Nos últimos meses, ao longo da campanha para as eleições paraguaias, os principais candidatos presidenciais exigiram a revisão do Tratado de Itaipu, assinado em 1973 com o Brasil.
Essa exigência – focalizada em conseguir o pagamento, por parte do mercado brasileiro, de tarifas mais elevadas pela energia que o Paraguai lhe repassa – tornou-se um clássico das tribunas nos comícios desde Assunção até Ciudad del Este, passando por Pedro Juan Caballero.
Mas, segundo analistas políticos consultados pelo Estado, essa reivindicação, pronunciada de forma enfática nos comícios, não passaria de discursos para agradar o eleitorado.
Os especialistas consideram que o futuro governo paraguaio, que tomará posse em agosto, terá que contar com um amplo respaldo no Parlamento para pressionar o Brasil.
No entanto, nenhum dos candidatos, segundo as projeções, conseguiria o controle do Congresso Nacional. Além disso, os principais candidatos possuem profundas divisões dentro de seus próprios partidos que tornariam difícil a consolidação de uma estratégia sobre a revisão do tratado. Mais ainda levando em conta que vários setores consideram que não é conveniente irritar o Brasil, principal sócio comercial.
O sociólogo Bernardino Cano Radil sustentou à Agência Estado que qualquer dos candidatos, se chegasse ao poder, não realizaria nenhuma mudança dramática nos próximos cinco anos em relação ao Tratado de Itaipu.
"Pode ser que o próximo governo realize uma política de discursos mais pirotécnicos. Mas, o Brasil só vai sentar à mesa de negociações com o Paraguai quando meu país colocar pessoas sérias para conversar."
Segundo Cano Radil, o caso paraguaio é muito diferente da Bolívia, que conseguiu arrancar do Brasil preços mais elevados por seu gás: "Evo Morales, quando ameaçou suspender o envio da gás, há dois anos, tinha um poder de coerção grande, já que o gás estava 100% em seu território. No caso de Itaipu, a usina é dos dois países. Por isso, a solução só pode ser conseguida de forma bilateral. É como uma valsa: os dois têm que aceitar dançar. Não dá para fazê-lo sozinho".
Um dos principais defensores da revisão do Tratado de Itaipu, o especialista em assuntos energéticos Ramón Casco Carrera, colunista do jornal "ABC Color", disse à AE que considera que o candidato que mais insiste na revisão do tratado, o ex-bispo Fernando Lugo, da Aliança Patriótica para a Mudança, insistirá no caso de forma gradual perante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva se for eleito. "Lugo não será precipitado."
O especialista admite que o Paraguai não tem a chance de "fechar a torneira", tal como ameaçava Evo Morales em relação ao gás. "Mas no terreno da diplomacia podemos resolver muitas coisas".
Na quarta-feira (16), em entrevista à AE, Lugo foi "light" em relação à revisão do tratado. Ele destacou que com o governo Lula o Paraguai tinha, pela primeira vez, a oportunidade de dialogar sobre o assunto.
Blanca Ovelar, candidata do governista Partido Colorado também pede a revisão do tratado. Ela pretende criar uma comissão de estudiosos de vários países do mundo para preparar um relatório e apresentar os resultados a ambos governos. O terceiro candidato, o general Lino Oviedo, da União Nacional de Cidadãos Éticos, é enfático na posição contrária.
Em sintonia com o governo brasileiro, considera que o Tratado de Itaipu não deve ser revisado até 2023, ano previsto para sua renegociação (data que, no entanto, diversos especialistas paraguaios afirmam que não se refere à totalidade do acordo, mas sim, somente a alguns pontos).
Itaipu gera em média, por ano, 92.000 Gigawatts-hora (cerca de 20% da energia elétrica consumida no Brasil). O mercado interno paraguaio tem direito a 50% da energia produzida em Itaipu, mas só absorve 10% (devido ao tamanho pequeno de sua população e economia). O resto é repassado ao Brasil. Mas, segundo os paraguaios, entre eles Lugo, isso é feito a preço de custo. Em Assunção, argumenta-se que o Paraguai recebe pouco mais de US$ 100 milhões por um excedente que seria cotado no mercado a US$ 2 bilhões.
O governo brasileiro argumenta que já aumentou de 4 para 5,1 o coeficiente de cálculo de energia comprada pelo Brasil, o que representou para o país um custo anual adicional de US$ 20 milhões. Mas, os paraguaios retrucam afirmando que o preço está longe de ser justo. Além disso, em ambos lados da fronteira existem diferentes números para o pagamento pela energia paraguaia. Enquanto que Brasília sustenta que em 2007 transferiu ao Paraguai um total de US$ 1,5 bilhão pela energia comprada do país, o equivalente a US$ 41,31 por Megawatt/hora, Lugo afirma que os paraguaios receberam um valor 14,86 vezes menor, ou US$ 2,75 megawatts/hora.