O Iluminismo, iniciado no final do século XVII, atingiu o auge no seguinte e contribuiu decisivamente para a eclosão da Revolução Francesa, marco definitivo para o estabelecimento de idéias, valores e leis a respeito da liberdade do homem, inclusive em relação à Religião. Com o desmoronamento dos governos absolutistas e o reconhecimento do Estado laico, isto é, a separação do poder político da influência clerical, a forma de ver e pensar o mundo e o cidadão nunca mais foi o mesmo. Pelo menos no Ocidente.
Apesar disso, o peso da tradição e dos interesses temporais fez com que o debate sobre muitos temas fosse postergado para o futuro e hoje, em pleno século XXI, reabrem-se velhas questões e novas polêmicas confrontam-se com o exercício da razão e a regulamentação do direito. Não há como desvincular totalmente as regras sociais da moral e da religião apesar que preferível seria que ficássemos mais ao lado da religiosidade individual e menos dependente da dogmatização do religiosismo.
Há pouco tempo reacendeu na Itália e na França a discussão sobre a necessidade legal de se proibir o uso de símbolos religiosos em locais públicos como a escolas. Mais especificamente envolvia peças de roupas dos alunos muçulmanos e imagens e crucifixos católicos nestes ambientes. Como ajuizar sobre quem deve ter os direitos preservados? Respeitar e proteger os hábitos e crenças de uns em detrimento, às vezes, de uma maioria que não compartilha dos mesmos valores ou coibir as manifestações exteriores de fé nos afazeres diários como se devoção e espiritualidade fossem atitudes de apenas alguns momentos e lugares?
Aqui no Brasil, país multirracial e de elevado grau de tolerância religiosa, numa cidade do interior de Minas Gerais, o prefeito empossado neste ano, espírita, mandou retirar dos órgãos públicos todos os objetos que fizessem referência ao Catolicismo, baseando sua decisão na Constituição Federal que prega a total liberdade da prática religiosa, mas, em contrapartida, a vigência plena do laicismo no poder público. Como as tradições religiosas na região são bastante fortes, houve reação de autoridades e da população e não sabemos se o prefeito recuou ou não em sua decisão. Já naqueles países europeus onde a consideração pelos direitos e igualdade de todos os cidadãos está mais consolidada, parece que prevaleceu a neutralidade quanto a demonstrações de fé em locais administrados pelo governo.
Tudo isso para chegarmos a questões bem mais graves de serem resolvidas por aqui como certos projetos no Congresso Nacional, engavetados alguns, em tramitação outros e, por fim, sugeridos outros mais. Tais são os que versam sobre o aborto, pena de morte, eutanásia e uso de células-tronco, este já contemplado na lei de Biossegurança, aprovada recentemente, mas onde se pleiteia alterações mais permissivas.
Lemos e ouvimos respeitáveis opiniões defendendo o pleno direito individual à escolha de matar como se este fosse um ato trivial como usar ou não filtro solar na praia. Ao mesmo tempo condenam acidamente as instituições e lideranças religiosas, acusadas de fundamentalismo, por lançarem alerta sobre as graves responsabilidades morais decorrentes de decisão tomada geralmente em circunstâncias emocionais desequilibradas e em carência de informações mais claras e profundas, éticas e espirituais, principalmente. Aprovam as articulações dos que pressionam o Congresso para ver suas propostas aprovadas, mas consideram ilegítimas as movimentações que visam manifestar insatisfação com os rumos que tais apreciações estão tomando.
O Espiritismo propugna pelo exercício amplo da liberdade no pensar e no agir, mas orienta quanto às conseqüências inexoráveis de cada ato. E entende que cabe à sociedade deliberar coletivamente normas disciplinadoras que promovam a paz, o progresso e o bem-estar de todos e excluam ou impeçam o aparecimento de condutas individuais que sirvam de obstáculos àqueles objetivos.
É dever de todas as pessoas mais capacitadas de discernimento moral e intelectual, religiosos, inclusive, contribuírem para a implantação e manutenção da sociedade harmônica, produtiva e justamente organizada. Dentro deste modelo, cabe-lhes suprir as deficiências de julgamento, a falta de informação e coibir os desvios de caráter e conduta das pessoas ainda pouco habilitadas para decidir seguramente sobre problemas que afetam não só o seu próprio existir.
Ademais as leis humanas devem, sempre e quanto possível, espelhar as leis naturais. Mesmo que não se reconheça por trás destas a presença de um Ser Supremo, Criador do universo, absolutamente perfeito e justo, somente por questão de consciência ética, a vida alheia não pode ser reduzida a capricho de supostas necessidades momentâneas e particulares. Abortos clandestinos que comprometem a saúde e a vida de milhares de mulheres pobres não podem servir de argumento para tornar tal prática legal perante os olhos de pessoas de bem. A solução do problema exige outras ações do governo e da sociedade em geral em termos de educação e assistência e como se sabe, um erro não justifica outro.
Não é a interferência da religião nas coisas do Estado que se defende, porém a de Deus em suas criaturas ou da moral sobre o egoísmo cego dos homens. E matar, seja em que tempo, idioma, cultura ou circunstância se conjugar, sempre será um ato de autodestruição social.
Associação de Divulgadores do Espiritismo do Paraná
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