Brasília – Documentos reservados do governo espanhol sobre a detenção e a repatriação de 26 brasileiros no aeroporto de Barajas, em Madri, nos dias 5 e 6, mostram que muitos viajam de fato atrás de uma oportunidade de trabalho, ainda que ilegal. E alguns sabiam do risco de uma expulsão, pois já haviam passado por esse constrangimento, na Espanha ou em outro país da União Européia. Há até um caso de passaporte falsificado.
Os papéis da Polícia Federal espanhola revelam também a subjetividade dos agentes da migração e o poder discricionário para barrar os passageiros. Os registros dos casos de Pedro Luiz Lima e Patrícia Duarte Rangel, mestrandos do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio (Iuperj) que iam para Lisboa fazer palestra num seminário de ciência política, indicam, aparentemente, que os estudantes foram vítimas da má vontade ou mesmo da vingança de algum agente.
Pelos registros a que a reportagem teve acesso, dos 26 detidos, 23 teriam algum problema que impediria realmente a entrada ou apresentavam algum indício suspeito (falta de dinheiro, por exemplo). Dos 23, oito indicaram um amigo com quem iriam ficar, mas alguém problemático, com ficha na polícia ou sem registro de emigrante legal. Um desses amigos citados, Javier Segarra Bas, que hospedaria duas brasileiras e uma criança, tem, segundo a polícia, "cinco detenções por delitos contra a Justiça, contra os direitos dos trabalhadores, exploração de prostituição e contra a liberdade sexual." Ainda na lista, há dois deportados com problemas claros no passaporte, um falsificado e outro com a suspeita de que a passageira não é do Brasil, mas da Bolívia.
Outros oito brasileiros "inadmitidos" nos dias 5 e 6 já haviam enfrentado problemas anteriores na Espanha, por permaneceram irregularmente no país. Mesmo assim, tentaram voltar. Um dos casos é o do dentista Fábio Delwing, de 27 anos, que confirmou a informação de que foi expulso da Alemanha em fevereiro. "Eu estava em situação irregular em Portugal. Mas eu trabalho lá há dois anos e meio, pago impostos e tinha ido passear em Amsterdã. Quando cheguei à Alemanha, me deportaram", contou Delwing.
"Quando fui deportado, resolvi ficar um mês no Brasil, mas jamais imaginei que estava proibido de voltar à Europa. Assinei dezenas de papéis na Alemanha, mas não tenho idéia do que diziam", diz Delwing, que contratou um advogado em Lisboa para resolver a situação.
Já a comerciante Elizete, que pediu para não ter o sobrenome divulgado, moradora de Manaus, ficou surpresa com as informações registradas. "Bando de mentirosos", reagiu. O documento da PF espanhola diz que Elizete levava 600 euros, que não trabalha e não apresentou carta de convite do amigo que a hospedaria em Portugal. "Eu não tinha euros. Levei R$ 3 mil para trocar em Portugal. Eles nem me pediram para ver quanto eu tinha de dinheiro. Mostrei o meu cartão de crédito e o limite de R$ 5.400."