o Criador de tudo, deve tratar a todos de maneira equitativa, sem privilégios ou exclusões. O que é dado a uns, todos os demais devem receber.
O Brasil é realmente um país especial, abençoado por Deus e bonito por natureza, como nos diz a letra de Jorge Benjor. Mas não é o único. Há vários outros como o Canadá, a Austrália ou a Suíça. Não sei se se orgulham tanto do que possuem como nós e olhe que eles têm muita coisa que nós não temos. Quanto a crer que nosso País é o centro dos sentimentos religiosos do mundo até pode vir a ser, mas está difícil.
Verdade que nós somos um povo ordeiro, solidário, alegre e otimista. Conseguimos rir de nossas próprias desgraças e mesmo nas piores adversidades, basta um gol da seleção nacional de futebol para fazer esquecer todas as mazelas e tornar o País uma festa só. Não tem guerras nem catástrofes naturais mais graves. Furacões, apenas dois até agora: o Catarina e o Atlético. Também não temos justiça social ou respeito à natureza exuberante. Nem discernimento na escolha dos representantes políticos ou vergonha na cara para exigir mais respeito quando eles abusam do abuso e da nossa paciência.
Além de toda a diversidade étnica e cultural, naturais as diferenças individuais entre os 170 milhões de brasileiros. Não somos uma fábrica de clones. Existe gente de todo tipo: bons, mais ou menos, criminosos ocasionais e contumazes, pessoas honestas e corruptas. A maioria está no lado certo. Mas então por que o Brasil continua um gigante adormecido? O espírito de Bezerra de Menezes, via mediunidade de Divaldo Pereira Franco, e outros porta-vozes do Além, dizem que nosso País tem um carma coletivo a ser resgatado cuja origem vem da Guerra do Paraguai e da escravatura. Então há um paradoxo interno e outro externo. O de dentro ao confrontar essa afirmação com a de que temos uma vocação especial para a religiosidade e redenção da humanidade. Se bem que Israel foi a pátria de Jesus e por lá as coisas não andam muito bem, quase desde que o mundo é mundo e até no tempo que ficaram sem teto ou chão para recomeçar tudo em 1948.
O paradoxo de fora é saber por que só no Brasil a lei divina pega tão pesado cobrando até a última gota de sangue derramada dos negros e índios quando os Estados Unidos são a maior potência mundial agindo com as minorias mais ou menos do mesmo jeito que nós. Talvez porque tecnológica e materialmente tenham se adiantado, trabalhado mais e mais cedo. Talvez sua prosperidade não guarde relação com felicidade. Mas o pessoal de Governador Valadares não pensa assim.
Entretanto, como vimos, no quesito felicidade associada à pobreza o brasileiro é imbatível. Mesmo quando os senhores deputados e senadores trabalham durante nove meses por ano com semanas de quatro dias procurando descobrir quem são os Ali Babá do mensalão. E depois, para votar a pauta mínima para o País funcionar, recebem mais de mil reais por dia ou três salários mínimos e meio, coisa que 90 ou 95% dos brasileiros suam um mês inteiro para ganhar.
Feito outro cálculo, o que eles, a casta política verde-amarela, vai receber em apenas 90 dias, o trabalhador comum, abençoado por Deus, levará oito anos e oito meses. Mas como ninguém é de ferro, eles já começaram a convocação extra em recesso parlamentar. Ter um fim e um começo de semana em casa é muito pouco para recuperar as energias da árdua labuta, principalmente durante as festas de final de ano. Por isso só voltam amanhã. Como ainda tem o Carnaval, bem contados teremos cerca de 25 dias e a diária efetivamente trabalhada sobe para quase quatro mil reais, tirados do bolso do generoso contribuinte que recolhe 40% de tudo que recebe em impostos.
Mas continuamos felizes como sempre, tomando overdoses de alegria no Carnaval e com a seleção na Alemanha no meio do ano. Eleições? Para que se preocupar com elas? Em tempo: 36 deputados e quatro senadores, inacreditavelmente, tiveram a decência de dispensar os salários extras que, a bem da verdade, são imorais, mas não ilegais. Por que nós elegemos e aceitamos que legislem em causa própria.
Também sou otimista. Creio não só num Brasil como num mundo melhor. Acredito na capacidade do espírito imortal, criado por Deus e pouco reconhecido por trás do homem provisório encarnado na Terra, em se tornar perfeito mediante aquilo que ele oferecer ao mundo. Mas para tanto precisamos despertar como cidadão brasileiro, terrestre e cósmico. Precisamos sair da letargia espiritual e aceitar nossa condição de agente ativo na construção da felicidade humana. Precisamos pensar no futuro, desta e das próximas vidas, mas não podemos mais nos iludir com falsas promessas de salvadores da pátria nem com paraísos depois da morte conquistados com esmolas e orações vazias. Fé em Deus e nos seres superiores é importante, porém não é salvo- conduto para o céu. Deus e seus santos ou entidades espirituais não farão milagres que consertem o País. Isso é tarefa que cabe a cada um de nós realizar. Se não mudarmos, o Brasil não muda. Em 2006, sejamos diferentes, melhores, mais conscientes e participativos. Justifiquemos a fama de sermos um povo alegre, otimista e de elevada religiosidade. ?Sois deuses?, declarou o Cristo. Então façamos nossos próprios milagres.
Colaboração da Associação de Divulgadores do Espiritismo do Paraná – ADE-PR. E-mail: adepr@adepr.com.br.