O preconceito, as drogas e a violência no Brasil

Introdução: Os três temas que compõe o título da discussão, a iniciar no texto abaixo, surgem não somente devido a estreita relação existente entre os referidos assuntos, mas também porque constituem em problemas cujas proporções e influência sobre a sociedade tem aumentado consideravelmente, atingindo, como sempre, os segmentos mais fragilizados da população. Assim, as crianças carentes, freqüentadoras das escolas públicas, muitas vezes com as vidas imersas no que há de mais cruel em nossa realidade, compõe o grupo mais frágil e susceptível, cujas perspectivas de desenvolvimento e utilização das próprias capacidades sucumbe ao sórdido ciclo vicioso secularmente repetido no Brasil. É papel da escola e dos educadores, portanto, compreender as perspectivas histórica, cultural, política e social, para então adotar nova postura, não de enfrentamento, mas de modificação, a partir da percepção que todos, independente do papel a ele imposto, são vítimas de um mesmo processo.

Breve análise histórica

A sensação de insegurança, transformada em realidade devido aos fatos testemunhados por cada cidadão em seus cotidianos, ou ainda veiculados através da mídia, desencadeiam o curioso fenômeno da ?solucionática fanfarrona?, onde, após episódio contundente que gera escândalo amplo, geral e irrestrito, brotam todos os tipos de depoimentos explicativos, muitos espantados, outros indignados e revoltados, ante tamanho quadro de injustiça e, os piores, das autoridades políticas e burocráticas provavelmente responsáveis por órgãos ou instituições que deveriam atender tal demanda social, com discursos em tom forte, mas eufêmicos, dissimulados e fugidios. Propostas estapafúrdias e desculpas esfarrapadas brotam mais rapidamente do que são esquecidos os escândalos efêmeros e instantâneos, visto a fartura de material a ser veiculado, como prova da ?barbárie que assola o país?. Tal panorama, de espanto, confusão e histeria, é constantemente renovado, à medida que novas exposições nos meios de comunicação levam à velha constatação, do incremento da violência.

E não foi diferente há poucas semanas em rede nacional, com cenas inéditas, depoimentos chocantes, relatos marcados pela desgraça e desperdício de vidas imberbes, foi constatado mais uma vez o abismo, escarpado e largo, que separa a sociedade brasileira. Garotos armados, defendendo territórios ocupados miseravelmente, em busca de sonhos que provavelmente nunca realizarão, utilizando drogas em idades ainda anteriores à puberdade, conhecendo como únicos instrumentos dialógicos o gatilho, a pólvora e o chumbo. Há de se ressaltar: Nada contra a documentação e constatação de tão ignóbil realidade. Mas, temos todos de convir, isso não é novidade.

Desde quando os jovens brasileiros mais humildes estão jogados às margens da sociedade, à brutalidade? Desde que as escravas adolescentes eram levadas pelos senhores, sob o uso da violência, para servirem de objeto sexual, nas casas-grandes? Ou desde que os bandeirantes partiram para Oeste, com o intuito de escravizar índios e matar jesuítas, também estuprando, assassinando e roubando? Talvez, quem sabe, já na Aurora da República, no instante em que os Marechais sopraram sobre nosso povo a idéia da higienização e branqueamento da população, crendo que o pardo, o negro, o índio, o mameluco, o cafuzo, e todos os inúmeros tipos brasileiros, eram indolentes e inaptos para a disciplina e dedicação necessárias ao bom desenvolvimento da nação? Apenas para ilustrar: na Revolta de Canudos, ao fim do massacre Florianista, quando forças nacionais mataram um sem número de miseráveis nos sertões do Vaza-Barris, os últimos quatro resistentes, com armas em riste até à morte foram, além de dois homens adultos, uma criança e um velho, todos atirando, enquanto viveram. É necessário constatar, portanto, que o envolvimento das nossas crianças menos favorecidas com a violência não é novidade, seja como agentes ou testemunhas. Poderíamos lembrar ainda um comentário polêmico, proferido há quase quarenta anos, em um momento efusivo e memorável da cultura popular brasileira: o milésimo gol de Pelé. Abraçado, carregado, ofereceu o milésimo gol às ?criancinhas do Brasil?. Por que teria feito isso? Alguns, mais próximos dos militares que do povo, o chamaram de oportunista, populista, etc. De qualquer forma, em 1969, a preocupação com a infância brasileira era divulgada na mídia, a contragosto do Estado de exceção vigente.

Mesmo assim, nos noticiários, todos ficam atentos à palavra de um dedicado estudioso, seja ele sociólogo, cientista político, ou ainda dos novos ?especialistas em violência? (em meu parco entendimento, especialistas em violência são aqueles que a praticam, nas mais diversas formas existentes). Surgem então as empoladas explicações, que nada de novo trazem. Afinal de contas, para que servem tais explanações? Uma das ?teorizações? que mais levam rubor à face foi proferida quando as ?características psicológicas?, traçadas pelos autodenominados ?conhecedores da realidade social? sugeriram que uma das características dos jovens indivíduos mergulhados no submundo da violência é a ?adoração e valorização da figura da mãe?. E o que poderiam esperar, os doutos senhores? Se as crianças crescem observando o sofrimento de quem os gerou, trabalhando em jornadas desumanas para garantir, em diversas oportunidades, menos que o mínimo necessário, tal atitude nada mais é do que gratidão, não apenas à própria mãe, mas a de todos os miseráveis que, como ele, encontraram o pouco carinho recebido durante a vida no colo materno. Nenhum doutor ou doutora, a despeito de sua exaustiva presença televisiva, realizou tal verificação. Por quê? A resposta aqui, merece análise ponderada e grave. Uma dica: a resposta será a mesma dada à outra pergunta Por que tantas pessoas adultas e sadias, nos sinais de trânsito das grandes cidades, se desesperam e fecham rapidamente os vidros de seus carros, quando crianças maltrapilhas e abandonadas pelo poder público, pesando cerca de trinta quilos e medindo pouco mais de um metro, se aproximam?

Violência gera violência, qualquer a forma que tenha

A partir do que foi dito até agora, constatam-se então quatro assertivas:

1) As discussões acerca da violência, da participação dos jovens nesse processo, das origens e das conseqüências do fenômeno, não geram proposições palpáveis, uma vez que geralmente são diacrônicas, ou seja, não consideram as raízes histórico-culturais inerentes à questão.

2) O envolvimento, o aliciamento e o abandono das crianças em nosso país é prática secular, herança do período colonial-exploratório-extrativista-mercantilista.

3) A sociedade brasileira foi erigida de modo que não está preparada para enfrentar o fenômeno que ora surge.

4) A exposição da violência social na mídia não tem gerado organização e movimentação social capaz de fazer frente às demandas.

Notas:

Essa é a primeira parte, em uma série de considerações aglutinadas sob um só tema. Quinzenalmente, em O Estado Educa, um novo trecho será publicado.

Sugestões de leitura, inerentes ao tema:

*Os Sertões. Autor: Euclides da Cunha.

*Os africanos no Brasil. Autor: Alberto de Nina Rodrigues.

*Casa-Grande&Senzala. Autor: Gilberto Freyre.

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