A descrição de Pentecostes, feita por Lucas, tem uma forte conotação de utopia. A cena coloca em Jerusalém habitantes de todo o mundo conhecido naquele tempo. Em contraste com Babel, onde o desentendimento tinha levado para a confusão e a dispersão, Pentecostes faz com que todos os povos se entendam, tornando a diversidade de línguas e de culturas um motivo de encanto e de reconhecimento da ação do Espírito de Deus, que a todos unia na mesma compreensão.

Assim começava a Igreja: projetando à sua frente o sonho de Jesus.

Um grande projeto começa sempre com uma utopia. Ela precisa anteceder a realidade, para fundar a esperança de realizá-la ao longo da história.

Hoje estamos necessitados de recuperar nossas utopias. No dia de Pentecostes, Jerusalém foi sacudida por um forte choque de otimismo. Ao contrário disto, neste começo de novo milênio, estamos sendo atingidos por sucessivas ondas de pessimismo, que vão abalando nossas utopias.

Jesus tinha sonhado com a unidade de todos os seus discípulos na mesma fé. “Que todos sejam um, como nós somos um”, tinha rezado a seu Pai. Ao contrário disto, hoje os próprios cristãos encarnam a imagem da divisão. As estatísticas contabilizam mais de mil denominações diferentes no Brasil.

Coincidindo com a semana de Pentecostes, nestes dias recordamos os quarenta anos de falecimento de João 23. Foi o papa que reacendeu as esperanças de paz no mundo e de entendimento entre os cristãos. Ele insistia na idéia de que era preciso um novo Pentecostes para a humanidade de nossos dias.

Que é feito do sonho de João 23?

Para realizá-lo, ele convocou o Concílio, que suscitou um grande entusiasmo de renovação da Igreja. Esta utopia foi acolhida com intensidade aqui, na América Latina, sobretudo com as conferências de Medellín e de Puebla. Mas lentamente foi se alastrando o pessimismo. Em lugar do diálogo e da abertura para a acolhida do diferente, vai predominando a afirmação da própria identidade em torno de pontos periféricos que acabam acirrando antigas divisões.

Foi João 23 que escreveu a “Pacem in Terris”, um forte e convincente chamado para a paz entre as nações. Foi assim que se superou a crise dos mísseis em Cuba, e se firmou o clima de distensão, que parecia ter exorcizado a guerra para sempre.

Mas, de repente, o início do novo milênio foi violentamente atingido pelo retorno da guerra como instrumento da política. Cabeças pequenas e mentes mesquinhas tiveram o desembaraço de usar armas sofisticadas para realizar outros sonhos, marcados pelo cinismo da mentira e pela ambição do lucro. Diante deste poderio bélico, o mundo se sente impotente e frustrado.

Também no Brasil, o pessimismo está derrotando a utopia. A violência, a droga, o desemprego, os juros, vão contrapondo uma carga pesada, que vai diluindo o sonho que o povo brasileiro encarnou na pessoa do Presidente. O desencanto ameaça a esperança.

Mais do que nunca, é urgente um novo Pentecostes. A situação está mal. Mas é preciso sustentar a esperança de um mundo diferente, que o Espírito de Deus torna possível.

D. Demétrio Valentini é bispo de Jales/SP. Rede de Cristãos.

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