Começo por responder à questão configurada no título acima: o imperador Vespasiano. Usando, para fazê-lo, o seu latim consuetudinário: pecunia non olet. Ah, rico, saboroso, enxuto, mágico latim! Infelizmente, desde os meus tempo de ginásio e de missas solenes em que fui implume coroinha, no ensolarado país da infância, além-mar e além sonho, eu sempre fui fraco no idioma admirável de Cícero, Tácito e Virgílio.
Tenho que admitir, porém, que o bom e clássico romano se equivocava redondamente (e por que não quadradamente?). Na verdade, dinheiro tem, sim, tem cheiro. E como cheira bem. Sobretudo quando assume a forma extremamente simpática de cédulas de cem (de preferência dólares ou euros), ou depositado com segurança nos tabernáculos dos bancos, os modernos templos onde reina o deus Cifrão. Talvez o mais importante dos deuses do paganismo. Pois, ao contrário dos que pontificaram na Grécia Clássica e na Roma Imperial, ele está vivo. Vivíssimo da silva.
Ocorre-me de repente a lição do apóstolo Paulo, numa piedosa epístola dirigida ao amado discípulo Timóteo. O que dizia nela o grande santo e o teórico maior da doutrina cristã? Isto: “O amor do dinheiro é a raiz de todos os males”. Naturalmente, o sistema capitalista, o mercado financeiro e quejandos, discordam ab imo corde. Isso é compreensível. O surpreendente seria se concordassem.
O vocábulo português dinheiro, como quase todos sabem, vem do latim “denarius”, moeda de prata que circulou na augusta Roma dos Césares. E diga-se sem rebuços: dinheiro é assunto sério. Grave. De transcendental importância. Qualquer economista em disponibilidade será capaz de falar horas a fio sobre o dito cujo. No entanto, o conspícuo Benjamim Franklim precisou apenas de cinco ou dez segundos para demonstrar a importância dele: “Queres saber o verdadeiro valor do dinheiro? Pede-o emprestado” Tinha toda a razão o estadista, escritor e cientista norte-americano.
Voltando à tese paulina do dinheiro como raiz de todos os males, o que dizer da falta do vil metal ou, como diriam alguns puritanos, do “excremento dos deuses”? Essa falta é certamente um mal infinitamente maior. Embora Camões cante, na sua flauta rouca e melancólica, que o mal maior é sempre o ter nascido. Será mesmo?
Muitos tiveram a estulta pretensão de definir o dinheiro. E Somerset, Maugham foi, por certo, um dos que se houveram melhor nessa empreitada teorética. O que escreveu o mestre de “Servidão humana” e “Navalha na carne”? Isto:
“O dinheiro é uma espécie de sexto sentido sem o qual se torna quase impossível exercitar, com eficiência, os outros cinco”. Seria possível dizer mais e melhor, com tamanha economia de meios? (Falo de meios não fiduciários, é claro…)
Já o torrencial Eno Teodoro Wanke, paranaense “exilado” há décadas no Rio de Janeiro (e dos outros onze meses), não deixa por menos: “Dinheiro não traz felicidade. Manda buscá-la…” E o cético e cínico “daimon” socrático, ou um avatar dele, sussurra aos meus ouvidos que eu conclua assim as reticências enianas: de avião, e em primeira classe…
E o resto? O resto é silêncio, como diria o bardo excelso de Stratford-on-Avon. Silêncio em cujas entranhas, tenras e macias, o som metálico das moedas, sobretudo de ouro e prata, é mais cristalino, mais puro. Lembrando talvez a música das esferas de Pitágoras.
Bons tempos, os do matemático grego nascido na ilha de Samos, que o nosso excelente Davio Velozo tanto venerava. Mas, pensando bem, seriam assim tão bons os tempos pitagóricos? Talvez não fossem. Pois já então começava a alastrar-se, para explodir mais tarde no romano império, aquela epidemia que viria a chamar-se auri sacra fames – maldita fome de dinheiro. Amarga designação dada, paradoxalmente, pelo dulcíssimo virgílio das “Bucólicas” e das “Geórgicas”, num dos canteiros dos esplêndidos jardins da “Eneida”.