A cena tem sido muito freqüente para mim nos últimos dias: profissionais e curiosos ávidos em uma fila na porta de um auditório para ouvir a última palavra do assunto.
Graduandos, graduados e pós-graduados se acotovelando na tentativa de pegar os lugares mais vips diante daqueles internacionais consagrados pela mídia como medalhões no assunto, experts na área.
Diante de uma verdadeira batalha que se trava em frente a esses auditórios é de se esperar que os indivíduos que conseguirem adentrar, e ainda, conseguirem se apossar dos melhores lugares, estarão degustando cada uma das palavras ditas pelo referido palestrante. Tamanha é a surpresa quando percebemos que, após não mais que 15 minutos de fala do referido sujeito, os primeiros cochilos da platéia já são percebidos. Pelo fundo já é emblemático, os primeiros desinteressados já estão indo embora. A língua estrangeira do palestrante já afugenta boa parte daqueles que, inocentemente, acreditavam que ouviriam o francês falando em português e o indiano se explicando na língua de Camões.
Tempos depois, a cena já é a seguinte: uns tentando entender o que acontece, ou se entender com o fone de ouvido; outros já desistindo e começando a procurar na programação qual é o próximo auditório a atacar, e alguns ainda procuram, em uma tentativa vã, se entreter um pouco mais, porém não conseguem e desistem. Resultado, no meio da palestra do grande nome já é possível observar o auditório quase vazio.
Nas ruelas que dividem um stand do outro não há espaço para as pessoas circularem, tamanho é o público. Lojas que vendem de salgadinhos a objetos místicos para decoração nunca faltam. Algumas livrarias, sempre muito lotadas, expõem nas primeiras gôndolas os livros do sujeito que lá dentro fala. A moça do caixa não vence fazer pacotes de livros que são pagos ora em cartões de crédito, ora em cheques, ora em espécie.
Naquele burburinho todo passa o repositor com mais uma caixa de livros em direção à prateleira para fazer, mais uma vez, a reposição do volume do expert que já se esgota na vitrine da frente. Faltam 20 minutos para o encerramento da palestra lá dentro. O povo vagarosamente já congestiona a frente do auditório que abandonara há pouco. Voltam munidos do livro do autor e das infinitas sacolas distribuídas, aos montes, pelos corredores e ruelas.
Termina a palestra, sai o palestrante e mais uma vez começa o tumulto. Todos querem um autógrafo no livro e nada mais. Agora já é hora de ir ao próximo. Um café na esquina de uma barraquinha qualquer e lá se vão os "caçadores de conhecimento" para mais uma ação naquela tarde. Três ou quatro dias depois o congressista retorna para sua cidade com um discurso afiado: o congresso estava maravilhoso! Quanta coisa! Adorei isso! Adorei aquilo! E, pra não perder a oportunidade, quase sempre se emenda uma última ponderaçã: o no ano que vem quero ir de novo lá.
Dada a constância, tenho me perguntado por que é que toda cidade dita próspera hoje possui um centro de convenções? No passado, as cidades prósperas precisavam ostentar um viaduto, símbolo de crescimento. As pessoas ficavam esperando que o próximo prefeito construísse um deles para finalmente dizerem aos amigos: depois que passar o viaduto vire à esquerda.
Se a dinâmica mudou, não tem problema, mas o simbólico dela a mim é muito instigante. Os viadutos nos levam de um lugar para outro. Para se deslocar, por meio deles, é imprescindível que estejamos em um lugar e desejemos estar em outro. Dessa forma, o viaduto seria uma espécie de meio de locomoção entre o individuo e o alcance de seus objetivos. Talvez o que esses viadutos poderiam representar nas cidades transparentes era um desejo de se ter algo próprio, com a cara daquela população. No entanto, tempos idos e cá estamos com viadutos por todas as partes. Aonde chegamos? Seria a este lugar que as sociedades queriam ser conduzidas, pelos viadutos?
Talvez, mas se este é o lugar, por que estamos tão ávidos, tão impróprios, tão fúteis, tão superficiais e tão perdidos lá dentro? Certamente a resposta está na figura do navegador e do náufrago.
O que temos visto nos referidos encontros apresenta, de certa forma, o retrato de uma sociedade em busca do ter no lugar do saber. Não é mais possível distinguir um intelectual de um impostor. A mídia nos confunde. Um sujeito que cobra até 45 mil reais por uma palestra de uma hora é, por esses critérios, mais competente, que um outro estudioso depois de 30 anos de pesquisa. Força de markenting? Não somente. Força de uma sociedade que perdeu parâmetros de valores em relação ao conhecimento e a si mesma.
Canudos e mais canudos vão se acumulando em nossas gavetas. Linhas e mais linhas se concretizam em nossos Lattes, mas os resultados de tudo isso tem nos sido tristemente apresentados. Se o momento não é fértil para se pensar sobre a questão é, no mínimo, pertinente para a desconfiança de que algo pode estar saindo errado na maneira como estamos conduzindo as escolas, sejam elas quais forem. E o problema certamente passará a ser: se depois do viaduto temos que virar à esquerda, para onde é que essa rua vai no levar?
