Rebelião (in)discente

A agitação estudantil do dia 27 de novembro, na Universidade Federal do Paraná, a respeito do aproveitamento das vagas ociosas, e principalmente a maneira como os “representantes discentes” comportaram-se, exigem algumas observações.

Em primeiro lugar, esses estudantes, que blasonam a “defesa da democracia”, dos “valores democráticos”, nem sabem o que é democracia nem se comportam de maneira democrática.

A democracia, tal como a percebemos, significa a troca de idéias entre diferentes grupos, devendo prevalecer aquela idéia esposada pela maioria dos interessados. Esse procedimento deve ser pacífico, a fim de as decisões resultantes serem legítimas, ou seja, aceitas mais ou menos por todos; da mesma forma, o respeito mútuo – isto é, o respeito pela opinião adversa ou mesmo contrária – é um elemento básico da negociação; finalmente, a aceitação à decisão final é necessária: mesmo que não se goste dessa decisão, deve-se conformar-se a ela, ou buscar, dentro dos parâmetros democráticos, sua alteração posterior.

Não se viu, de maneira alguma, nada disso da parte dos estudantes.

Ao contrário, o que se percebeu foram grupos de alunos – muitos dos quais filiados a partidos radicais de esquerda – negando-se ao diálogo, negando aos demais membros do jogo democrático o mínimo direito à fala e procurando, por meio do barulho e das “ocupações”, simplesmente impor aos demais suas próprias opiniões. Em outras palavras: não participam das discussões e impedem simplesmente que os outros realizem-nas; se esses outros realizam as discussões, esses “estudantes” dizem que são alvos da “injustiça” ou de procedimentos “antidemocráticos”.

Esse tipo de comportamento é apoiado no imaginário pela suposição de que, por serem jovens, por serem o “futuro”, por terem a energia e a vitalidade que faltam aos mais velhos (!!??), são os portadores da razão. Mais ainda: como são as “forças renovadoras”, os “representantes do progresso”, estão necessariamente certos, sendo que quem se opõe a eles está, em contrapartida, errado. Além disso, como são os “representantes dos estudantes”, isto é, da “maioria”, lançam mão da certeza que a superioridade numérica supostamente lhes confere.

Se há grupos que não percebem sua correção, que se opõem ao futuro, que se pode fazer? O futuro não espera, nem se interrompe.

Daí a técnica da arruaça, que rejeita a negociação, as conversas, o debate franco.

Mas há outro elemento ainda a considerar-se. Justificando a evidente violência que são os bate-bocas promovidos pelos estudantes e a invasão prepotente da sala do Conselho Universitário, um estudante afirmou que “a violência, mesmo que simbólica, é da Reitoria”. Violência por parte da Reitoria? Onde? Ainda mais violência simbólica? Os únicos que lançaram mão da violência foram os estudantes, não apenas simbólica, como principalmente física!

Essa distorção do significado da palavra “violência” e a afronta à realidade lembram muito o “Grande irmão” – não o Big Brother televisivo, mas o totalitarismo soviético descrito por George Orwell em 1984: usar a mesma palavra para indicar sentidos opostos, a fim de confundir as idéias e justificar atrocidades como se fossem atos humanitários – é o “duplipensar”.

O que resulta do episódio é que os estudantes – com o apoio de alguns funcionários técnico-administrativos e de alguns professores – têm a seguinte concepção de democracia: se for favorável à sua posição, é democrático; se for contrário, não é.

O duplipensar totalitário promovido por esses estudantes, baseados nas doutrinas revolucionárias de alguns grupos marxistas, justifica-se pela verdade de seus objetivos: afinal, eles são os “portadores da história”, da “redenção humana”, da “verdadeira democracia”; enfim, os estudantes são os “proletários da universidade” – são o grupo mais fraco, cuja força baseia-se no peso numérico. Em outras palavras: seus objetivos justificam seus procedimentos. Ou melhor: os fins justificam os meios (MAQUIAVEL, 1997).

Depois eles vêm falar em “ética na política” e em “sociedade fraterna”!

Mas, além de defenderem uma prática que, felizmente, a história já jogou na lata do lixo – o totalitarismo de cariz soviético – esses estudantes, face à sua pouca idade, lembram-me de outra coisa: crianças birrentas, que, quando não têm atendidos seus desejos pelos pais, pulam e esperneiam até que se vejam satisfeitos. Se não tiverem suas vontades, dirão que são “desrespeitados”, “maltratados” e toda essa ladainha, que procura justificar um complexo de inferioridade que eles mesmos estimulam.

Creio que, no fim das contas, é melhor entender esses jovens não como representantes tardios de práticas totalitárias, mas como crianças mimadas, que não aceitam a oposição e a diferença simplesmente porque não entendem que o mundo não gira ao seu redor.

O pior é que todos saem perdendo: ficamos excessivamente preocupados com os meios por que esses pirralhos agem, ao invés de discutir com seriedade as questões substantivas; ficamos com medo da chantagem político-emocional, ao invés de tentar resolver, de maneira adequada, um problema enorme e gritante (qual seja, o desperdício dos recursos públicos destinados à educação, representado pelas vagas ociosas).

E os “representantes dos estudantes” não conseguem perceber que a melhor propaganda contra suas opiniões é exatamente o comportamento por eles adotado.

Gustavo Biscaia de Lacerda

é mestrando em Sociologia Política e professor substituto da Universidade Federal do Paraná (UFPR). E-mail:
gustavobiscaia@yahoo.com.br

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