Partido mais tradicional do Peru, a Apra tem 5 dos 130 integrantes do Parlamento. Tamanha fragilidade das legendas explica em parte o efeito devastador da Lava Jato no país, que teve seus últimos quatro presidentes atingidos. Na sexta-feira (19), enquanto um deles, Alan García, tinha o corpo cremado – dois dias após se matar, acuado por denúncias de corrupção – outro, Pedro Pablo Kuczynski (PPK), soube que cumpriria 3 anos de prisão preventiva. Aos 80 anos.

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O enfraquecimento dos partidos ocorreu paralelamente ao boom econômico e ao aumento da demanda por obras de infraestrutura. Desde o ano 2000, políticos personalistas como Alejandro Toledo, o próprio García, e Ollanta Humala se revezaram no poder, com pouco apoio no Congresso, baixa aprovação popular e doações de campanha em troca de concessões milionárias.

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Sem força política para se contrapor às denúncias, os ex-presidentes foram caindo um a um. Último presidente eleito, em 2016, PPK inventou uma legenda com suas próprias iniciais (Peruanos Por el Kambio) para vencer a disputa.

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Prostrado num banco em um jardim que ostenta os bustos dos fundadores da Apra, Germán Luna, um dos dirigentes da legenda, olhava o rastro de flores deixado pelo féretro de García, ao final de seu velório, na sexta-feira. Seu partido quase centenário se tornou um corpo estranho na política peruana, marcada desde a ditadura de Alberto Fujimori também por um Executivo hipertrofiado e inúmeros escândalos de corrupção. “Ainda somos uma organização política. A última que sobrou no Peru, com quadros e militância”, sustenta ele.

O cientista político Arturo Maldonado avalia que desde Fujimori os partidos não têm força suficiente para se impor. “Uma vez que os presidentes saem de cena desprestigiados e sem uma organização por trás, se tornam um alvo fácil”, disse Maldonado ao Estado. “A classe política agora, com a morte de García, tenta deslegitimar o trabalho do Ministério Público, tentando caracterizá-lo como parcial, principalmente contra a Apra e os fujimoristas, que são as forças políticas ainda organizadas no país.”.

As investigações só foram possíveis graças aos acordos de leniência firmados entre o Ministério Público e a Odebrecht e à cooperação com a força-tarefa da Lava Jato no Brasil. “Todos os ex-presidentes são investigados porque há indícios contra cada um deles. Por isso, os políticos se uniram para criticar a força-tarefa e os métodos que temos usado, que foram dados ao Ministério Público pelo próprio Parlamento”, disse ao Estado um dos procuradores que comandam a Operação Lava Jato no Peru.

Ele acredita que os procuradores são reconhecidos pela população porque a classe política está desprestigiada. O procurador pediu para não ter seu nome revelado por ter sido proibido de falar com a imprensa depois do suicídio de García.

A cooperação internacional entre procuradores brasileiros e peruanos possibilitou a descoberta de doações ilegais de campanha feitas pela Odebrecht a Ollanta Humala, em 2011. O acordo de leniência fechado entre a Odebrecht e o Departamento de Justiça americano, em dezembro de 2016, motivou a empresa a colaborar com autoridades em países nos quais estava envolvida em escândalos. O primeiro deles foi o Peru.

Isso possibilitou ao MP peruano abrir duas linhas de investigação: uma que envolve doações irregulares de campanha e a outra sobre corrupção de agentes públicos. A delação de Marcelo Odebrecht revelou que todos os principais atores políticos do país receberam dinheiro em troca da promessa de obras de infraestrutura.

O acordo de repasse de informações em troca de uma permissão para a empresa continuar operando no Peru possibilitou investigações sobre irregularidades em obras como a construção do metrô de Lima, na qual García estava envolvido.

Esta semana, procuradores da Lava Jato peruana estarão em Curitiba, numa parceria com a força-tarefa brasileira, para ouvir um dos principais delatores da Odebrecht no Peru, o executivo Jorge Barata.

Os procuradores esperam que Barata dê provas definitivas que comprovem o envolvimento de García com irregularidades. Outro foco é a negociação de uma delação com a construtora OAS. “Enquanto a Odebrecht participou de muitas obras do governo de García, a OAS o fez na gestão de Humala. Há suspeitas de irregularidades também em obras contratadas na prefeitura de Lima, nas gestões de Susana Villarán e Luis Castañeda”, acrescentou o procurador ouvido pelo Estado. “Estamos perto de comprovar nossas hipóteses de investigação contra Alan García. Dependemos do depoimento de senhor Jorge Barata, no Brasil.”

A militância aprista, no entanto, não acredita nas suspeitas, apenas em perseguição. “Nunca encontraram nada contra Alan. Os procuradores são todos de esquerda e mancomunados com a imprensa”, acusa o dirigente Germán Luna. “Esquecem que no nosso governo reduzimos a pobreza de 52% para 27% e, pela primeira vez no Peru, começamos a construir edifícios, em vez de casas.”

Para Maldonado, a nova fase das investigações é um sinal de que a Lava Jato no Peru pretende se mostrar apartidária. “Seria uma maneira de contradizer os argumentos de perseguição da Apra e dos fujimoristas”, diz.

Corrupção aumenta crise

“Que todos vão embora.” É assim que a grande maioria dos peruanos se expressa quando questionada sobre o impacto da corrupção no país. O pedido é reforçado pelos números. Segundo a última pesquisa do Instituto Datum sobre o impacto da Lava Jato no Peru, quase nove em cada dez peruanos consideram os ex-presidentes envolvidos em denúncias de corrupção culpados. O trabalho do Ministério Público é apoiado por 63% da população.

Historicamente, os peruanos têm uma relação difícil com seus ex-presidentes. Desde a queda de Alberto Fujimori, raramente a aprovação dos últimos presidentes superou 50%. Segundo o instituto CPI, Alejandro Toledo deixou o cargo bem avaliado por 36% dos peruanos. Ollanta Humala, por 24%. Alan García, que se matou na semana passada ao receber um mandado de prisão, era o melhor avaliado, 46% de aprovação.

A Lava Jato, que começou a afetar o país em 2016, apenas exacerbou a passividade dos peruanos em relação à política. “Desde o tempo de Fujimori todos roubam. O Cavalo Louco (apelido de García) deve ser o que mais roubou. E, além de tudo, era muito arrogante. Por isso, já não me importo mais com políticos”, diz Juan César Toche, gerente de uma loja de calçados de Lima. “Agora, pelo menos estão fazendo alguma coisa, mas duvido que condenem alguém.”

García e Toledo são os que têm a pior imagem junto à população: 93% e 92% os veem como corruptos, segundo o Datum. Em seguida, vêm Humala, com 88%, e Pedro Pablo Kuczynski (PPK), com 85%. Analistas veem o risco de essa passividade agravar ainda mais a crise política do país.

“O Congresso é a casa da democracia e é a instituição mais mal avaliada do país”, diz o analista Arturo Maldonado. “Essa reação – de que todos devem ir embora – está se transformando num rechaço completo à política, com riscos para a ascensão de um aventureiro nas próximas eleições.”

PPK renunciou ao cargo no ano passado em meio a denúncias vinculadas ao caso Odebrecht. Ele foi eleito em 2016 numa disputa voto a voto com Keiko Fujimori, filha do ex-presidente, que também está presa por suspeitas de corrupção relacionadas à Lava Jato. Mesmo figuras políticas regionais, como os ex-prefeitos de Lima Susana Villarán e Luis Castañeda, também são alvos do MP. Com isso, a sucessão do presidente Martín Vizcarra, que substituiu PPK, está mais indefinida do que nunca.

“Dois anos na política peruana é uma eternidade. Aqui, as coisas se definem no último momento”, diz o analista Hugo Guerra, lembrando as duas últimas eleições, nas quais Keiko foi derrotada por PPK e Humala, nos últimos dias de campanha, por uma pequena margem.

Pressão por propina

Empresários, procuradores, juristas e cientistas políticos entrevistados pelo ‘Estado’ disseram que a fronteira entre o suborno e a extorsão no Peru é tênue. Uma fonte peruana da Odebrecht alegou ter sofrido pressões durante o mandato de Pedro Pablo Kuczynski, por parte do governo e de outras empresas locais, depois de o acordo de delação ter sido fechado.

De acordo com este funcionário, em todos os relatos dos delatores da empresa, a iniciativa da abordagem para pagamentos ilícitos veio de políticos ou autoridades. O funcionário menciona que, em uma obra em Cuzco, o executivo da Odebrecht negou-se a pagar e a empresa foi desclassificada da concorrência por “falta de capacidade técnica”. A Odebrecht reconheceu ter pagado suborno no país e garante que colabora com autoridades peruanas. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.