O ensino religioso foi historicamente colocado na escola dentro de um projeto religioso visando salvaguardar a presença da Igreja Católica, perdida com a proclamação da República, pois durante a Colônia e o Império brasileiro, por meio do regime do padroado (vínculo entre Igreja e Estado), esta presença era garantida por lei. Na Constituição de 1931 ficou determinada a presença do ensino religioso obrigatório para a escola e facultativo para o aluno, enquanto as questões organizacionais escolares acabaram sob a responsabilidade do governo, enquanto o conteúdo, a escolha dos livros, assim como a doutrina e moral dos professores, a cargo das autoridades religiosas. Desde a primeira legislação da República não estava denominada uma única religião, pois o Brasil já havia reconhecido a diversidade religiosa, permitindo que os diferentes cultos aqui se estabelecessem. No entanto, diz-se que este País possui uma religião oficial, o que não é verdadeiro.
A concepção do ensino religioso mantido até o texto original do artigo 33 da Lei de Diretrizes e Bases de 1996 é de que este componente curricular deveria ter um perfil relacionado às tradições religiosas e não com identidade pedagógica. Assim, constituía na única disciplina submissa a dois senhores: autoridades escolares e religiosas, permitindo que a escola fosse espaço de contínuo proselitismo. Encarado não como espaço da escola, mas para realização de missão religiosa, o ensino religioso levou inúmeras famílias a discordar da participação de seus filhos na disciplina, pois o professor agia como um missionário visando a conversão de crianças e jovens em um país que veta toda e qualquer forma de discriminação, inclusive a religiosa.
Nos anos noventa, a partir do Paraná e Santa Catarina, iniciou um movimento cujo intuito consistia em repensar o ensino religioso a partir da escola, compreendendo a importância de verificar com alegria a diversidade religiosa desta nação, inclusive daqueles que não crêem, ou não participam de uma instituição religiosa. A iniciativa também pretendia que as novas gerações relessem no cotidiano alguns aspectos presentes em nossas história e cultura: a influência e inferência do religioso, por exemplo, no nome das pessoas, das ruas, nos feriados, a motivação da presença européia no Brasil, mesmo o que ?justificou? a tortura de índios e negros em períodos passados. Não é possível ignorar as grandes festas que mobilizam famílias, cidades, promovendo viagens e esperanças de um dia melhor como as peregrinações.
Disciplinas como as de história, geografia, filosofia ajudam a construir os pressupostos da presença religiosa no País, ou mesmo no exterior, como as guerras que assistimos, as emboscadas e atentados que nos deixam estupefatos. Não é possível negar que os grandes conflitos, massacres e aberrações da história neste planeta estiveram e estão intimamente relacionadas ao religioso.
Foi a partir de tal análise, compreendendo o Brasil livre de uma religião oficial, onde a presença plural das tradições religiosas deveria ser harmoniosa e os diferentes grupos disputassem politicamente o poder para alcançar privilégios, que professores optaram por repensar uma identidade pedagógica para o ensino religioso. Mesmo numa turma em que a maioria dos alunos pertença a uma única tradição, é possível que professor e estudantes reflitam sobre a diversidade e reverenciem os que compreendem o mundo de forma diferente do que aprenderam.
A partir dessa construção, o ensino religioso, assim como as demais áreas do conhecimento, constituem em marco estruturado de leitura e interpretação da realidade, essencial para garantir a possibilidade de participação do cidadão na sociedade de forma autônoma. Para tanto, possui linguagem própria, favorece a compreensão do fenômeno religioso na sociedade e deve possibilitar ao estudante enfrentar situações em seu dia-a-dia, construindo argumentações e elaborando propostas para sua comunidade.
O objetivo proposto nos parâmetros curriculares nacionais para o ensino religioso é valorizar o pluralismo e a diversidade cultural presentes na sociedade brasileira, facilitando a compreensão das formas que exprimem o transcendente na superação da finitude humana e que determinam, subjacente, o processo histórico da humanidade. Por isso necessita: propiciar o conhecimento dos elementos básicos que compõem o fenômeno religioso, a partir das experiências religiosas percebidas no contexto do educando; subsidiar o educando na formulação do questionamento existencial, em profundidade, para dar sua resposta devidamente informada; analisar o papel das tradições religiosas na estruturação e manutenção das diferentes culturas e manifestações sócio-culturais; facilitar a compreensão do significado das afirmações e verdades de fé das tradições religiosas; refletir o sentido da atitude moral, como conseqüência do fenômeno religioso e expressão da consciência e da resposta pessoal e comunitária do ser humano; possibilitar esclarecimentos sobre o direito à diferença na construção de estruturas religiosas que têm na liberdade o seu valor inalienável. É importante lembrar que os PCN?s não são documentos oficiais, mas contribuem na orientação dos diferentes componentes curriculares e trazem o resultado de inúmeras e significativas reflexões.
Em tal cenário é construída uma nova possibilidade para o diálogo e aprofundamento do currículo, pois há a possibilidade de professores e pesquisadores discutirem temáticas referentes não apenas ao ensino inter-religioso, mas à didática do ensino religioso. E está nas páginas da revista Diálogo a oportunidade de encontro – aproximar leitores das mais diversas regiões do País para ajudar no amadurecimento de um componente pedagogicamente construído nos currículos brasileiros.
O ensino religioso nasceu nos acordos ?político-religiosos?, mas hoje procura assumir uma identidade escolar. Entre os instrumentos encontra-se a referida revista, que periodicamente aborda os mais diferentes aspectos no conteúdo, na dinâmica e na história de um componente curricular.