Quando ninguém mais dorme na casa

No meio de uma aparente noite tranqüila de sono, de repente, o barulho. Um ronco que faz qualquer um acordar. Roncar um pouco é até normal, mas se torna problema quando não deixa ninguém da casa dormir. Vira motivo para muitas brigas no casamento e noites com os dois dormindo bem separados. O ronco pode ser sinal de alguma doença e está intimamente ligado a uma patologia bem séria: a apnéia, na qual a pessoa pára de respirar por alguns momentos e tem microdespertares durante a noite.

Os dois primeiros anos de casamento do professor de educação física Luiz Fernando Gottardi com Josiane Rank foram um tormento, principalmente para ela. "Era todo dia aquele barulho. Fechava as portas e ia dormir na sala. Mesmo assim, dava para escutar. O começo do casamento foi um caos. Dormi mais longe dele do que junto. Eu era quem ficava irritada", lembra. Luiz confirma que ouvia muitas reclamações de Josiane.

Para o médico otorrinolaringologista Daniel Zeni Rispoli, do Centro Avançado de Otorrinolaringologia (CAO), o ronco é uma doença social que não traz muito problema para quem ronca, mas para aquele que precisa conviver diariamente com o barulho. "É muito comum o companheiro se queixar. Hoje, 10% da busca pelos consultórios está relacionada ao ronco", afirma.

O problema pode surgir em qualquer faixa etária. Muitas mães levam os filhos ao consultório porque ficam assustadas com o ronco das crianças. Nestes casos, a razão pode estar nas adenóides, nas amígdalas crescidas e na rinite. Não basta muito para uma pessoa roncar: cansaço, consumo de bebidas alcoólicas, exagero na alimentação à noite, ingestão de relaxantes e a posição para dormir (de barriga para cima). "Quem come churrasco à noite e toma duas garrafas de vinho com certeza vai roncar", comenta Rispoli.

A médica otorrinolaringologista Cláudia Ciuff, do Hospital Vita, ainda destaca o tabagismo, o sedentarismo e o excesso de peso como fatores para o ronco. Ela recomenda o emagrecimento para diminuir o barulho e cita que a obstrução de algum ponto entre o nariz e o pulmão também desencadeia o processo. Nesta situação, estão relacionados o desvio de septo, a atrofia de adenóide, palato redundante (céu da boca flácido) e a língua caída para trás.

Uma das maneiras de se acabar com o ronco é a aplicação da higiene do sono, segundo Rispoli. O paciente aprende como deve se posicionar na cama, deitar em horários pré-estabelecidos, dormir em ambientes agradáveis (silencioso e escuro), evitar excesso de alimentação e de bebidas alcoólicas, prática de esportes e manutenção do peso, entre outros. "Para ter um bom dia, tem que ter uma boa noite", ensina. O médico revela que leves hipertensões e alterações do açúcar no sangue podem ser eliminadas com a correção do sono. Além disso, remédios e até mesmo cirurgias são recomendadas para sanar o problema.

Cirurgia traz de volta a tranqüilidade no sono

Depois de escutar muitas reclamações de sua esposa Josiane, Luiz Fernando Gottardi pôde proporcionar noites tranqüilas de sono para ela, graças a uma cirurgia. A prima de Josiane estava fazendo especialização em otorrinolaringologia e surgiu a oportunidade de ele ser ‘cobaia’ em uma cirurgia que o professor dela estava desenvolvendo, há cinco anos. A intervenção foi realizada no céu da boca, com retirada de gordura e da úvula (a parte suspensa no começo da garganta, em forma de sino). "O próprio médico disse que ia continuar roncando, mas que o volume seria bem menor. Melhorou uns 70% e agora a Josiane está dormindo bem", afirma o professor.

A cirurgia também foi recomendada para acabar com o ronco da técnica judiciária Zizilene Viana de Oliveira. Ela não procurou tratamento especificamente para o ronco. Foi até o otorrinolaringologista para tratar uma rouquidão. Paralelamente, está fazendo um tratamento de ortodontia porque tem a arcada dentária para frente. Os dois perguntaram se ela roncava. "Uma coisa acabou puxando a outra. Por causa da minha arcada, durmo de boca aberta e ainda tenho o hábito de dormir de barriga para cima", conta. O marido de Zizilene também reclama muito dos roncos dela. "Ele cansou de ir para outro quarto. Mas já desistiu, nem me cutuca mais."

Ela conta uma passagem, ocorrida durante a faculdade de Engenharia Florestal, que resume como é o ronco dela. Zizilene foi para Guaraqueçaba passar três dias como parte de uma estágio que estava fazendo. "Estava morrendo de vergonha e resolvi não revelar que roncava. No outro dia, todo mundo queria me matar. Só eu que havia dormido. O resto permaneceu acordado por causa do barulho alto do meu ronco", relembra. Zizilene ainda está tomando coragem para fazer a cirurgia. Diz que deste ano não passa. Sorte do marido dela. (JC)

Diagnóstico é feito através de exames clínicos e polissonografia

O ato de roncar deve ser levado muito a sério porque está associado a uma doença séria, a apnéia. A pessoa pára de respirar por alguns breves momentos durante o sono e o ronco. Ela tem duas origens: centrais (neurológicas) e periféricas (excesso de peso, acúmulo de gordura no tecido da garganta, obstruções nas vias respiratórias). O diagnóstico é feito por exames clínicos e polissonografia, quando o paciente vai até o laboratório do sono para ser monitorado por um neurofisiologista, com o objetivo de descobrir as causas.

Segundo a médica Cláudia Ciuff, na apnéia o corpo sente falta do oxigênio e o cérebro manda sinais para que a pessoa acorde. São centenas de microdespertares durante a noite, que podem trazer conseqüências graves para o doente. "O sono é dividido por ciclos. Normalmente, quando se acorda na apnéia, a pessoa não chega a acordar. Apenas muda de ciclo. Tem um sono fragmentado, apesar de muitas vezes dizer que dormiu ‘como uma pedra’. Dormem muito e descansam pouco", afirma o otorrinolaringologista Daniel Zeni Rispoli.

A apnéia sobrecarrega o sistema cardiorrespiratório. Provoca alterações no sistema nervoso, sonolência, irritabilidade e queda na concentração e no rendimento. Além do tratamento clínico, feito com medicamentos, a pessoa pode utilizar dois aparelhos com máscaras, pelo resto de sua vida, que ajustam a pressão intra-respiratória: o CPAP e o BI-PAP. "Existe ainda o tratamento cirúrgico para corrigir as obstruções, também conhecidas como síndromes de resistência das vias áreas superiores", explica Rispoli. (JC)

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo