A mulher brasileira abriu as portas da oportunidade, desvencilhou-se do preconceito e avançou em busca de desafios inéditos. Por onde quer que se olhe, o papel cor-de-rosa na sociedade avançou significativamente nas últimas duas décadas. A epopéia começou em 1930 com direito ao voto, flanou com a pílula anticoncepcional da década de 1950 e finalizou com a liberdade sexual dos anos 1970. Elas já são 52% da população nacional e a maioria em 25 das 27 unidades da federação. Este contingente segue em busca dos espaços nobres, numa agenda pautada por reivindicação contínua. Atualmente, o embate dá-se no mundo corporativo. Só que, em vez do barulho habitual do passado, a revolução foi silenciosa, porém produtiva. Ao tentar invadir e ocupar guetos exclusivamente masculinos até então, as mulheres provaram que podem e devem ser feministas e femininas ao mesmo tempo, sem qualquer prejuízo de ambas as causas.
Nessa celeuma, o instituto de sobrevivência fez do homem um combatente intransigente de seu feudo. Não havia, em hipótese alguma, disposição de entregar ou muito menos dividir o poder. Essa resistência mudou os rumos do confronto. Ao perceber que a briga renhida só lhe trazia prejuízos, a mulher subverteu a lógica do processo e redimensionou o teor da disputa. Assim, abandonou velhas bandeiras para exigir as mesmas chances no mercado de trabalho. Ao inverter o foco, comprovou sua genialidade e perspicácia. Para enfrentar a concorrência, ela aperfeiçoou a formação, trabalhou dobrado e chegou para ficar. A ocupação feminina ainda é tímida e incipiente dentro dos escritórios e corresponde a 9% dos cargos executivos das empresas privadas no Brasil. Bem melhor que na década de 1960, quando necessitava da autorização do marido para trabalhar. Esta é a hora e vez delas.
Mas como progredir profissionalmente sendo mulher e convivendo num mundo machista e masculino? Há um outro ingrediente que transcende esta guerra dos sexos e as favorece sensivelmente. A vocação das organizações mais avançadas vai ao encontro de profissionais com características femininas, segundo discurso dos gurus da administração. Trata-se de uma condição que a coloca em vantagem nessa disputa com os homens. É nesse instante que ela faz a diferença como líder. Como o mundo percebido é fonte e limite para suas aspirações, a liderança é exercida com esmero e excelência, talento que estimula o comprometimento da equipe, produz resultados e desperta a felicidade e motivação dentro das pessoas. As experiências de mãe, gestora doméstica e esposa favorecem para perpetuar essas peculiaridades.
O olhar diferenciado acerca dos problemas e a capacidade de agregar os talentos em torno do projeto foram suas mais expressivas contribuição ao mundo corporativo. O jeito feminino de ser substituiu a postura ideológica, bélica e explosiva na luta pelo poder. Silenciosamente, elas estão fazendo muito barulho no interior dos escritórios. E, aos poucos, se transformaram em dirigentes conceituadas e renomadas. Abandonaram-se os esterótipos, a função pejorativa de mil e uma utilidades ou objeto de ornamentação, para serem tratadas e reconhecidas como profissionais competentes, dedicadas, consagradas e, principalmente, sem limites para criar. Pessoas cordatas, intuitivas, espontâneas, delicadas, habilidosas, flexíveis, compreensivas e boas ouvintes, por exemplo, estão em alta entre os consultores de recursos humanos. E essas características estão no DNA feminino. Ter uma mulher nos principais cargos gerenciais é um fator e sucesso no negócio.
Apesar dos avanços, há dificuldades no horizonte, principalmente porque a cultura brasileira na prática é machista. Em que pese à ascensão feminina, elas ganham, em média, um salário 30% menor que o homem. Ainda sofrem discriminação e enfrentam resistência. Não é tão fácil assim reverter o quadro. O fosso, no entanto, diminuiu. Pragmaticamente, o exército feminino evitou o confronto e adotou o tom conciliatório em prol de suas ambições. Compreender o universo masculino e suas peculiaridades não é uma tarefa prosaica. Furar este bloqueio, então, nem se fale. Os homens sempre recorreram a alianças e estabeleceram uma espécie de pacto de lealdade e fidelidade para se protegerem e se sustentarem. Ao entender esse mecanismo engenhoso, as mulheres compreenderam o jogo e abandonaram o idealismo utópico pela realidade do mercado de trabalho. E, nessa cruzada, têm obtido sucesso na tarefa de fazer o mundo mais feliz.
Júlio Sérgio de Souza Cardozo é presidente da Ernst & Young Auditores Independentes S.C.