Foto: Aliocha Maurício/O Estado

O que leva o ser humano a sentir sensações é seu sistema nervoso. Os peixes também possuem sistema nervoso.

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Os peixes, assim como outros animais vertebrados, estão sujeitos a sentir dor e medo, passando por períodos de sofrimento intenso quando manipulados de maneira inadequada pelos seres humanos. A partir dessa constatação, o Laboratório de Bem-Estar Animal (Labea) da UFPR mantém um projeto denominado ?Abate Humanitário de Peixes?.

Criado em meados do ano passado, com o apoio do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Paraná (CRMV-PR) e da Prefeitura Municipal de Araucária, na Região Metropolitana de Curitiba, o projeto visa conscientizar produtores e a própria comunidade sobre a importância de promover o abate de peixes para consumo de forma que os procedimentos realizados não gerem sofrimento aos animais.

?O que leva o ser humano a sentir sensações e emoções como frio, ansiedade, dor e medo é seu sistema nervoso. Os peixes, assim como nós e outros animais, também possuem sistema nervoso que inclui cérebro e órgãos dos sentidos (olhos, boca, ouvidos, narinas e linha lateral). Logo, peixes possuem a capacidade de sentir similar a qualquer outro animal vertebrado?, informa um folder que divulga a existência do projeto.

Carla: ?Eles têm o sistema nervoso estruturado de maneira bastante parecida ao humanos?.

Segundo a médica veterinária e coordenadora do Labea, Carla Forte Maiolino Molento, o abate humanitário já é bastante empregado a outros seres vivos utilizados para consumo humano, como bois, porcos, frangos e outras aves. Pessoas que trabalham com a comercialização dessas carnes já obedecem a algumas regulamentações no momento de promover a morte dos animais. Porém, no que diz respeito aos peixes, ainda há muita desinformação e pouca consciência de que determinados procedimentos lhes resultam em sofrimento.

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?Os peixes parecem muito diferentes de nós e por isso as pessoas costumam ter maior dificuldade em entender que eles possuem sentimentos idênticos aos de outros animais e também merecem receber consideração similar. Na verdade, eles têm o sistema nervoso estruturado de maneira bastante parecida ao dos seres humanos?, afirma Carla.

Abate humanitário significa matar o animal com o mínimo de sofrimento possível. Quando é promovido o abate de mamíferos e aves, os mesmos geralmente são tornados inconscientes antes de serem mortos. Desta forma, deixam de ter a estrutura cerebral funcionando e ficam isentos a sensações de dor e medo. Os peixes também podem ser insensibilizados através de secção de medula cervical seguida de sangria por lesão das brânquias para que o animal seja morto. Porém, o procedimento ainda é pouco utilizado.

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O que se vê em muitos locais de criação de peixes, pesque-pagues e mesmo em feiras que promovem a comercialização da carne são animais mantidos em grande quantidade em tanques pequenos e com pouca água, sendo colocados vivos em sacolas plásticas (muitas vezes levando horas até morrer por asfixia) ou mesmo sendo limpos sem estarem mortos, ainda se debatendo. ?Quando isto acontece, os peixes são mutilados vivos, tendo escamas arrancadas e as barbatanas e rabos cortados, o que gera sofrimento intenso e prolongado. O problema é que pouca gente tem consciência disso.?

Carla também acredita que o sofrimento imposto aos peixes influencie na qualidade da carne dos mesmos. Ela explica que o sofrimento faz com que o animal libere os hormônios adrenalina e corticosterona na corrente sangüínea, o que faz com que o pH da carne seja modificado.

UFPR estuda estresse dos animais

Foto: Lucimar do Carmo/O Estado

Marisa: ?São feitos testes que tentam caracterizar o sentimento através de estímulos?.

Nos últimos anos, vários estudos têm tentado demonstrar que os peixes sentem dor e podem ser vítimas de estresse. Na UFPR, a bióloga e professora do setor de Ciências Biológicas, Marisa Fernandes de Castilho, realiza trabalhos na área, estudando o comportamento de peixes.

?Não temos como saber se os peixes sentem dor utilizando a linguagem. Por isso, são realizados testes que tentam caracterizar o sentimento através de estímulos e de algumas respostas fisiológicas e comportamentais dadas pelos animais. Nos testes, tenta-se indentificar desconforto e mal-estar?, explica.

Na mesma linha, Marisa desenvolve trabalhos com a intenção de conscientizar produtores e pessoas que manipulam peixes em laboratórios sobre a melhor forma de organizar o ambiente em que os animais são mantidos, de forma que este lhes proporcione maior bem-estar.

?O objetivo é minimizar o desconforto sentido pelos peixes antes de eles serem abatidos. Isto pode ser feito através da adoção de algumas formas de enriquecimento ambiental, reproduzindo um pouco do habitat natural dos animais. É semelhante ao que já é feito de forma intensa com outras espécies em zoológicos de todo o mundo.?

Entre os peixes, o enriquecimento ambiental pode ser colocado em prática através do controle de densidade populacional, da qualidade da água e da incidência de luz. Também é considerada positiva a preocupação com a coloração do fundo do ambiente em que os peixes são mantidos e a criação de condições que permitam aos animais se refugiarem em tocas.

?São atitudes que, além de influenciarem no bem-estar dos peixes, também influenciam na qualidade das pesquisas realizadas com os mesmos e no sucesso da produção da carne. No caso das pesquisas, manter o animal em ambiente próximo ao natural auxilia nas abordagens experimentais. Em relação à produção de carne, contribui com o melhor crescimento e reprodução dos animais?, finaliza a bióloga.

Humanização pode ser o diferencial

Foto: Lucimar do Carmo/O Estado

Carneiro: ?A prática pode servir como diferencial no mercado?.

Já é grande o número de consumidores que, no momento de adquirir mercadorias, se preocupam se as mesmas foram produzidas sem gerar sofrimento a animais. Por isso, na opinião do engenheiro agrônomo e professor da área de Zootecnia da PUCPR, Paulo Carneiro, a prática do abate humanitário de peixes pode ser um diferencial aos produtores no momento da comercialização da carne.

?Estamos pensando em expedir um selo para colocar na carne que garanta ao consumidor que os peixes de determinado produtor foram abatidos de forma humanitária. Porém, a informação também pode ser colocada nas embalagens dos produtos?, comenta. ?Inicialmente, o abate humanitário pode trazer algum custo a mais aos produtores, pois é necessário, por exemplo, treinar funcionários para realizá-lo. Porém, futuramente, a prática pode servir como diferencial no mercado.?

Informações fornecidas por Paulo, com base em pesquisas realizadas pela FAO (Food and Agriculture Organization) no ano de 2001, revelam que o Brasil é o segundo país da América do Sul a se dedicar à aquicultura (que inclui, além de peixes e camarões, outros produtos, como rã e algas), perdendo apenas para o Chile. Em 2001, o Brasil produziu 210 mil toneladas de produtos de aquicultura. Já a produção do Chile foi de 610 mil toneladas.

No que diz respeito a pescados, também no ano de 2001, o Brasil produziu 132.989 toneladas. No País, são consumidos 6,8 quilogramas de peixes e camarões anualmente por pessoa. O consumo médio mundial é de 15,8 quilogramas. Os animais mais cultivados costumam ser a carpa e a tilápia. ?A maior produção de pescados brasileira acontece nos estados da região sul, que detêm maior tecnologia e mercado consumidor com maior poder aquisitivo. Porém, são os estados do Nordeste e centro-oeste que possuem melhor clima para o cultivo.?

No que diz respeito à produção paranaense, o engenheiro agrônomo, baseado em números da Emater (Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural), informa que, no ano de 2004, o Estado produziu 16.558 toneladas de pescados. Desse total, 51% foi para pesque-pagues, 31% para a indústria, 13% para venda direta ao consumidor e 4% para feiras. O 1% restante teve outros destinos.