Rio de Janeiro – As políticas públicas para reduzir as diferenças entre homens e mulheres podem ser formuladas com a identificação e a quantificação do tempo gasto com atividades não remuneradas, como trabalhos domésticos, estudo e laser. A proposta é da diretora regional do Fundo das Nações Unidas para a Mulher (Unifem), Ana Falú, que participou nesta segunda-feira (4), no Rio de Janeiro, do Seminário Internacional sobre Pesquisas de Uso do Tempo.
O evento reúne até amanhã (5) representantes de institutos de pesquisa de diversos países que debaterão metodologias que podem ser utilizadas para obtenção de indicadores de uso do tempo.
Segundo a diretora do Unifem, levantamentos realizados por institutos de pesquisa dos países da América Latina revelam os homens gastam, em média, 70% do seu tempo de trabalho em atividades remuneradas, enquanto as mulheres usam 70% do seu tempo de trabalho em atividades pelas quais não recebem qualquer pagamento.
"Queremos, através desses dados, dar visibilidade e quantificar em dinheiro o trabalho que a mulher desenvolve e contribui para a sociedade. Muitos países desenvolvidos, que iniciaram pesquisas de uso do tempo na década de 80, já implementaram políticas públicas de acordo com a situação retratada", defendeu.
Falú citou como exemplo dessas iniciativas governamentais, a ampliação do horário das creches na França, que passaram a funcionar das 6 horas às 20 horas. De acordo com Ana Falú, essa modificação viabilizou a entrada de mais mulheres no mercado de trabalho, porque permitiu que aquelas que começam a jornada, por exemplo, às 7 horas, pudessem deixar seus filhos com profissionais capacitados.
Ana Falú destacou ainda que os governos poderiam promover uma grande campanha de paternidade responsável, para conscientizar os homens a dedicar parte de seu tempo também aos cuidados com os filhos. Segundo ela, em geral, as horas que os homens usam para as crianças são gastas em atividades recreativas. Já as mulheres ficam responsáveis pelos cuidados com higiene, alimentação, saúde e educação.
Para a ministra Nilcéa Freire, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, que também participou do seminário, levantamentos sobre o uso do tempo poderiam ser úteis às discussões sobre o diferencial de tempo de serviço entre homens e mulheres para a conquista da aposentadoria.
"As tarefas exercidas pelas mulheres, que normalmente não são contabilizadas, e não entram nas contas da Previdência Social, certamente representam muito mais do que os cinco anos a menos que temos para conquistar nossa aposentadoria. É preciso pensar de que maneira esse trabalho é apropriado pela sociedade e como a sociedade e o Estado devem devolver esse trabalho para o benefício de todos", afirmou.
A ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria Especial de Igualdade Racial, lembrou que políticas públicas baseadas no uso do tempo também poderiam beneficiar mulheres pobres e negras, que são as que mais atuam na área de serviços domésticos. "É um trabalho digno, mas elas podem e devem desenvolver outros trabalhos, e se inserirem em outras áreas da vida trabalhista e pública brasileira", destacou.
Pesquisas sobre o uso do tempo já são desenvolvidas na Europa, nos Estados Unidos, no Canadá e em nove países da América Latina. Entre os pioneiros na região estão Cuba e México. No Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estuda a viabilidade de uma pesquisa específica ou a ampliação de módulos sobre o assunto nos questionários de suas pesquisas domiciliares.
O presidente do órgão, Eduardo Nunes, acredita que em aproximadamente cinco anos já será possível contabilizar em valores monetários o tempo gasto pelos brasileiros em atividades não remuneradas. Atualmente, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), realizada pelo IBGE, tem perguntas sobre carga de trabalho de homens e mulheres, inclusive de horas dedicadas aos afazeres domésticos.