A letra bem-humorada da música Ciúme, da banda Ultraje a Rigor, fala de um tema que não tem graça para muitas pessoas. O sentimento pode fazer o ciumento e a sua ?vítima? sofrerem demais. Especialistas garantem que o ciúme é conduzido, principalmente, pela falta de segurança própria e uma auto-estima muito baixa.
Ciúme e possessividade andam lado a lado. São formados em dois momentos da vida de uma pessoa. Primeiramente, aparece a possessividade, depois, o ciúme. Entre dois e três anos de idade, a criança desenvolve o conceito da relação ?gente versus objeto?. ?Ela entra no mundo das pessoas para conquistar o que quer e começa a se envolver. Nesse período, se alguém agir quanto coisa e der tudo para a criança, ela não vai passar por essa fase. Vai encarar que pessoas e objetos são iguais. E vai achar a mesma coisa quando crescer. Encara as pessoas como patrimônio?, explica o psicólogo clínico Mauro Godoy, especialista em antropologia. Quando a possessividade é aliada à insegurança, pode se tornar patológica.
O psicólogo alerta que a criação das crianças com o auxílio de babás pode acentuar a possessividade. Na opinião dele, as babás são pagas para fazer o que a criança quer. ?Gera uma sensação de poder para a criança. Enquanto não chega no patológico, a possessividade não tem problema. Mas há casos extremos. Quando uma pessoa é muitíssimo possessiva, ela não deixa mulher e filhos saírem de casa para nada, por exemplo. A pessoa quer ter um controle absoluto?, comenta Godoy.
O ciúme é desenvolvido a partir dos três anos de idade, quando se entra na fase de Édipo. A criança começa a tentar recuperar a atenção que tinha quando era recém-nascida. Nessa etapa, menino ou menina descobrem que a mãe também ama outras pessoas e passa a competir pelo sentimento dela. ?No lugar da criança se voltar contra todos pela mãe, ela começa a se apegar aos outros e aprende a dividir a mãe com todos?, conta Godoy.
Mas, se a criança não passa por essa fase, cresce com a sensação de ter alguém vivendo para ela. Pensa que amar é ter alguém só para si. Um exemplo seria um homem que pensa que sua mulher não pode estudar, trabalhar e nem ter filhos para não dividir a atenção com ele. ?Hoje em dia, vemos que a criança não tem oportunidade de desenvolver isto, principalmente se as mães são solteiras. A deficiência de compreensão da criança gera problemas. O ciúme também pode se tornar patológico se for associado com grandes doses de insegurança?, avalia Godoy.
?Tempero do amor? apimenta a relação
Foto: Ciciro Back/O Estado |
Ari e Relindes: sentimento nada exagerado garante relação. |
O ciúme é considerado popularmente o ?tempero do amor?. O sentimento pode ser encarado como prova de amor, preocupação e demonstração de afeto. Isso é normal, desde que seja em proporções saudáveis. O motorista Ari e a auxiliar de cozinha Relindes Massaneiro são casados há 10 anos. Depois de todo esse tempo de casamento, o ciúme está presente na relação. ?O ciúme existe na pessoa que ama. Mas há muita diferença no ciúme doentio?, diz Ari. ?Lógico que sentimos ciúme um pelo outro. Se falasse que não, estaria dizendo uma mentira. Mas nada exagerado. Precisa ser saudável?, fala Relindes.
A mesma opinião é compartilhada pela dona de casa Vera Lúcia de Moura Silva e pelo impressor João Carlos Silva. Para eles, o ciúme ocupa uma importante lacuna no relacionamento. ?É uma demonstração de amor, mas precisa ser dentro do limite?, avalia Vera. ?Ciúme demais não dá. Mas um ?ciuminho? é gostoso, afinal, é preciso guardar o que é seu. Mas acho exagerado não deixar a mulher sair de casa ou ir até o local onde o companheiro está para saber o que está fazendo, por exemplo?, cita João Carlos.
O sofrimento vem quando esses parâmetros ultrapassam qualquer limite. ?Hoje em dia existem mais casos de ciúme patológico?, confirma o psicólogo Mauro Godoy. A situação fica complicada quando se aumentam a intensidade e a freqüência dos questionamentos com o parceiro, no qual vem junto o medo de perder a pessoa, por insegurança, segundo a psicóloga Loriane Matté. ?É difícil ter um ciúme doentio sem que haja a possessividade. Possessividade sem ciúmes talvez aconteça apenas com uma pessoa muito egoísta, em todos os sentidos?, explica.
O ciúme tem a capacidade de deixar uma pessoa mais insegura ainda, com uma auto-estima muito baixa. Se não está contente com ela mesma, a ciumenta (ou o ciumento) deixa este sentimento afetar a relação com o parceiro. O ciúme se torna doença quando a pessoa troca a realidade por um mundo de fantasias. ?Nos casos de infidelidade, é até normal sentir ciúme. Mas no ciúme patológico, a infidelidade só existe mesmo na fantasia e a pessoa sofre por isso, achando que é verdade. Uma pequena coisa acaba se transformando em tragédia?, informa Loriane.
Parceiros são os que mais sofrem com a situação
A primeira pessoa que percebe o descontrole do ciumento é o parceiro. A preocupação e o carinho, que acompanham o ciúme, passam a ser cobranças constantes. O parceiro se sente cercado e invadido. ?Quem percebe é o outro, mas já em uma situação que não dá mais para agüentar. Em um relacionamento, cada um precisa ter o seu espaço e o ciumento vai tirando isso do parceiro. Às vezes, qualquer atividade vira um sofrimento?, afirma a psicóloga Loriane Matté.
A busca por terapia de casal e tratamentos acontece quando o quadro está insustentável. Mas, para tudo voltar ao normal, o ciumento precisa aceitar que não está bem e que está prejudicando a relação. Às vezes, esta percepção não acontece naturalmente, sendo necessária a ajuda de outras pessoas. ?A pessoa vem para o consultório dizendo que os outros acham que ela é ciumenta. Ou que sente um sofrimento enorme que os outros não entendem?, aponta Loriane.
O casal é encaminhado para terapia e trabalha a comunicação no relacionamento. Ainda se estudam quais são os fatores que colaboram para despertar o sentimento. O ciumento também reflete sobre os relacionamentos do passado, que podem causar conseqüências na relação atual. As pessoas se baseiam muito em experiências anteriores, segundo Loriane. ?Se houve uma infidelidade em uma relação no passado, por exemplo, qualquer atraso pode desencadear o ciúme. Primeiro tem que se organizar a relação e, posteriormente, cada um vai para a terapia individual, para que não aconteça de novo?, indica.
O psicólogo Mauro Godoy diz que o tratamento passa pela re-educação da pessoa, principalmente dos valores formados enquanto criança. ?A terapia vai atingir o lado criança do ciumento, mostrando que existem outras pessoas no mundo. Tratar o ciúme patológico é complicado porque, quanto mais infantil for o problema, mais difícil será o tratamento. Mas é possível e dá para mudar?, avisa. Outro meio de tratar o ciúme e a possessividade é abordar a insegurança individual. A terapia pode ajudar a pessoa a conhecer os próprios limites.
Renovar o casamento pode ser uma alternativa
As relações e seus problemas, entre eles o ciúme e a possessividade, podem ser encarados como emoções que não podem ser negadas. A inteligência emocional ajuda muito nessa situação e na comunicação entre homem e mulher, de acordo com Iliana Machado, coordenadora do Retrouvaille/Redescobrir, programa da Pastoral Familiar da Arquidiocese de Curitiba, cujo objetivo é renovar os casamentos em crise. ?As emoções eram desprezadas até pouco tempo atrás. O ciúme é uma delas, que necessita de controle emocional. Os casais precisam conhecer as emoções de cada um e refletir no que estão fazendo para que o ciúme apareça?, informa Iliana. O ciúme pode ser controlado assim como outras emoções, a exemplo da raiva e do medo.
Mas quando aparece pode ser o sintoma de uma relação em dificuldades, ligado com a intuição da pessoa. ?O casal precisa ter um bom diálogo e aceitar o ciúme. Não se pode negar o que o parceiro está sentindo. Nós não damos conselhos, e sim, ensinamos a abrir o diálogo?, declara Iliana.
O Retrouvaille/Redescobrir é um programa internacional que começou em Curitiba há seis anos. O casal em crise passa por uma entrevista e participa de um final de semana em uma casa de retiro para trabalhar as emoções. Embora seja católico, o projeto acolhe casais de todas as crenças cristãs. Os encontros acontecem duas vezes por ano. O próximo está marcado entre os dias 18 e 20 de agosto. Mais informações e inscrições no telefone (41) 3353-4660.