Cidade de Vasco da Gama, mirante Dona Paula e Ilha de Chorão. Poderia ser no Brasil, em Portugal ou Angola. Mas é no sudeste da Índia, onde os portugueses chegaram pela primeira vez em 1510 e ficaram até 1961. Quase 60 anos depois, a população luta para manter viva a herança lusitana em Goa, o menor Estado indiano: na comida, na música, na arquitetura e ensinando português para os jovens.
O idioma nunca foi o mais falado pela população, mas ainda é estudado e valorizado – especialmente pela elite intelectual do Estado de 1,5 milhão de habitantes. Hoje, são as pessoas acima de 50 anos que ainda mantêm viva a língua portuguesa. No cotidiano, são muitas as referências, incluindo núcleo de torcedores do Sporting e do Benfica – clubes mais populares de Lisboa.
“A cultura goesa está cheia de influência portuguesa: da arquitetura à culinária, a língua, os costumes”, explica Inês Figueira, diretora da Fundação Oriente, instituição que fomenta as origens portuguesas. “Não é possível falar em cultura goesa sem falar numa geografia maior, a da língua portuguesa”, afirma.
Goa tem 1,5 mil alunos de português – 1,2 mil nas escolas públicas e 300 em escolas de línguas. O ensino foi reintroduzido em 1982 e vem crescendo pouco a pouco. Hoje, a Fundação Oriente apoia 24 escolas locais. “O interesse pelo português tem crescido”, diz Inês. A Universidade de Goa também tem um departamento de estudos lusófonos.
O idioma local, o konkani, tem cerca de 2 mil palavras parecidas com o português. “Baldi”, “chavi” e “cadeir” são alguns exemplos. Mas o “susegad”, para definir o jeito “sossegado” dos habitantes da região, é um dos mais lembrados. Esse modo de viver, as praias, a cultura típica e as festas atraem 6 milhões de turistas por ano. A maioria é de indianos. A região fica a 500 quilômetros do centro financeiro indiano, Mumbai, e de Bangalore, uma importante metrópole do sul do país.
Sônia Shirsat é reconhecida como a cantora mais importante de fado em Goa e concorda com o papel da música para estimular a cultura goesa. “As novas gerações aprendem e vão procurar as raízes do fado. Estamos trabalhando para resgatar e assegurá-lo para o futuro. Ele tem um papel muito importante em manter essa conexão entre Goa e Portugal”, diz.
Um dos principais pontos de encontro para se ouvir o idioma é na missa de domingo da Igreja da Imaculada Conceição, a principal da cidade de Panjim. Ela foi construída em 1541 e é um marco arquitetônico. Goa também é um ponto de turismo religioso para os cristãos da Índia, país de maioria hinduísta. Há cerca de 27 milhões de cristãos no país – mais do que a população da Austrália.
Mas não é só com Portugal que Goa guarda semelhanças. O clima e as características tropicais facilitaram a troca de espécies de plantas com o Brasil na época da colonização. “O cajueiro, a goiabeira e o abacaxi foram trazidos do Brasil e introduzidos na Índia em Goa. E de Goa, a mangueira e a jaqueira foram introduzidas no Brasil”, explica Aurobindo Xavier, presidente da Sociedade Lusófona de Goa e do Centro Cultural Brasileiro em Goa.
Morador de Nova Délhi, o barman Tobias Carvalho deixa claro em seu nome de qual região da Índia vem. No Estado, são comuns sobrenomes como Fernandes, Nogueira, Duarte, Souza, Mascarenhas. Apesar de trabalhar em um bar da capital, ele ainda tem casa, família e amigos em Goa. “A cultura portuguesa é surpreendentemente presente, está em todo lugar, as pessoas mais velhas ainda falam, meus avós falavam. As casas têm aquele modelo”, conta.
O futebol também conecta os brasileiros com a região. Zico treinou por três temporadas o FC Goa, de 2014 a 2016. Era uma nova liga criada pelos indianos para popularizar o futebol em um país que ama o críquete. Até hoje o craque guarda com carinho o período. “A maioria dos sobrenomes dos jogadores eram todos portugueses, alguns até entendiam alguma coisa”, disse Zico ao Estado. “Mas o pessoal acima de 60 anos, esses quase todos falavam em português com a gente. Tem mesmo uma comunidade muito importante lá”, conta. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.