Sabem da última? A filha da vizinha…

Nos próximos dez segundos, tente enumerar as últimas fofocas que você ouviu nesta semana. Provavelmente, o tempo se esgotou e o número de mexe-ricos que ficou sabendo ultrapassou o tempo estipulado. E se fosse para contabilizar as fofocas que você protagonizou? Nem adianta dizer que não é fofoqueiro(a), pois especialistas afirmam que a fofoca é uma ação humana natural e normal, apesar de muitas vezes não medirmos as conseqüências das nossas palavras.

Referências sobre o assunto foram registradas na Bíblia, em escritos egípcios e nas literaturas grega e romana. "O próprio Sófocles dizia que não há nada mais interessante do que falar sobre o ser humano. Hoje em dia, os alvos dos fofoqueiros são pessoas do meio artístico e político. Na antigüidade, eram os grandes governantes de Roma e os heróis gregos", comenta o frade dominicano, teólogo, filósofo e professor de hebraico Eduardo Quirino de Oliveira. Ele acrescenta que a fofoca era o meio de comunicação social, "pois os escritores ficavam na porta dos estabelecimentos esperando as notícias de fora, que chegavam com os mercantes", relata.

Para o autor do livro Tratado geral sobre a fofoca, José Gaiarsa, a fofoca é um meio de controle social, que, na maioria das vezes, é provocada pela inveja. Segundo ele, a "quantidade de fofoca que existe no mundo é proporcional à quantidade de desejos não realizados. As pessoas normais se espelham nos famosos e querem ser como eles. Como não conseguem, inventam fatos", aponta. Ele observa que, nos últimos anos, essa situação piorou, culpa das próprias celebridades, que gostam de ser ‘fofocadas’. E fontes para isso não faltam, pois existem no Brasil diversas revistas especializadas em bisbilhotar a vida alheia. Estima-se que somente as cinco maiores revistas do gênero ultrapassem a tiragem de um milhão de exemplares por semana.

Comunicação

De acordo com Quirino de Oliveira, atualmente existe uma tendência de acusar a imprensa de fofoqueira, mas ele sai em defesa da categoria. "Acho que hoje a imprensa está fazendo um papel de investigação, que, em muitos casos, tem ajudado a desvendar uma série de irregularidades. É lamentável que alguns governantes só descubram problemas na sua administração pela imprensa", comenta. Ele ressalta que, hoje em dia, quase nada mais pode ser guardado em segredo, pois os meios eletrônicos ajudam a espalhar a informação. "Até o título do jornal que estou lendo agora pode ser descoberto por um telescópio", exemplifica. Aliado a isso, não é possível saber que tipo de informação as pessoas que trabalham conosco levam para fora.

O professor adjunto de Antropologia Cultural da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Carlos Alberto de Freitas Balhana, diz que a fofoca tem início em uma situação de bizarrice e passa a circular até ganhar projeção e se tornar algo intrigante para ser investigado. "Para que isso aconteça, é preciso ter a fonte, o circuito e o alvo", explica. Porém ele destaca que "o ser humano é vulnerável a falar mal, quebrar a imagem boa", e isso, às vezes, é prejudicial, pois quando não é atestada a realidade dos fatos, pode destruir a imagem ou reputação de uma pessoa. Por isso, é comum as pessoas buscarem a Justiça para tentar reparar os dado causados pela fofoca.

Justiça reconhece danos causados por mexericos

"A fascinação em querer saber da vida alheia coloca a fofoca como um gênero de literatura não escrita", avalia o teólogo Eduardo Quirino de Oliveira. Segundo ele, as pessoas têm necessidade de falar e se sentir importantes, e, de forma geral, todo ser humano é naturalmente curioso. Uma vez que recebeu uma informação, quer passar para a frente. "A curiosidade pode ser orientada para a ciência, mas pode ser curiosidade mórbida. Daí entra na questão ética e pode virar um problema."

Por isso, muitas pessoas entram na Justiça para reparar danos causados pela fofoca ou maledicência. Um dos casos conhecidos foi a indenização de mais de R$ 1 milhão paga por um jornal de Porto Alegre (RS) ao ex-senador José Paulo Bisol. O político foi alvo de uma série de denúncias sobre manipulação de verbas orçamentárias e superfaturamento de emendas para obras que beneficiariam a sua fazenda. Além disso, o jornal publicou que ele teria se aposentado antecipadamente como desembargador, praticado nepotismo e conseguido empréstimo bancários usando da sua influência política. Bisol alegou que todas as acusações foram feitas sem prova alguma e causaram prejuízos irreparáveis, inclusive sua renúncia à candidatura à vice-presidência da República.

Já em São Paulo, um ex-bancário que foi vítima de mexericos, em razão de fatos divulgados pela empresa, recebeu R$ 55 mil por danos morais. O fato de ele não ter atingido uma meta estipulada teria sido comentado durante uma reunião, o que gerou fofocas entre os demais funcionários. (RO)

Nos salões, a fofoca é concentrada e especializada

Existem locais de preferência para a circulação da fofoca. O professor da Universidade Federal do Paraná Carlos Alberto de Freitas Balhana diz que geralmente nos ônibus esse tipo de comunicação não se prolifera, porque as pessoas são anônimas. Mas não é isso o que acontece nos salões de beleza, considerados os locais de maior "fofocaria". "Nesses locais, a fofoca é concentrada e especializada", diz Balhana.

Enquanto o salão de cabeleireiro é o templo feminino para fofocar, o boteco é o lugar onde os homens gostam de "malhar a língua". Mas, como homem alcoviteiro gosta de manter a pose, ele diz que não fofoca, apenas faz comentários. Porém, se esse homem for um cabeleireiro, esqueça, pois a fofoca vai rolar solta – mesmo que ele negue sua vocação até o fim. Pedro Celso Bento, que trabalha em salão de beleza há mais de vinte anos, não admite que é fofoqueiro, mas basta sentar cinco minutos com ele para saber o que aconteceu na última semana no bairro. Mas seus clientes podem ficar tranqüilos: ele não divulga as fontes nem revela a identidade.

"Eu não sou fofoqueiro. Eu acabo contanto algumas coisas porque sou pressionado", justifica. Bento diz que o cabeleireiro acaba sendo uma espécie de psicólogo, pois, além de ouvir os desabafos, é sempre consultado para dar conselhos. "As mulheres mais velhas querem falar das outras. Já as mais novas contam suas aventuras. E as casadas querem nossa opinião para salvar os casamentos", comenta.

A esteticista e manicure Silvia Maria da Silva diz que, nesse ambiente, é preciso manter a discrição. "É preciso ouvir muito e falar pouco", diz. Mesmo sem tempo para assistir as novelas, ela conta que sabe de tudo o que se passa na tela da TV, pois esse é o assunto preferido das clientes. "A primeira que chega no salão conta o que aconteceu no capítulo de ontem, e, no final do dia, eu já estou repassando os detalhes para quem também não viu, mesmo sem ter acompanhado", relata. (RO)

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