Quando controlar demais a alimentação vira vício

Nem sempre manter uma alimentação considerada correta pode ser sinônimo de saúde. A obsessão pelo corpo saudável, apoiada nos mais diversos tipos de dieta, pode ser considerada um problema de ordem psicológica. O mais novo transtorno de cunho alimentar foi batizado de ortorexia – do grego orthós (correto) e oréxis (apetite) – pelo norte-americano Steven Bratman. A publicação Health Food Junkies, algo como "viciados em comida", contém a primeira teoria concreta sobre as pessoas que dedicam grande parte de seu tempo para planejar, comprar e preparar refeições.

Segundo o psiquiatra Vanderlei Saraiva Madruga, a ortorexia ainda não é reconhecida como um transtorno psiquiátrico, já que ainda não existem ainda publicações suficientes sobre o tema. "Para que haja um registro efetivo do transtorno, é necessário que haja consenso entre um número considerável de psiquiatras sobre sintomas e características do transtorno", diz. Por ser uma manifestação psicológica recente, vinculada em parte pela disseminação instantânea das mais diversas teorias alimentares, ainda é possível que se leve algum tempo para que a ortorexia entre no catálogo oficial dos transtornos alimentares.

A manifestação é tão pouco conhecida que, apesar da larga experiência em clínica, Madruga nunca recebeu nenhum paciente com essas características. Ele acredita que é muito difícil que a pessoa reconheça que possui o transtorno. Ou mesmo a família, que é quem geralmente traz os pacientes com distúrbios alimentares ao tratamento. De antemão, como se trata de um problema de ordem psicológica, o tratamento cabível é o acompanhamento psicológico, vinculado à administração de remédios.

Reflexos

O excesso de controle sobre o que é ingerido, em proporções doentias, acaba resultando em problemas de convívio social. As pessoas que seguem determinada dieta passam a não freqüentar ambientes nos quais os hábitos alimentares não são condizentes com os delas. Cria-se um processo gradativo de exclusão social, que cada vez se agrava mais.

Não bastassem os transtornos de ordem psicológica, a pessoa que restringe excessivamente os hábitos alimentares corre o sério risco de sofrer de carências de vitaminas ou sais minerais no organismo, tornando-se doente.

Problema é comum entre quem faz academia

O nutrólogo Marcio Fisberg, especializado em tratamentos de ordem alimentar, diz que a ortorexia pode ser mais comum entre freqüentadores de academia, já que de certa forma a obsessão pela saúde e corpo perfeito é desse perfil.

"As academias disseminam dietas e fórmulas com muita rapidez e as pessoas se deixam levar", diz o nutrólogo. Dentro desse grupo, além da tendência à ortorexia, pode-se desenvolver a vigorexia, que nada mais é que a canalização da obsessão para o corpo perfeito, do ponto de vista estético. "Esse tipo de transtorno vai surgindo aos poucos, até que se perca o controle. A partir daí, a pessoa começa a viver em função da obsessão, que pode surgir simplesmente de um modismo alimentar", diz o nutrólogo.

Como ainda não é considerada uma doença, a ortorexia não tem um diagnóstico dos mais simples, já que a linha entre uma preocupação com alimentação saudável e uma vida alimentar obcecada é muito tênue.

Porém Bratman, que criou o termo ortorexia, lançou mão de um teste simples para detectar o transtorno. Em um questionário de dez questões, se a pessoa responder de forma afirmativa a quatro delas, possivelmente possui o transtorno (veja o quadro).

A partir do momento em que é reconhecido o probelma, Bratman sugere que a pessoa pare de pensar o tempo todo em alimentos saudáveis e encare a ortorexia como um mal e não uma virtude. É necessário também que seja identificada a mola motriz da obsessão, geralmente uma válvula de escape. Na fase de tratamento, é preciso ir devagar no retorno, fazendo valer o meio-termo alimentar, misturando alimentos considedos saudáveis com aqueles designados como vilões das dietas. (GR)

Pessoas se consideram normais

Como a maioria dos comportamentos diferenciados em relação ao hábitos alimentares, as pessoas que têm traços de ortorexia se consideram absolutamente normais. É o caso de Cristiane Rota, de 28 anos. Há 10 anos ela cortou de sua alimentação carne vermelha. Depois foi o frango e desde então não ingere qualquer tipo de fritura ou refrigerante. "A única coisa que sei que não faz bem à saúde, mas que não consigo abolir, é doce", diz.

Ela considera natural buscar uma alimentação que considera "saudável" e diz que o hábito começou por motivos estéticos, já que na adolescência ela se considerava acima do peso. "Comecei a me informar e ler bastante sobre alimentação saudável e fui criando meus hábitos", conta. Ela confessa que nunca teve a orientação de um nutricionista e que chegou a ter problemas de saúde por conta da mudança radical na alimentação. "Tive anemia na época que cortei a carne vermelha porque não fiz a substituição certa. Hoje sei fazer bem a compensação."

Mesmo assegurando que hoje não tem carências de vitaminas ou sais minerais, Cristiane diz que se não tem nada que ela costuma comer em algum local, ela fica sem comer. "Quando a gente muda os hábitos, o organismo se acostuma. Certa vez comi uma comida um pouco mais apimentada e passei muito mal. Fiquei três dias internada no hospital com intoxicação." (GR)

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