Pena de morte: problema maior e não ?solução?

d6x.jpgRecentemente reacendeu-se a polêmica em torno da pena capital nos USA. Primeiro, em 13 de dezembro, após a execução de número 1000, desde o restabelecimento dessa punição em 1976. Condenado pelo homicídio de quatro pessoas num assalto quando fazia parte de uma gangue de rua, Stanley Tookie Williams escreveu, na prisão, vários livros desaconselhando o envolvimento dos jovens nesse tipo de agrupamentos e chegou a ser indicado cinco vezes para o Prêmio Nobel da Paz e quatro para o de Literatura. Morreu alegando inocência.

Semanas depois foi a vez de Clarence Ray Allen, 76 anos, paraplégico, cego e surdo, mandante de três assassinatos. Ironicamente, em setembro passado, sofrera uma parada cardíaca da qual foi ressuscitado para voltar ao corredor da morte e ser executado em 16 de janeiro. Arnold Schwarzenegger, governador da Califórnia negou clemência para ambos os casos.

Houve muitas manifestações de grupos religiosos e militantes contra a pena máxima. Também sou contra. Não somente porque a Doutrina Espírita, que me orienta a vida, apresenta uma posição muito clara a respeito, mas por todos os argumentos encontrados dentro e fora dela e que servem de embasamento a esta opinião. Digo isso pelas características de filosofia e ciência e não apenas religião do Espiritismo, com ênfase no uso do livre-arbítrio aliado à fé raciocinada, que não estou obrigado a dogmatizar sobre qualquer ponto por ele defendido. Instrumentalizado pelos seus ensinamentos, concordo com eles e tenho-os reforçado por informações provenientes das próprias constatações sociais.

Se perguntado se capaz de mantê-la, mesmo que a vítima fosse do meu estreito convívio, admitiria como possível, num primeiro momento de indignação e fraqueza, uma hesitação. Porém, tão logo o impacto emocional cedesse à razão, teria restabelecido o ponto de vista anterior, por fundamentado em conceitos claros e sólidos na minha intimidade.

A vida carnal nos é dada por Deus e só a ele cabe decidir quando e como ela deve terminar. Se alguém inflingir essa lei uma primeira vez, nem por isso temos que recorrer à repetição do erro para punir o culpado. A aplicação da pena máxima caracteriza o uso da mesma violência que antes condenamos. A pena de Talião indica que a sociedade, além de admitir sua incompetência para coibir a prática delituosa por alguns de seus membros, atua com requintes de cruel vingança, prática incompatível com os padrões de humanismo hoje vigentes no mundo civilizado. Os árbitros da justiça precisam descobrir e lançar mão de outros mecanismos de controle de conduta. Outras instituições deverão trabalhar preventivamente tanto pela educação não mera transmissão de conhecimentos, mas com primazia da moral e da ética como oferecendo condições mínimas de sobrevivência material digna.

Estatísticas demonstram que a vigência da pena de morte não diminui os índices de crimes violentos e esse é outro argumento que depõem contra a sua institucionalização. Em geral os autores de delitos graves agem completamente drogados ou sem qualquer preocupação com a própria vida. A delinqüência praticada habitualmente apresenta horizontes incertos e poucas perspectivas de sucesso constante, apesar da autoconfiança aparente. No fundo, sabem a vida vale muito pouco e pode acabar de um instante para outro, pelas mãos da polícia, dos comparsas ou das vítimas.

Outra razão a favor da vida e não da morte é que, do ponto de vista físico, esta pode ser até um benefício ao condenado. Vivo e recluso por longo período de tempo, disporia de oportunidades adequadas para refletir profundamente sobre os atos que decretaram sua punição. Poderia se reabilitar parcialmente, estudar, aprender e desempenhar um ofício, praticar uma arte, ser útil aos companheiros de infortúnio e ao Estado. Morto, nada disso poderá ocorrer.

O ilustre jurista e político Freitas Nobre, desencarnado há muitos anos, afirmava que não existe indivíduo irrecuperável, mas irrecuperado. O coração e a mente humanas possuem mistérios insondáveis. Bem no âmago de cada ser, a despeito de toda a aparência e efetivas demonstrações de barbárie, reside uma pequena semente de virtude: o carinho e o respeito pela mãezinha, por um filho, esposa ou benfeitor, um desejo sincero de mudar de vida, etc.

Ninguém está irremediavelmente perdido. Ninguém é essencial e exclusivamente mau. Todos são filhos de Deus e por mais imperfeição e atraso moral que carreguem no atual estágio da evolução espiritual, são destinados ao Bem e à felicidade. Possuem os séculos e milênios ao dispor para efetuar esta caminhada, que vai do primitivismo do instinto aviltado pela razão destrambelhada, até a iluminação total dos grandes seres, auxiliares diretos do Criador.

Daí chegarmos a razão final para nos opormos à pena de morte. Matar o corpo do criminoso não significa afastá-lo em definitivo de nosso convívio. Enquanto permanecer na dimensão espiritual, perturbada e infeliz, sua alma renteará nossos passos. É provável que deixe romper os diques da culpa e arrependimento pelos males praticados mesclados à revolta pela brutal interrupção de sua vida biológica. Resultará nos processos obsessivos contra os algozes e aqueles que colaboraram para o suplício.

Um dia, pelas portas da reencarnação, retornarão ao palco da vida e o farão com todas as feridas morais expostas. As que apresentara na existência anterior e que não tiveram tempo e oportunidade de serem tratadas, agravadas pelas circunstâncias de sua morte.

Admito a prisão perpétua. Respeitáveis juristas espíritas não aceitam porque o Espiritismo opõe-se à crença das penas eternas. A reencarnação é mecanismo universal regulador da justiça divina, provendo todas as criaturas de novas experiências carnais de aprendizado e aperfeiçoamento e, graças a ela, ninguém recebe condenação perene. Mas isto se refere à trajetória do espírito. Quanto à vida material, a própria transitoriedade inexorável demonstra que está sujeita às leis da natureza. Além do mais, da mesma forma que condenações de duração determinada podem ser abreviadas, quer pelo livramento condicional, quer pela revisão da pena, também a prisão perpétua poderia vir a contar com estes atenuantes, cumprido inicialmente um tempo mínimo e devidamente consideradas as possibilidades reais de reinserção social do condenado. E nem cogitamos dos erros jurídicos que apenaram tantos inocentes, à morte ou não.

(colaboração da ADE-PR Assoc. de Divulgadores do Espiritismo do Paraná. E-mail: adepr@adepr.com.br) 

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