O que você lê em primeiro lugar quando compra um jornal? A pergunta pode fazer parte de uma pesquisa. Ou de uma curiosidade. Ou ser ponto de partida para uma crônica. Como esta. O que é escolhido de imediato tem a ver com interesse e satisfação. Tem quem começa pela página de notícias policiais. Tem quem se lança ao caderno de esportes. Tem quem quer antecipar o dia, e se delicia com a leitura do horóscopo. Conheci homens e mulheres doentes de horoscopite: sofrendo de ansiedade antes de ler e de preocupação após a leitura. Também dedico parte do tempo a olhar previsões, mas prefiro escolher a que me é mais risonha e simpática. Leio primeiramente todos os signos, para em seguida escolher aquele ao qual dedicar o meu dia. Dá certo.
Sem pretender desdenhar dos astros, e muito menos zombar de intérpretes dedicados e sérios das conjunções das galáxias com os humanos, proponho uma analogia diferente. Recorro aos poetas para descrever, mais do que prever, os signos zodiacais. Mesmo sabendo que a ?tensão astral contrapõe meios e fins?, aceito o risco de associar as metáforas estelares às metáforas de poetas humanos.
Em tempo: há no processo analógico de relacionar conjuntos de estrelas à visualidade de imagens de seres e objetos, reais e imaginários – como são os doze signos zodiacais – uma percepção poética da vida. Foram poetas, na origem, os astrólogos que batizaram as constelações que passaram a identificar em nomes, datas, acontecimentos e características a possível história da vida humana.
A meus raros e inestimáveis leitores solicito olhos e mentes abertas para a fala dos poetas, em versos que parecem dirigidos às páginas dos horóscopos.
Aquário (21 jan. a 19 fev.): ?Água invisível entre dois vidros;/ seta sempre indecisa entre / o arco que a dispara e o alvo que a detém…?. (Pedro Paulo de Sena Madureira)
Peixes (20 fev. a 20 mar.): ?Há mulheres que dizem:/ Meu marido, se quiser pescar, pesque,/ mas que limpe os peixes./ Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,/ ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar./ É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha./ Coisas prateadas espocam:/ somos noivo e noiva?. (Adélia Prado)
Áries (21 mar. a 20 abr.): ?Meu caro, meu bom La Fontaine, obrigado/ obrigado por tuas fábulas, malgrado/ todas as sabatinas que sofri./ Ah! Mundos deliciosos, feiticeiros,/ de homens ingênuos, de rãs, ainda modestas,/de raposas quase honestas,/ de lobos que matavam só para comer!/ Meu doce La Fontaine,/ dize, quero saber/ onde estão os teus cordeiros./ Ensina-me onde estão os teus cordeiros…?. (Ribeiro Couto)
Touro (21 abr. a 20 maio): ?Ele toureava cada tarde/ num cara-coroa, um jogar-se./ Não podia tourear um touro / se não o fizesse corpo a corpo./ Toureando chamava a cornada/ que cada touro traz guardada,/ que não tem hora e é sem receita,/ como todo touro é surpresa?. (João Cabral de Melo Neto)
Gêmeos (21 maio a 20 jun.): ?Torres. Terror. Cada uma parece/ um 1. As duas juntas marcam/ o dia do espetáculo e soma /dos alvos prateados em fundo/ azul matinal 1 minuto antes./ No ano 1 do novo milênio nem/ foi preciso ouvir a exclamação/ dos ratos: ?Que século!? ou / sua ação roedora…? (Armando Freitas Filho)
Câncer (21 jun. a 21 jul.): ?Nesta tarde de junho/ quase julho/ feita de bruma/ só levanto/ se ela chamar por mim,/ voz rouca/ seios de marfim?. (Neyde Archanjo)
Leão (22 jul. a 22 ago.): ?Sobre verdes pastagens, ao pé das águas claras,/ Unicórnio sonhava/ um Leão o guardava/ sobre verdes pastagens, ao pé das águas claras. / Unicórnio sonhava que cantava/ ao Leão que o guardava/ alguma litania?. (Mário Faustino)
Virgem (23 ago. a 22 set.): ?Só mesmo essa dona / que apesar de ter/ a cara raivosa / do filho entre os seios,/ marcando-lhe carne, / sentindo-lhe os cheiros,/ permanece virgem,/ e o filho também…/ Oh virgens, perdei-vos,/ pra terdes direito/ a essa virgindade/ que só as mães têm!? (Mário de Andrade)
Libra (23 set. a 22 out.): ?Ocupo muito de mim com o meu desconhecer. / Despesas para minha erudição tiro nos almanaques: / – Ser ou não ser, eis a questão. /Ou na porta dos cemitérios: / – Lembra que és pó e que ao pó tu voltarás./ Ou no verso das folhinhas: / – Conhece-te a ti mesmo. / Ou na boca do povinho: / – Coisa que não acaba no mundo é gente besta/ e pau seco.? (Manoel de Barros)
Escorpião (23 out. a 21 nov.): ?Sou a barata velha que se arrasta pelo chão /na penumbra de uma casa /abandonada. Sou a aranha gélida aflita /gema negra imóvel na teia trêmula / devastada pelo inverno. / Sou o caranguejo desde sempre igual a si mesmo / tímido e horrível/ envergonhado de sua fome e esquiva crueldade. / Sou o escorpião entre pedras frias / único assassino do escorpião?. (Pedro Paulo de Sena Madureira)
Sagitário (22 nov. a 21 dez.): ?Os cavalinhos correndo, / E nós, cavalões, comendo…/ O Brasil politicando,/ Nossa! A poesia morrendo…/ O sol tão claro lá fora, / o sol tão claro, Esmeralda, / E em minh?alma – anoitecendo?. (Manuel Bandeira)
Capricórnio (22 dez. a 20 jan.): ?Eu espero, espero obstinadamente, a promessa de todos os fins, a cabra que sacrificamos de manhã, as velas que se extinguiram, diante de minhas lágrimas, prostrado a implorar do alto destas rochas, aos primeiros monges, aos anjos, misericórdia e redenção?. (Marco Lucchesi)
Que o lirismo dos astros contamine o seu dia!