?Sem estudo a gente fica perdido. Faz falta para entrar em uma empresa boa, para ganhar um pouco mais?. A declaração é do paranaense Reginaldo Silveira dos Santos, de 27 anos, que trabalha como carrinheiro em Curitiba e não sabe ler nem escrever, mas a realidade é de cerca de 2 milhões de jovens brasileiros com idade entre 15 e 29 anos que não tiveram a oportunidade de freqüentar os bancos escolares, segundo a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios).
Situação semelhante a de outros 14 milhões de pessoas no País (cerca de 13% da população) que também não tiveram a sorte, ainda, de se alfabetizar. No Paraná, a taxa de analfabetismo geral gira em torno de 9,5% da população, a maior da região Sul, conforme o Censo 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ou seja, 649 mil paranaenses não sabem ler nem escrever.
Para Santos, saber ler e escrever significa mudança de vida, porém algo que parece estar muito longe de sua realidade, já que o trabalho acaba se tornando prioridade para quem ganha cerca de R$ 40 em uma semana. ?Ou eu trabalho ou estudo?, disse. Antônio Marcos, outro carrinheiro analfabeto que diz que não sabe sua idade, também não sabe nem escrever seu nome. ?Eu acho que ia ajudar bastante se eu estudasse.?
Embora a taxa de analfabetismo na região Sul seja a menor do País (as maiores estão no Nordeste), os números ainda preocupam, pois muita gente continua fora da escola. ?Se considerarmos o desenvolvimento do Estado, em números absolutos, a quantidade de analfabetos aqui ainda é muito grande?, analisa a mestre em Educação e professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Carmen Sigwalt. Ela explica que um dos grandes problemas no Estado é a concentração de pessoas analfabetas em determinados locais, principalmente na zona rural, o que dificulta o acesso às escolas. Paralelo a isso, Carmen diz que muitas vezes se cria o acesso ao banco escolar, porém não se mostra que o que é realmente importante é o letramento, e não apenas a alfabetização. ?Se você não letrar, o indivíduo poderá estar do lado da escola que ele não vai procurar?, analisa.
O diretor do Departamento de Educação de Jovens e Adultos do Ministério de Educação e Cultura (MEC), Timothy Ireland, lembra que grande parte dos analfabetos paranaenses está no campo e que muitas vezes eles começam o processo de alfabetização e não terminam, ou ainda não utilizam o conhecimento na sociedade. O especialista em Educação da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), Célio da Cunha, espera que o PDE (Plano de Desenvolvimento da Educação) – lançado na semana passada – acelere a queda do analfabetismo no País. ?Hoje temos 1,9 milhão de alunos matriculados no ensino de jovens e adultos, mas o universo de analfabetos é de 14 milhões?, critica.
Questão teve avanços e retrocessos
Quando o assunto é analfabetismo, os especialistas dizem que não há como não associar os grandes índices de pessoas que não sabem ler e escrever no País com o processo histórico do Brasil. Enquanto alguns estudiosos afirmam que, apesar da situação atual, houve um grande avanço desde a década de 20, outros dizem que o País pecou em diversos aspectos, desde o século 19.
O especialista em Educação da Unesco no Brasil, Célio Cunha, diz que o Brasil ?sempre se omitiu na educação de jovens e adultos. Enquanto outros países da América Latina estruturavam seu sistema de educação pública, somente recentemente, a partir dos anos 90, o Brasil começou a olhar para isso com mais atenção?, analisa. Para ele, quando se fala em analfabetismo, o atraso é ainda maior. ?Na minha opinião, só a partir do governo Lula é que conseguiu-se ampliar o número de matriculados no ensino de jovens e adultos, embora não tenhamos registrado ainda declínio nos índices de analfabetismo?, afirma. Segundo Cunha, isso se deve à falta de continuidade e à desistência de muita gente que inicia a alfabetização, mas não conclui ou não utiliza efetivamente o que aprendeu.
Já a mestre em Educação e professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Carmen Sigwalt, explica que, em 1920, quase 65% da população com idade entre 15 e 19 anos era analfabeta. ?A porcentagem diminuiu, mas em números absolutos a quantidade vem aumentando. Isso se deve ao aumento da população. Outro avanço foi na profissionalização dos professores. Antigamente, quem trabalhava com jovens e adultos era leigo, tinha formação precária. Hoje há qualificação do profissional?, analisa.
Estado almeja superar o problema até 2010
O Paraná possui, desde 2004, o Programa Paraná Alfabetizado, que tem como objetivo alfabetizar pessoas de todas as idades. Quando começou, o programa matriculou 24 mil estudantes. No ano passado, o número saltou para 60 mil.
De acordo com o coordenador do programa, Wagner Roberto do Amaral, a meta é superar o analfabetismo no Estado até 2010, tarefa que não é nada fácil. ?Temos três desafios. O primeiro é convencer as pessoas a entrar no programa. O segundo é estimular e mantê-los na escola. O terceiro é garantir a continuidade no ensino regular?, diz. Na opinião de Amaral, o problema ainda é preocupante no País porque grande parte dos analfabetos (com mais de 50 anos de idade) não tinha oportunidade de freqüentar a escola antigamente, seja por dificuldade de acesso, seja por conta do trabalho. ?Com relação aos jovens analfabetos, o problema é que muitos deles não se adaptam na educação regular e acabam esperando o ensino de jovens e adultos, o que provoca o atraso maior?, comenta.
A taxa de evasão do programa no Paraná é de 22%, segundo Amaral (a média nacional é de 35%). De acordo com o Ministério da Educação e Cultura (MEC), mais de mil municípios do País não possuem EJA (Ensino de Jovens e Adultos). Outro dado alarmante é que mais de mil municípios possuem índices de analfabetismo acima de 35% da população, a maior parte deles no Nordeste. Paranaenses que quiserem trabalhar no programa ou se alfabetizar podem ligar para o número 0800-416200.
Um dos grandes entraves é a falta de continuidade
A falta de continuidade é apontada pelos especialistas como uma das principais falhas que leva aos grandes índices de analfabetos no País.
A mestre em Educação e professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Carmen Sigwalt, analisa que não basta alfabetizar uma pessoa, é necessário que ela seja letrada, que ela perceba que pode utilizar a alfabetização para o convívio em sociedade e para seu desenvolvimento. ?É preciso que haja continuidade, que se crie indivíduos que saibam se expressar na língua portuguesa, que façam uso efetivo da língua, que façam uso social do ler e do escrever?, explica.
Na opinião do diretor do Departamento de Educação de Jovens e Adultos do Ministério da Educação e Cultura (MEC), Timothy Ireland, esta é a maior falha quando o assunto é analfabetismo. ?O conceito de uma pessoa alfabetizada não é saber ler e escrever o nome. É preciso saber utilizar isso na igreja, na família, enfim, em toda sua vida social?, afirma. O especialista em Educação da Unesco no Brasil, Célio da Cunha, diz que há um perigo muito grande no retrocesso da alfabetização caso não haja cuidado com a continuidade. Cunha critica o governo brasileiro que, segundo ele, sempre se preocupou muito com educação primária, mas acabou deixando de lado os analfabetos. ?Durante muito tempo as políticas de alfabetização de jovens e adultos foram colocadas à margem, os governos avaliavam que não valeria a pena investir em analfabetos com mais de 40, 50 anos, que são a maioria hoje?, analisa.
