Se colocado o título na forma interrogativa, a maioria das pessoas estará inclinada a responder que existe a data de 02 de novembro para isso, quando se visita cemitérios e túmulos de cada parente ou amigo morto, acendem-se velas, colocam-se flores e faz-se orações. A proximidade do Dia de Finados serve-nos como pretexto para demonstrar que, além da denominação imprópria, estabelecer uma data fixa às almas dos que já viveram sobre a Terra não passa de mera convenção herdada das civilizações antigas. Alguns povos reverenciavam apenas as personalidades revestidas de maior importância como líderes religiosos ou guerreiros, mas quase todos incluíam aí os entes queridos que não alcançaram qualquer grau de notoriedade. No primeiro caso, teríamos os chamados cultos aos ancestrais movidos por desejos de acalmar sua ira caso não fossem lembrados ou de solicitar deles algum favor. No caso de cerimônias que englobam todos os mortos, o objetivo era invocar seus feitos, prestar-lhes homenagem e talvez esperar por proteção ou favorecimentos.

No seio de povos antigos e modernos, diferenciados por práticas religiosas próprias, a homenagem assume características particulares, variando desde os simples rituais acima citados prevalecentes no ocidente até cerimônias complexas desenvolvidas com manifestações festivas como canto, danças e alimentos especiais oferecidos aos mortos e, às vezes, aos vivos. A data varia, como no Japão com o Festival das Lanternas – o Obon – entre 13 e 16 de julho ou em partes da China com o Festival do Fantasma Faminto, no outono austral. Em certas ramificações hindus as comemorações dos mortos duram 10 dias. O feriado americano do Halloween ou Dia das Bruxas, a 31 de outubro, inspirou-se no Dia dos Mortos dos antigos europeus. Parece haver a acomodação de calendário entre esta data, a de Todos os Santos e de Finados, todos em seqüência.

Embora o respeito que nos merecem os homenageados e os que prestam tais homenagens, na visão espírita, Dia dos Mortos tanto pode ser todos como nenhum. Explicando: todos porque não precisamos nem devemos ocupar nossa lembrança com eles somente num dia do ano e poderia não haver dia algum destinado a eles porque morto ninguém está. Todos vivem, a despeito de estarmos deles separados por configurações de dimensões específicas. Assim como nós encarnados vivemos, pensamos e agimos todos os dias, os que já partiram deste mundo, também permanecem vivos e atuantes na dinâmica própria que suas novas condições se lhes impõem.

A regra vale para o tempo e espaço. Não é só junto aos túmulos que devemos buscar o reencontro com as almas bem-amadas. Preferencialmente que não seja lá. Devemos vibrar para que eles não estejam mais lá. A sepultura não é a última morada, mas o local onde permanecem os despojos materiais que constituíram o veículo de sua expressão neste mundo. Oxalá, as almas encontrem-se bem distantes de tais locais lúgubres, palco de lamentações e tristeza.

Podemos lembrar e “conversar” com os que estão separados temporariamente de nós em casa, num bosque, na montanha, na praia ou na rua. Se o contato via pensamento ocorrer de modo tranqüilo e equilibrado, nada há a temer. Só fará bem a um e outro. O que já está do outro lado da vida sentirá júbilo por ser lembrado por aquele a quem, não amou, no passado, mas ama ainda, no presente. Se enredado em dificuldade por qualquer motivo, a prece dos familiares e amigos vivos na matéria, lhe será de grande utilidade e melhor será, se sincera, vez por outra, do que as formalidades num só dia, mas desacompanhadas do sentimento puro de saudade e afeto. Para quem a profere representa um gênero de caridade.

Para espíritos atrasados moralmente ou apegados em demasia aos prazeres desta vida, ao desencarnar, poderão ficar retidos mais tempo junto ao local onde imaginam estar aprisionados, isto é, com o corpo físico sepultado. Irresistivelmente imantados, não concebem que a verdadeira vida continua. Confusos, vêem-se ora no corpo energético ou perispírito e julgam-se vivos, ora afundam no desespero ao constatar a inexorável decomposição cadavérica e a indiferença dos demais que já não lhe ouvem nem vêem.

A falta de melhor orientação a respeito do próprio fenômeno morte e do que a ela se segue, causa esta dubiedade atroz. Evitaríamos inúmeros desconfortos se déssemos, enquanto vivos na matéria, menos valor às coisas que lhe são pertinentes e buscássemos com mais determinação adquirir virtudes e praticar o Bem. A morte perderia o ar de mistério e terror e o triunfo da vida no além seria uma certeza tranqüila. Agiríamos pensando mais no futuro do que nas ilusões que se nos oferecem no presente e seríamos mais felizes desde agora.

O Espiritismo matou a morte. Rompeu com o véu de ignorância e sombra para descortinar os horizontes da vida imortal de que todos somos possuidores. O mundo é de vivos, não importa o lado em que estivermos. Não se ressuscita porque não se morre, reencarna-se enquanto for necessário para determinado estágio evolutivo. Ninguém vai para o “céu” ou para o “inferno”; não há penas eternas. Deus é bom, justo e misericordioso em grau máximo e todos somos salvos pelas próprias obras, nesta etapa da vida ou nas próximas. Logo, dispensa-se o Dia de Finados. Para o espírita, os mortos sempre vivem e é nesta condição que devemos celebrar suas memórias, feitos e essências espirituais originadas do Ser Supremo.

(Coluna sob responsdabilidade da ADE-PR – Assoc. de Divulgadores do Espiritismo do Paraná. e-mail: adepr@adepr.com.br )

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