Praça perde encanto e ganha violência

Considerada o berço histórico de Curitiba, a Praça Tiradentes foi durante muitos anos um dos pontos mais glamurosos da cidade por abrigar, além do marco zero, a Catedral Basílica Menor de Nossa Senhora da Luz. Infelizmente, o logradouro que serviu como ponto de partida para o crescimento da capital hoje tem sua imagem arranhada pela violência que o assola, motivada pelo consumo desenfreado das drogas.

Assim que o dia clareia, o medo invade a praça. Nos diversos pontos de ônibus espalhados ao redor do espaço público, centenas de pessoas desembarcam todos os dias para trabalhar. No início da manhã, por volta das 7h, não são apenas as pombas que ocupam os bancos, mas os usuários de crack, que, sedentos por mais uma pedra, assaltam os trabalhadores munidos de pequenas facas ou canivetes. A invasão dos marginais também intimida os comerciantes locais, em especial os jornaleiros, que são obrigados a pedir licença para abrir as portas de seus comércios. "A minha banca já foi arrombada quatro vezes, por isso tive que revestir todo o interior com grades. Quando a gente chega para trabalhar, sempre tem um mendigo deitado em frente, e nós passamos o dia com medo", conta uma comerciante.

O aumento gritante da criminalidade é percebido principalmente pelos comerciantes antigos, que acompanharam de perto o desenvolvimento da cidade. Segundo Leila Zraik, proprietária de uma loja de calçados há 50 anos na Praça Tiradentes, a invasão de usuários de drogas, bêbados e mendigos aumentou nos últimos cinco anos. "Antigamente a praça era freqüentada por pessoas de bem, que passeavam tranqüilas por aqui. Hoje minhas clientes têm medo até mesmo de olhar a vitrine. Daqui de dentro, a gente vê muitos assaltos e não pode fazer nada", lamenta a mulher, lembrando o tempo que o logradouro era ponto de encontro de namorados, familiares e amigos.

Medo

Segundo os policiais militares responsáveis pela segurança na praça, o clima é tenso até as 10h da manhã, quando o logradouro está desprovido de policiamento. A partir desse horário, soldados do Pelotão Motos do 12.º Batalhão de Polícia Militar ocupam o local. "Nós ficamos aqui até as 20h. Depois, o patrulhamento é reduzido e feito pelas viaturas que atendem todo o centro. A presença da polícia intimida os marginais, mas quando vamos embora, eles voltam a ocupar a praça", confessa um policial, que prefere não se identificar.

Ainda de acordo com o PM, é durante a noite que os viciados compram, vendem e usam a grande parte dos entorpecentes. "Eles ficam na "correria" durante a madrugada e, pela manhã, cometem os últimos assaltos antes de ir embora", explica.

Nem mesmo a Catedral de Curitiba ficou ilesa à ação dos criminosos. Mesmo durante o dia, era comum ladrões invadirem o local para furtar adornos religiosos e bolsas das fiéis. Para coibir o problema, um segurança foi contratado. José Maria de Paula passa o dia na porta da Catedral monitorando a entrada e saída dos fiéis. "Não posso permitir que entrem drogados e bêbados e que estes perturbem a oração. Quando suspeito de alguém, chamo a polícia ou o resgate social", conta.

Porém, é quando a noite cai que o perigo aumenta. As conversas dão lugar ao silêncio, os pontos de táxi se esvaziam, os estabelecimentos comerciais abaixam as portas, o movimento dos populares é substituído pela presença de mendigos, bêbados, criminosos e usuários de drogas. São poucos os que têm coragem de cruzar a praça, uma vez que o risco de ser assaltado é praticamente certo. Com isso, o local onde Curitiba nasceu, morre abandonado, ocupado apenas pelos zumbis da madrugada.

Projeto para atrair o povo ao centro

Uma das iniciativas para revitalizar não apenas a Praça Tiradentes, como outras do centro de Curitiba, começa a ser feita em parceria entre a Prefeitura e o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc). Intitulada Marco Zero, a proposta urbanística e socioeconômica de revitalização pretende trazer as pessoas de volta ao centro da capital, tornando os logradouros públicos locais de turismo e lazer.

Os primeiros levantamentos de campo da proposta estão sendo feitos a partir do Marco Zero, na Praça Tiradentes, abrangendo também a Rua Saldanha Marinho, Praça Generoso Marques, Rua José Bonifácio e Travessa Padre Júlio de Campos. Posteriormente, será realizado um diagnóstico inicial, com as primeiras ações de curto prazo a serem efetivadas, principalmente ligadas à manutenção dos equipamentos existentes junto às praças. Segundo o presidente do Ippuc, Clodualdo Pinheiro Júnior, algumas questões fundamentais para a sobrevivência da área central, como estudos de incentivo a habitação e políticas de inclusão social às pessoas e crianças em situação de risco, vão necessitar de um amplo debate e contar com a contribuição de toda a sociedade. "Enquanto tivermos uma desigualdade tão grande na distribuição de renda entre as diversas classes sociais, sempre haverá uma população que estará em situação de risco", diz.

Entre as primeiras ações em andamento, estão sendo retomadas as obras de revitalização de duas importantes unidades históricas na área central: o edifício da antiga Óticas Curitiba, na Travessa Monsenhor Celso e o edifício da Capela Santa Maria. O prédio do antigo Museu Paranaense também será restaurado e poderá se transformar em um grande centro cultural, com apoio da iniciativa privada.

Voluntários ajudam os necessitados

A mesma praça que espalha o medo, contraditoriamente, dissemina solidariedade. Praticamente todas as noites, voluntários se reúnem em meio aos marginalizados, na Praça Tiradentes, para fornecer a muitos sua única refeição do dia. João Borba, de 57 anos, é uma das "mãos amigas", que todos os domingos distribui cerca de 200 litros de sopa, além de frango e polenta para os necessitados. Ele recolhe as doações de restaurantes e distribui os alimentos em caixas de leite. "Eu dou de comer a todos, sejam drogados, bêbados, mendigos ou traficantes. Não posso pedir que façam duas filas, uma de gente do bem e outra de criminosos", diz ele, que garante nunca ter sido vítima dos marginais.

A iniciativa de Borba surgiu há três anos e, desde então, afirma que recebeu até mesmo intimação da polícia para parar com o trabalho, uma vez que a sopa reunia muitos criminosos. "Eu estava depressivo e quando vi pessoas que tinha problemas muito maiores que os meus, como fome, resolvi ajudá-las", conta.

No início, Borba conta que tinha poucas doações e que servia sopa dentro de pão. Foi naquela época que ele presenciou uma das cenas mais marcantes de sua jornada. "Certa vez, o pão acabou e eu só tinha comida congelada que um restaurante tinha fornecido. Alguns homens, que ainda não tinham se alimentado, pegaram a doação e comeram daquele jeito. Foi aquele dia que eu percebi o que é a fome de verdade", conta.

Infelizmente, a boa ação atrai muitos marginais até a praça e quando a comida acaba, eles continuam no local, deitados sobre os bancos, vagando pela calçada, consumindo drogas e espalhando o medo. (PC) 

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