O relógio marcava 7h39 em Madri. Como de costume, milhares de pessoas, a maioria estudantes e trabalhadores, seguiam rumo ao trabalho utilizando os trens da Rede Nacional de Ferrocarriles (Renfe), que interligam a região metropolitana da capital com o centro da cidade. O que se viu depois dessa hora ficará gravado para sempre na memória dos espanhóis.
Treze explosões, em quatro pontos distintos, mancharam de sangue a capital espanhola. Três delas em Atocha, principal estação de Madri, quatro nas imediações desta mesma estação, mais precisamente na Rua Téllez, uma na Estação Santa Eugenia e outras duas na Estação El Pozo, que, aliás, teve o maior número de mortos. Outras três bombas foram detonadas pela própria polícia, que as encontrou a tempo. Sem os trens, as ruas foram tomadas pelos engarrafamentos, os hospitais ficaram superlotados e até um centro de convenções foi transformado em necrotério.
A autoria dos atentados foi assumida pela rede terrorista Al-Qaeda, mais tarde, apesar de todos os políticos e policiais atribuírem a culpa ao comando terrorista ETA, do País Basco.
Eram 16h, quando o ministro do Interior, Ángel Aceda, declarou oficialmente o número de 192 mortos e pelo menos 1,4 mil feridos, muitos deles em estado gravíssimo. Faltando apenas três dias para as eleições gerais na Espanha, esse marco na história do país deverá repercutir diretamente nas urnas. Todos os candidatos à presidência se pronunciaram momentos depois do ocorrido e garantiram força total no combate ao terrorismo no país.
?Modus operandi?
Normalmente, o ETA costuma avisar da presença de bomba nos respectivos alvos e há muito tempo não atacava alvos civis. Anté então, o maior atentado já registrado aconteceu no dia 19 de junho de 1987, num supermercado de Barcelona, onde morreram 21 pessoas. Apesar disso, o ministro do Interior, Ángel Acebas, garantiu que se trata de uma estratégia para confundir a população e desviar a culpa pelo ocorrido. ?Esse silêncio até agora trata-se de mais uma das estratégias miseráveis deles para confundir a todos?, comentou.
As bombas que explodiram nos trens estavam em mochilas, estrategicamente colocadas para causar maiores danos. Foram acionadas por controle remoto e o momento escolhido para a detonação dos artefatos foi marcado para o horário em quem os trens estão mais lotados. A forma covarde e a tragédia que sucedeu é marca registrada da Al Qaeda, de Osama Bin Laden.
No epicentro das explosões, pedaços dos corpos das vítimas podiam ser encontrados a vários metros dos vagões. E o que se via dentro dos trens era de uma monstruosidade tão grotesca, que nem nos piores pesadelos uma pessoa consegue imaginar.
O presidente espanhol, José María Aznar, se pronunciou após reunir-se com os outros comandantes do governo e garantiu que esse 11 de março já tem lugar na história da infâmia do terrorismo mundial. E garantiu: ?Não há negociações com o ETA ou qualquer outro grupo terrorista. Vamos buscar, prender e fazer com que esses assassinos paguem por cada vida que tiraram?.
Um milagre no caos: bebê de 7 meses encontrado vivo
Um dos episódios mais dramáticos da tragédia de ontem foi o caso de um bebê de apenas sete meses encontrado são e salvo no meio dos escombros, um verdadeiro milagre. Mas mesmo com os esforços dos hospitais e da TVs até o início da noite de ontem, os familiares da criança ainda não haviam aparecido para resgatá-lo no hospital. A hipótese é de que pertençam à alguma família de imigrantes – como muitas que existem na Espanha – ou que tenham perdido a vida no atentado.
A tragédia ocorrida ontem em Madri poderia ser ainda maior se todos os serviços de assistência à população não tivessem uma sincronia perfeita. No minutos seguintes às primeiras explosões a polícia madrilenha acionou 100% do seu contingente e todos já estavam cientes da dimensão do massacre. Até soldados que estavam no seu dia de folga integraram-se aos companheiros de trabalho e seguiram até o final no atendimento e organização das vítimas.
Segundo José María Valdivia, oficial da polícia de Madri, a ação da sua polícia impressionou pela rapidez. ?Na mesma hora já sabíamos todos os movimentos e o plano de ação e todos já estavam disponíveis. Treinamos e sempre estamos preparados para isso, mas sempre torcemos para que nunca ocorra.?
A mesma competência foi demonstrada pelo Corpo de Bombeiros da capital madrilenha. A ação foi conjunta com a polícia e os hospitais, o que propiciou o salvamento de milhares de vidas. A maioria dos sobreviventes elogiou e confirmou a rapidez com que foram atendidos e receberam os primeiros-socorros. ?Quinze minutos após a explosão, eu já me encontrava no leito de um hospital com médicos por todos os lados?, comentava uma mulher, desesperada por ainda não saber o paradeiro do marido. Porém, o mesmo oficial de polícia, José María Valdivia, ressaltou que a mancha de sangue deixada em Madrid nunca será superada. ?As coisas que todos nós vimos ficarão na lembrança eternamente. Haviam pedaços de pessoas por todos os lados, inclusive muito distante dos vagões?, declarou.
O 11-M, data que já entrou para a história do terrorismo mundial, mostra que a campanha do terror ainda está longe de terminar. Qualquer informação sobre os sobreviventes e vítimas do atentado podem ser obtidas no site do Ministério da Espanha: www.mir.es
Eu sei o que é viver com medo
Todos têm noção do que é, ou melhor, do que deve ser um atentado terrorista. As informações voam, as televisões transmitem em tempo real os acontecimentos e os inúmeros depoimentos fazem com que as pessoas mais distantes se aproximem ao máximo do sofrimento de familiares das vítimas e sobreviventes. Sempre tive uma idéia do que fosse isso, meio distante é claro, por morar no Brasil, um País tranqüilo neste sentido.
Mas posso garantir que a manhã de ontem, em Madri, mudou um pouco o meu conceito sobre terrorismo. Mesmo vivendo a quase 600 km da capital espanhola, tive a noção exata do sofrimento psicológico que gera um atentado terrorista na pessoas. Estava indo ao centro de Barcelona, por volta das 8h da manhã, como faço habitualmente, para trabalhar e ir à faculdade. Exatamente na mesma situação das pessoas vítimas do atentado.
A outra coincidência é que viajo, como faço todos os dias, num trem da Renfe, exatamente igual aos de Madri e que têm a mesma finalidade: ligar a região metropolitana ao centro da capital, neste caso, Barcelona. A similaridade das composições é tanta, que é possível ver nitidamente o lugar onde foram postas as mochilas com explosivos, segundo informaram os sobreviventes.
Até aí tudo bem. O pior começou exatamente às 8h15, quando estava sentado tranqüilamente na minha poltrona e algumas das várias pessoas que seguem para o trabalho ouvindo rádio, começaram a entrar em pânico dentro do vagão. A notícia veio logo em seguida, quando um homem, histericamente, começou a contar aos berros o que havia passado em Madri. E o pior, num trem da Renfe.
Desespero
O pânico foi geral. No tumulto, resolvi manter a calma. Mas os outros não pensaram da mesma forma. Um minuto depois do início do pânico coletivo, alguém inventou de puxar aquela alavanca de emergência, para casos extremamente emergenciais. Pela freada brusca, fui parar dois bancos à frente do meu, no colo de uma senhora completamente pálida de terror.
Confesso que a partir daí, também entrei em pânico. As portas do trem já se encontravam abertas e muitos corriam desordenados pelos trilhos. A ordem do maquinista através do sistema de som garantia que não havia perigo e que era para manter a calma, mas todo mundo queria saltar dos vagões. Tive que ficar mais um pouco no trem, forçosamente, pois acabei espremido pela multidão que buscava a saída desesperadamente.
Quando consegui sair, dei de cara com o maquinista do trem. Ele contou que ao saber da gravidade e do número de explosões, preferiu não arriscar. Todos os trens de Barcelona passaram pelo mesmo sufoco. Fora do trem, a cena comum era a de mulheres e crianças chorando apavoradas.
Todas as estações ficaram logo cheias de policiais. O aeroporto uma loucura, com agentes especializados, vôos com atraso, sirenes de polícia. Um caos. Só assim você vê que eles só servem para depois contar os mortos e dizer que irão investigar as causas e descobrir os culpados. Outra constatação é que estamos irremediavelmente expostos a ações terroristas como essa e ninguém pode fazer nada. Qualquer um pode carregar explosivos numa mochila, igual a que eu costumo carregar. Você consegue agora imaginar o que deve ter acontecido em Madri?
Lucas Duarte é colaborador da Tribuna do Paraná em Barcelona, na Espanha.