Nesta reflexão, vou me valer de um texto, por mim adaptado, do livro Perfil do Homem Light, de Enrique Rojas, em que o autor faz uma análise muito profunda e bem concreta da situação da pessoa de hoje. Como estamos próximos das comemorações do Dia do Professor, 15 de outubro, consideramos esta meditação necessária para quem trabalha na árdua tarefa da educação. Serve também para compreender o que se passa na sociedade complexa da mídia. O ser humano de hoje vive e acredita mais em função do que lhe dizem os meios de comunicação social do que na dura verdade e na cruel realidade que estão diante de seus olhos no seu dia-a-dia.

No seu sentido original, o termo light refere-se a certos tipos de produtos alimentícios, como coca-cola sem cafeína, cerveja sem álcool, manteiga sem gordura, açúcar sem glicose. Aplicado ao ser humano, significa a pessoa sem substância, toda ligeira, quase vazia, oca por dentro, com muita fachada e pouca profundidade, suave, a seu gosto, descafeinada, leviana, etérea, débil, reduzida, amortizada.

Enrique Rojas pretende qualificar, com esse termo light, pessoas que não se aferram a nada, a não ser ao dinheiro, poder, êxito, triunfo, sexo, narcisismo e ao passar bem como objetivo máximo, absoluto e sem restrições. Trata-se de pessoas que são superficiais, que não trabalham com verdades absolutas, nem com certezas firmes. Preferem não se comprometer com nada nem com ninguém. São pessoas tipicamente individualistas que confundem sexo com amor, hipertrofia profissional com trabalho, cultura com o tempo que passam diante da televisão ou lendo jornais e revistas.

Vejamos as principais características desse tipo de ser humano: Ele é hedonista, isto é, centrado no prazer e disposto a desfrutar da vida fácil a qualquer preço. É consumista: o essencial para ele é o ter e não os ser, “vales pelo que tens” é o seu lema. Como consumista, o seu ideal consistente na perpétua substituição de uns objetos por outros cada vez melhores. Quer sempre estar na moda.

Outra característica da pessoa light é a permissividade. Para ela, já não há proibições, nem territórios vedados, nem limitações. Tudo é válido, tudo é permitido se traz satisfação. O relativismo é o novo código ético para esse novo modelo de homem: tudo depende. Qualquer análise que se faça é positiva e negativa, pode ser boa ou má, dependendo do seu ponto de vista. Desta intolerância interminável nasce a indiferença pura. A verdade do homem light é imposta por maiorias, por consenso, por estatísticas. Para esse tipo de pessoa não há princípios sólidos, há, sim, pontos de vista.

O pensamento do homem light é débil e inconsistente, suas convicções não têm firmeza. Ele quer saber tudo, não para mudar de atitudes ou melhorar pessoalmente, senão simplesmente para saber o que está se passando e nada mais (curiosidade).Sua ideologia é o pragmatismo: “Se o objeto me é útil, se me traz satisfação, é bom.” Sua norma social consiste no que se leva nesse momento (vantagem ou desvantagem). Sua ética é uma mistura de permissividade e relativismo. Sua moral é feita simplesmente à base de regras de urbanidade. Em síntese, é um ser humano sem referência, onde as fronteiras entre o bem e o mal, o positivo e o negativo foram apagadas.

A bem da verdade, estamos na era da indiferença e do utilitarismo. Se a vida estorva, arranca-se. Quanto à morte, simplesmente, apagamo-la psicologicamente dos temas a tratar. Banaliza-se a existência, rebaixando-a. Tudo isso leva a pessoa a sentir-se farta de estar vazia, oca, cheia de ar, oscilando entre a teatralidade dos meios de comunicação e uma apatia feita de tibieza, ceticismo e ambigüidade. O homem light não tem pontos de referência consistentes, falta-lhe vida interior, o sentido da vida, Deus.

Diante desse ser frágil, evanescente, que flutua à deriva, temos que opor o homem sólido, para o qual a vida tem sabor e é arriscada porque é capaz de comprometer-se. O progresso material que não se desenvolve com uma base moral sólida não pode, por si mesmo, preencher as aspirações humanas. O homem de hoje deve nortear-se com alguns códigos de conduta amplos, abertos, porém, com perfis nítidos, bem definidos, que o façam mais humano e digno, com uma cultura que se torne critério e conhecimento para ação. Queremos um ser humano mais livre, com menos ataduras, capaz de voar alto, libertar-se.

Enquanto o homem light quer a felicidade, automática e rapidamente, sem renunciar a nada, o homem consistente se compromete, pretende ser coerente, ainda que isto o obrigue à impopularidade. O homem consistente quer ser profundo, sábio e forte moralmente. Enquanto o ser humano light avança em tudo, menos no essencial, o ser humano consistente supera o cinismo e a moral pragmática e é capaz de espiritualidade: descobrindo o belo, o nobre e o grande que há na existência.

Estêvão Müller é educador marista, escritor, professor e dirigente da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.Home page:

http://www.orbit.pucpr.br/jornais
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