Foto: Valquir Aureliano

Lidar com alunos, agüentar a pressão da escola e usar voz alta prejudica profissionais.

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O professor faz parte de uma categoria que acumula uma série de predisposições a adquirir doenças relacionadas ao exercício da função. As enfermidades que acompanham o magistério englobam problemas relacionados não apenas ao aspecto físico, mas psicológico e emocional também. Lidar com a voz em volume alto, respirar pó de giz, agüentar a pressão por parte das escolas e dos próprios alunos, que refletem em sala de aula as deficiências acarretadas em casa e na rua, são alguns dos fatores que transformam o professor em forte candidato a uma aposentadoria precoce ou afastamento do trabalho.  

O técnico em segurança do trabalho da APP – Sindicato dos Trabalhadores da Educação do Paraná, Edevalter Inácio Bueno, afirma que, apesar de não ser raro um professor ou profissional da educação ser acometido por problemas relacionados à função, faz pouco tempo que a categoria começou a contabilizar quais são essas doenças e de que forma se desenvolvem. ?As direções das escolas nem sempre conhecem as normas e também têm medo de preencher os documentos de comunicação de acidente de trabalho, seja por temerem repressão ou futuros problemas. Por isso não há estatísticas, começamos a fazer esse tipo de levantamento do ano passado para cá?, explica.

Foto: Arquivo

Edevalter: ?Sem estatística?.

Os dados em questão, sobre as doenças e problemas que mais atingem os professores, podem ainda não ser conhecidos em números pelos sindicalistas, mas são lembrados da experiência prática. O técnico afirma que principalmente os problemas psicológicos são notados. ?Tem a pressão da própria escola, excesso de horas trabalhadas, ameaça de alunos, correção de provas e prazos apertados. Além dos problemas deles, os professores têm de lidar com os dos outros?, diz Bueno. Esses fatores podem ocasionar a síndrome de Bournout, doença cada vez mais comum no meio educacional, conta. ?A doença é bastante confundida com a depressão e o estresse, mas está acima disso. Os professores ficam deprimidos, começam a faltar na escola e perdem o gosto pelo trabalho. Em alguns casos, chega a ser necessária uma internação?, conta.

Além disso, problemas osteomusculares, como bursite (inflamação que acomete principalmente ombros, cotovelos e joelhos) e tendinite (que atinge os tendões, provocando dores nas articulações) também são comuns. ?Estão relacionados à maneira de o professor escrever e apagar a lousa e à posição para corrigir provas, além de permanecer por muito tempo em pé. Sem falar nas alergias, geralmente relacionadas ao contato com o pó de giz?, destaca.

Voz

Foto: Chuniti Kawamura

Zuher: ?Muita rouquidão?.

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Outro fator destacado pelo médico do trabalho Zuher Handar, com relação aos professores, são os freqüentes problemas de voz. ?Em geral os profissionais que utilizam muito a voz não são preparados para fazer isso da maneira adequada. Especialmente os professores, que falam o dia inteiro, têm contato com poeira de giz e ruídos externos, além de ter de forçar a voz em sala de aula. Isso dá nódulos nas cordas vocais e problemas de rouquidão?, diz. Felizmente em Curitiba, assim como em São Paulo, a Prefeitura conta com um programa para prevenir tais problemas. ?Mas nem sempre as escolas e os próprios professores estão atentos a isso?, ressalva.

A solução para este e outros problemas parece simples, mas tem de ser pensada antes: a prevenção. Água em abundância, uso de microfone e substituição do tipo de lousa, assim como exames periódicos, são algumas das medidas a serem adotadas. ?Até mesmo no caso da síndrome de Bournout, se diagnosticada na fase inicial do estresse, pode-se reabilitar a pessoa. Basta que as escolas tenham medidas de orientação e apoio psicológico, avaliando o contexto em que a pessoa trabalha e os riscos a que está exposta. ?

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Da parte da APP, Bueno explica que pretende implantar junto à Secretaria da Administração do Estado um projeto de saúde ocupacional para os trabalhadores em educação. ?O ideal é que contemple uma legislação específica e tratamento diferenciado, com médicos especializados.?

Estresse tira professora da sala de aula

Depois de 26 anos de magistério, a professora Edna Maria Piveta acabou se aposentando do quadro do Colégio Vicente Rijo, em Londrina, onde dava aula para o ensino médio. Disposição para o trabalho nunca havia faltado: ela era apaixonada pela profissão. ?Eu me considerava uma professora ativa, dinâmica e procurava sempre atividades que extrapolassem o conteúdo programático?, lembra. À frente das disciplinas de Língua Portuguesa, Literatura, Produção de Texto e Oralidade, a professora tentava sair da rotina, incluindo em suas avaliações apresentações orais e competição de leitura. No entanto, com tanto conteúdo, a carga horária de 40 horas semanais não era suficiente. ?Como tínhamos uma média de 450 alunos, no final do bimestre eu corrigia, em média, umas duas mil atividades. Gostava das inovações e os alunos correspondiam, mas passava os sábados e domingos debruçada em cima dos trabalhos?, conta.

Foi uma questão de tempo para as conseqüências aparecerem. ?Comecei a sentir dores na nuca e passados alguns meses era tanto cansaço que tinha dificuldades até para subir as escadas do colégio?. No segundo bimestre de 2002, após aplicar uma prova, Edna foi para o hospital. ?Sentia um mal-estar inexplicável, um cansaço insuportável.? Passou a tarde no pronto-socorro dormindo, sob efeito de medicamentos. ?A partir desse ponto a minha produção caiu, fiquei bastante confusa, sem reflexos, o meu semblante mudou. Não conseguia mais exercer a regência da sala como antes, passei a ter lapsos de memória. As minhas mãos começaram a apresentar rachaduras e até dificuldade para pegar caneta?, recorda.

O diagnóstico de uma crise de ansiedade fez com que ficasse afastada do trabalho por três meses – e no ano seguinte veio a aposentadoria. Demorou um ano para a professora conseguir tirar o material dela do armário da escola. ?Para mim, fui acometida pela síndrome de Bournout porque não tinha mais coragem de enfrentar uma sala de aula ou rever os professores. Ainda hoje tenho lapsos de memória e quando sou pressionada os problemas dermatológicos reaparecem?, afirma.

Para Edna, resta aconselhar quem ainda tem chances de não ter de deixar o trabalho. ?A pessoa deve comentar os sintomas com os colegas, se abrir; do contrário, ela acaba num extremo que não consegue reagir. Tive sorte porque os meus colegas me ouviram, apoiaram e aconselharam a procurar médicos especialistas, assim como a minha família.?

Voz rouca: sinal de que algo está errado

Foto: Aliocha Maurício

Cuidados com a voz devem ser redobrados na profissão.

Maristela Aparecida do Amaral, professora há 13 anos da rede municipal de ensino em Curitiba, começou na profissão atuando em jardins de infância. Seus totais 16 anos de carreira lhe renderam sérios problemas de voz – um dos que mais acometem a categoria. ?De quatro anos para cá começou a falhar muito. Não sabia mais qual era minha voz de tanta rouquidão e perdia o fôlego por ter de usá-la demais?, recorda. Os exames detectaram calos nas pregas vocais e esofagite (refluxo).

?Os médicos disseram que minha voz provavelmente nunca mais será a mesma?, conta. Foram quatro meses de fonoaudiologia toda semana, o que aliviou a sensação ruim, mas não melhorou a voz. Teoricamente, Maristela teria de ficar afastada do trabalho -mas não havia como. ?Não tinha quem pôr no lugar. A gente tem de passar pelo tratamento e se reeducar para poder trabalhar?, diz. Mais quatro meses de tratamento foram necessários. Dessa vez, os calos foram embora.

A professora lembra, porém, que cuidados são essenciais para que não retornem – uma vez que esse risco é iminente. ?Hoje falo baixo e pouco. Evito gelado, ar frio. Quando converso com as crianças em sala, primeiro faço de tudo para que todas fiquem em silêncio. Não posso gritar mais que elas, senão estoura tudo de novo?, afirma. Outra coisa que ela aprendeu é a falar somente quando estiver dentro da sala de aula, com as portas fechadas, para evitar competir com os ruídos externos. A readequação lhe rendeu bons frutos – e apoio por parte dos alunos. ?Fica até melhor porque, conversando baixo, eles se sentem mais valorizados. Todos passaram a contribuir comigo, principalmente quando ficava sem voz. Eles cuidam mais da gente que a gente deles.?

Além dos cuidados com a voz, Maristela aprendeu também a cuidar de si mesma. ?Além do excesso de uso, o estresse ajudou a causar o problema. Chega uma hora que você está estressada, com o organismo debilitado e a primeira coisa a ser afetada são as cordas vocais?, atesta. O que não pode acontecer, segundo ela, é ignorar o problema, achando que se limita a uma simples dor de garganta. ?Eu não imaginava que tinha os nódulos. E vejo que é comum os professores terem esse tipo de problema e não perceberem. O cuidado tem de ser constante.?