Papa condema mercantilização do mundo e sai em defesa ‘dos que não produzem’

Sem homilia na missa rezada de manhã e em discursos ao longo do dia, o papa Francisco condenou a cultura do descarte, o consumismo e a mercantilização do mundo e saiu em defesa “dos que não produzem” e, por isso, ficam à margem da sociedade. O papa lançou um alerta para a ameaça ao solo, à água e aos seres humanos e para as “guerras sem sentido e a violência fratricida”.

“Frente a tantas situações de fome no mundo, o desespero acaba ganhando nosso coração. E um coração desesperado é fácil chegar à lógica que pretende se impor no mundo, que transforma tudo em objeto de troca, de consumo, de negócio”, afirmou o pontífice.

De acordo com Francisco, há “uma lógica que pretende deixar espaço para muito poucos, descartando os que não produzem”.

“Jesus nos disse: `não é necessário excluí-los, mas dar a eles de comer’. Basta de descartes”, pregou, no sermão.

Em discurso para religiosos e seminaristas, à tarde, o papa pediu que não caiam na “espiritualidade zapping, que passa, passa e não para em nada” e alertou para os riscos “do coração blindado, fechado, que perde a capacidade do assombro e assim fecha as portas à capacidade de mudar”.

“Passem da indiferença do zapping ao ânimo do evangelho. Levanta, o Mestre te chama”, conclamou o pontífice.

No início da noite, o papa participou do encerramento do 2º Encontro Mundial de Movimentos Populares. Juntou-se a operários e camponeses na denúncia das condições de vida dos sem terra, sem teto e sem trabalho digno. “Quando o capital se converte em ídolo, arruína a sociedade, destrói a fraternidade, povos enfrentam povos. Necessitamos de mudanças, temos problemas comuns de todos os latino americanos e de toda a humanidade”, disse, citando camponeses, trabalhadores informais, artesãos e outros “discriminados que não veem solução para seus problemas”.

“O futuro da humanidade está em suas mãos, na sua capacidade de se organizarem e produzirem alternativas, voltados ao trabalho, teto e terra”, acrescentou.

Na missa, ao refletir sobre o milagre da multiplicação de pães e peixes, Francisco citou que Jesus convidou os discípulos a alimentar os famintos. “Jesus transforma a lógica do descarte em lógica de comunhão”, comparou ele, que rejeitou os bens materiais como medida de prosperidade. “A riqueza mais plena de uma sociedade se mede na vida de sua gente, dos idosos, que transmitem sua sabedoria e a memória de seu povo aos mais jovens.”

Francisco insistiu na importância de transformar a mensagem em gestos. “Só na entrega e no dividir se encontra a alegria.” O papa começou o sermão dirigindo-se às mulheres. “Me comovo quando vejo as muitas mães carregando seus filhos nos ombros, como fazem aqui muitas de vocês. Levando o trabalho realizado por suas mãos, seus motivos de alegria, suas esperanças. Mas levando também sobre os ombros desilusões, tristezas, amarguras, a injustiça que parece não cessar e as cicatrizes de uma justiça não realizada.”

Os movimentos populares leram para o papa os compromissos firmados em três dias do encontro de1.500 pessoas de 40 países. Prometeram lutar ainda mais por trabalho digno, contra a terceirização e a discriminação de imigrantes. Trabalhadores e camponeses pediram o fim das perseguições por orientação sexual, do machismo e da violência contra mulheres.

Antes da fala do papa, o presidente Evo Morales atacou o imperialismo americano, o colonialismo, o capitalismo e o Fundo Monetário Internacional (FMI). “Aqui não decidem os gringos, decidem os índios.”

No caminho para o encontro com religiosos, pouco antes das 16h, o papa deu novas provas do carisma que impressiona fiéis por onde passa. No trajeto entre a residencial oficial do arcebispo emérito de Santa Cruz de la Sierra e o colégio Don Bosco, ele mandou parar o papamóvel, desceu e cumprimentou pessoas que o esperavam havia horas.

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