Disse Pascal que ?se Cleópatra tivesse o nariz mais curto, toda a face da terra teria mudado?. Dois séculos depois, Lautréamont parafraseou sutilmente o mestre de Les pensées. Escreveu ele: ?Se a moral de Cleópatra tivesse sido um pouco menos curta, o mundo seria outro?. E tanto o filósofo e matemático como o poeta talvez estivessem certos. Talvez.
Quanto a Xantipa, esposa de Sócrates, ninguém sabe quais as verdadeiras dimensões do seu apêndice nasal. A história não registra o fato. A cara-metade do filósofo é uma figura apagada que a tradição, talvez injustamente, transformou numa espécie de megera. Não aquela megera domada de Shakespeare, mas outra, indomável por natureza, ou em função das circunstâncias existenciais, sobretudo socráticas…
Uma coisa é certa: Xantipa tinha todos os motivos do mundo para ser uma dona irascível, irritadiça, ranzinza. Um autêntico bofe, como escreveu Voltaire numa página inédita, que ele jogou no lixo.
Diga-se, porém, em abono da verdade: a coitada da Xantipa tinha razões de sobra para ser o que era. Afinal, o ilustre marido não parava em casa. Vivia o tempo todo nas ruas e nas ?ágoras? (praças) de Atenas, em companhia de um séquito de amigos e discípulos, com os quais quase todas as noites participava de jantares, em conversas intermináveis, discutindo, dialogando. Sobretudo, fazendo perguntas, perguntas, perguntas. ?Ad infinitum?. E ?ad nauseam?… A ?maiêutica? não perdoava.
Uma especulação possível: quando Sócrates passava o dia e a noite em casa (o que acontecia duas ou três vezes por mês, segundo as más línguas da época…) não era ele que fazia perguntas. As indagações, irrespondíveis, eram formuladas pela consorte. Eu disse consorte? Deveria ter dito antes ? com azar. Era casada com o pai da filosofia. Mas ela não era a mãe…
