João de Noronha / GPP |
Dos 1.400 alunos, 600 pegam |
J.H.G.S., 17 anos, começou a vida sexual aos 12 anos de idade. Como a maioria dos jovens, não se protegeu durante as primeiras relações. Teve sorte de não se tornar pai tão cedo e nem de pegar uma doença sexualmente transmissível (DST), como a aids. No entanto, o mesmo não ocorreu com outros colegas. Há dois anos, o colégio onde estuda chegou a apresentar até 20 meninas grávidas em um único semestre. Mas hoje a realidade mudou e este número baixou para uma. A escola faz um trabalho de orientação e distribui camisinhas para os alunos.
O projeto do Ministério da Saúde (MS) – desenvolvido em parceria com a Secretaria Estadual de Educação (Seed) – que distribui camisinhas para adolescentes maiores de 13 anos nas escolas gerou muita polêmica quando foi implantado. Até a professora que coordenou a atividade no Colégio Estadual Arlindo Carvalho de Amorim, na CIC, era contra. Para ela, a distribuição do preservativo poderia incentivar a atividade sexual precocemente. "Mas depois que eu vi os dados do Ministério da Saúde sobre a gravidez e as doenças, percebi que precisava proteger minhas crianças", fala a professora de matemática Cornélia Galdino da Costa.
Antes de iniciar o projeto, em 2003, o colégio fez um amplo debate com a comunidade. Cornélia concorda que a simples distribuição da camisinha iria mesmo contribuir para criar números mais alarmantes. Mas não é isso o que acontece. Toda vez que um aluno pede uma camisinha, recebe uma aula sobre as doenças e a possibilidade de uma gravidez indesejada. Dados do Ministério da Saúde (MS) revelam que os jovens estão começando a vida sexual por volta dos 15 anos de idade. Segundo a professora, dos 1.400 alunos, 600 pegam o preservativo. Cada um tem direito a oito por semana. O nome deles não fica anotado, apenas a série em que estudam. No entanto, a professora ressalva que os jovens não usam todos os preservativos. Também foi liberado para os pais porque muitos não têm tempo para buscar em um posto de saúde.
Na avaliação de Cornélia, o projeto está dando certo. A única menina que está grávida estudava na 5.ª série e, como ainda não tinha 13 anos, não teve acesso aos preservativos. "Se tivesse talvez não teria ficado grávida", comenta a professora. Como a maioria das meninas grávidas, a adolescente abandonou a escola. "Elas têm vergonha ou precisam ficar em casa cuidando da criança. São todas de famílias pobres. Como não têm idade para trabalhar, são as avós que saem à procura de sustento", relata Cornélia.
J.H.G.S., junto com outros 39 colegas são multiplicadores do projeto. Eles foram capacitados para disseminar as informações entre os colegas. "Sempre tem gente perguntando sobre a gravidez, doenças e o uso da camisinha", comenta o garoto. Ele diz que hoje tem consciência do perigo que correu quando iniciou a vida sexual. Além do risco de doenças, uma gravidez atrapalharia os seus estudos. Teria que dar um jeito de trabalhar para sustentar a criança. "Quero me formar e o único jeito de conseguir isso é estudando", reconhece.
Segundo a Seed, o projeto é desenvolvido em 24 colégios estaduais em Curitiba. Em novembro, a secretaria vai realizar um curso para 500 professores sobre o tema, aumentando o número de docentes capacitados a trabalhar com o assunto. "O acesso à informação hoje é grande. Mas falta alguém que faça o elo. Os jovens querem trabalhar a sexualidade, discutindo valores e respeito", aponta a coordenadora do programa da Seed, Beatriz Ferreira.
Despertar para sexualidade ocorre cada vez mais cedo
Para a psicóloga Margarete Tonelli, o despertar para a sexualidade está acontecendo cada vez mais cedo. Segundo ela, a mídia tem uma grande participação nisso, devido à presença de apelos sexuais em boa parte da programação. O corpo também parece que está acompanhando a tendência. "Não é raro ouvir sobre meninas que menstruaram aos 10 anos", exemplifica. No entanto, o mesmo não acontece com a cabeça do adolescente. Falta maturidade para lidar com a nova situação.
Para Margarete, a mídia, entre outras fatores, vem influenciando o comportamento dos adolescentes que costumavam despertar para essas questões um pouco mais tarde. Antes, os jovens amadureciam e o contato físico vinha depois, hoje está ocorrendo o inverso. "Eles ainda não têm uma relação estabelecida com o próprio corpo e já têm relações sexuais", comenta.
A falta de maturidade torna os jovens vulneráveis à doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), como a aids e também a gravidez indesejada. Os pais têm medo que a situação aconteça com os filhos e, nesta hora, costumam meter os pés pelas mãos, invadindo o espaço dos jovens.
A psicóloga reconhece que não é uma tarefa fácil. Mas dá algumas dicas. Um ponto fundamental é os pais estarem firmes com seus valores, tendo bem claro os limites. Quando perceberem que o adolescente chegou a esta fase devem se informar sobre os programas que costumam fazer e quem são as pessoas com quem os filhos costumam sair. Mas só isso não basta. "É necessário também entender que hoje os tempos são outros e que as mudanças não podem ser negadas. É necessário encontrar um ponto de equilíbrio através do diálogo com os filhos."
Ana Paula Pereira da Silva, 15 anos, conta que os colegas têm dificuldade para conversar com os pais. Alguns não sentem abertura e outros dizem que a conversa só flui se eles mesmo tomam a iniciativa. O pai de Ezaine Andrade da Silva, 14 anos, é uma exceção. "Quando eu saio, ele sempre diz para tomar cuidado. Que ainda sou muito jovem para iniciar a vida sexual. Eu acho que ele está certo", fala.
Margarete ressalta que nessa fase o apoio dos pais é fundamental. Aqueles que encontram um canal aberto para conversas passam com mais facilidade pela transição. No entanto precisam ficar atentos. O diálogo começa a ser estabelecido ainda na infância; se a criança não foi acostumada a compartilhar seus problemas e a tirar suas dúvidas, dificilmente a situação será diferente na adolescência. (EW)
Cai número de adolescentes grávidas em Curitiba
O número de adolescentes grávidas em Curitiba vem caindo. Antes de 2002 a média era de 21%; hoje o índice caiu para 17%. No entanto, em algumas regiões, como a Vila das Torres, Vila Verde, Parolin e Cajuru, o percentual chega a 32%. Uma das ações desenvolvidas pela Prefeitura para diminuir esse índice é o programa Adolescente Saudável, que capacitou os funcionários dos postos de saúde para orientar os jovens sobre o início da vida sexual e outros assuntos relacionados a esta fase da vida.
A coordenadora do programa, Júlia Cordellini, afirma que antes de 2002 era muito pequeno o número de jovens que procuravam as unidades de saúde. Eles eram apenas 3% da população atendida. Só iam até a unidade quando apresentavam alguma doença. No entanto, agora esse panorama começou a mudar e os adolescentes já representam 10% da clientela – a maioria quer informações sobre sexualidade. Para facilitar o atendimento foi criado um protocolo que é seguido pelos funcionários de todas as unidades, uniformizando o trabalho, que tem como meta a promoção da saúde física e mental.
Devido à falta de orientação por parte da família, os postos adquiriram um papel fundamental na vida dos jovens. O apelo da mídia para o sexo e para o consumo de bebidas são dois fatores que atingem em cheio os adolescentes. Muitos se sentem perdidos e não têm ninguém que indique uma direção. A maioria dos pais nem sabe que os filhos já iniciaram a vida sexual. "É ainda na infância que os valores são construídos. O afeto, o autocuidado, respeito ao seu corpo e ao dos outros. Na adolescência é preciso reforçar isso", indica Júlia.
Nos postos, os profissionais adotam duas posturas. Uma delas é valorizar a abstinência, para que o jovem espere o momento certo de iniciar a vida sexual. Além disso, reforça-se também que esta é a única forma 100% segura para evitar doenças e a gravidez. No entanto, se o jovem se sente maduro para iniciar a atividade sexual, é orientado sobre os riscos e métodos para se prevenir. "Mas percebemos que quanto mais informação o jovem tem, mais tarde começa a vida sexual", afirma a coordenadora. Ela diz ainda que o programa procura não julgar o comportamento dos jovens. "Mesmo porque muitas pessoas de 25 anos demostram ser até mais imaturas que algumas de 15."
Os jovens também procuram as unidades atrás de camisinhas. Mas se os funcionários constatarem que o adolescente é muito imaturo, o preservativo só é entregue depois que ele levar um adulto da sua confiança até a unidade. "É para estabelecer uma parceria para orientar o jovem", explica Júlia.
Mas mesmo com todo esse cuidado, o número de adolescentes grávidas ainda é alto em alguns pontos da cidade. Porém Júlia ressalta que só o posto de saúde não consegue mudar esse quadro. "Em alguns locais, a gravidez precoce faz parte da cultura da família", diz. Segundo dados do Ministério da Saúde, dos 3.038.251 nascidos vivos em 2003, 22,2% eram de mães com idade entre 10 e 19 anos. A aids também preocupa: há 158 portadores da doença entre 10 e 19 anos em Curitiba. (EW)