Nesta segunda-feira (26), pela primeira vez a humanidade tentará mudar de forma mensurável a trajetória de um asteroide.
A espaçonave Dart (sigla inglesa para Teste de Redirecionamento de Asteroide Duplo), da Nasa, fará uma colisão com o asteroide Dimorfo, de apenas 163 metros. Ele, por sua vez, orbita outro asteroide, Dídimo, de 780 metros.
Embora a dupla esteja na lista dos chamados NEAs, asteroides próximos à Terra, e pertença à categoria dos potencialmente perigosos, ela não oferece qualquer risco imediato (entenda-se, por pelo menos alguns séculos) ao nosso planeta. Mas, por ser um astro duplo, é o alvo ideal para um teste da técnica de desvio por impacto cinético. Traduz-se do cientifiquês como “pancada com tudo”. Não há detonação de uma ogiva ou algo que o valha. É só mesmo uma trombada cósmica.
A colisão é esperada para as 20h14 (de Brasília), mas a Nasa vai iniciar a transmissão ao vivo pelo YouTube a partir das 18h30.
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Da mesma forma que acidentes de trânsito normalmente levam os veículos envolvidos a mudar velocidade e trajetória, a Nasa espera que a colisão tenha um efeito no caminho do asteroide. Como a massa da pedra gigante é bem maior que a da espaçonave, a variação de velocidade esperada seria inferior a 1%. Mas levaria a uma mudança da órbita do Dimorfo ao redor do Dídimo, acompanhada por uma alteração no período orbital –o tempo que leva para o asteroide-lua completar uma volta em torno do astro maior.
Essa mudança, por sua vez, terá de ser medida ao longo dos dias e semanas seguintes, conforme astrônomos usam telescópios em solo e no espaço a fim de verificar qual foi o impacto dinâmico no asteroide. Será a primeira vez que se testa um método que pode vir a ser usado se, no futuro, descobrirmos um asteroide em rota de colisão com a Terra.
Há modelos que sugerem como será a mudança após a colisão, mas nada pode substituir o teste real.
Até porque, fora a existência do Dimorfo, seu período orbital (11h55) e uma estimativa grosseira de seu tamanho, nada conhecemos dele. Os astrônomos sabem que ele está lá porque conseguem medir a mudança de brilho do conjunto quando a lua passa à frente ou atrás do Dídimo, com seu padrão periódico, mas jamais tiveram sequer uma imagem do Dimorfo como um único pixel.
Só durante a aproximação final da Dart será possível termos uma visão do dito cujo, revelando seu formato e sua aparência. “O teste também vai trazer informações da estrutura interna do corpo. Por exemplo: só a quantidade de detritos que forem jogados para fora devido ao impacto já traz informações sobre a parte interna”, diz Othon Winter, físico da Unesp (Universidade Estadual Paulista) que não está envolvido na missão, mas estuda asteroides e estratégias de defesa planetária.
Fora a curiosidade científica básica, é muito importante saber mais sobre a estrutura interna de asteroides, porque isso afeta diretamente o resultado da tentativa de desviá-lo.
“Quanto mais denso for o asteroide, mais material ele vai ejetar. Se ele for um corpo muito poroso, vai ejetar muito pouco material –o impacto seria assimilado pelo Dimorfo, ejetaria bem pouco material e, se ejeta pouco material, é porque muito foi amortecido ali. Então a transferência de momento [grosso modo, a intensidade da força aplicada] é muito baixa e aí vai alterar muito pouco a órbita”, explica Winter.
“Se, por outro lado, ele ejetar bastante material, significa que é mais denso, pouco poroso, e, consequentemente, vai produzir uma troca de momento maior, fazendo com que haja uma alteração maior na órbita do Dimorfo.”
O que esperar?
Os cientistas já se surpreenderam recentemente ao descobrirem que tanto o asteroide Ryugu, visitado pela sonda japonesa Hayabusa2, como o Bennu, explorado pela americana Osiris-REx, eram bem mais porosos do que o imaginado, quase como se fossem imensas pilhas de pedrinhas fracamente mantidas reunidas pela fraca gravidade do corpo.
Contudo, eles eram asteroides do tipo C (carbonáceo), e o Dídimo (bem como, presumivelmente, o Dimorfo) é de outra categoria (Xk), que é meio que um guarda-chuva para tipos mais exóticos. A “assinatura de luz” (o espectro, no jargão) sugere uma composição de silicatos (rochas) e a rápida rotação indica densidade superior às do Ryugu e do Bennu.
O que realmente será, só saberemos depois do impacto.
Quase ao vivo
Um aspecto interessante da missão, que custou US$ 324 milhões (R$ 1,6 bilhão) para uma espaçonave com massa de 570 kg, é que ela transmitirá tão “ao vivo” quanto possível a fase de aproximação final, até a colisão.
O único instrumento a bordo é a câmera Draco, que registrará aproximadamente uma imagem por segundo, enviando à Terra tão rápido quanto possível. Entre o tempo de captura, processamento, transmissão, viagem pelo espaço (via rádio, à velocidade da luz, percorrendo os pouco mais de 11 milhões de km que separam a Terra do asteroide) e recebimento pelo controle da missão, terão transcorridos cerca de 50 segundos. Ou seja, é um minifilme transmitido com menos de um minuto de atraso em relação aos eventos ocorridos no espaço profundo.
É fundamental que assim seja, pois não há segunda chance –ao impactar contra a superfície a cerca de 6 km/s (ou 21.600 km/h), ela será instantaneamente vaporizada. Um nanossatélite italiano, LICIACube, viaja logo atrás e pretende registrar o momento do impacto, assim como a pluma de material ejetado da superfície do Dimorfo. Mas sua capacidade de transmissão é bem mais modesta, e espera-se que se possa baixar duas imagens por dia através dele.
Não é uma missão fácil ou livre de riscos de falha. A essa altura, a espaçonave já visualiza Dídimo, o maior dos asteroides, nas imagens da Draco. “Mas ainda não vemos Dimorfo, e não o veremos até uma hora antes do impacto”, diz Elena Adams, engenheira de sistemas da missão. “E quatro horas antes do impacto a espaçonave se torna completamente autônoma.”
Isso quer dizer que, desse ponto, até a colisão, a não ser que algo saia errado, não haverá interferência do controle da missão sobre a Dart, que usará seu software de guiagem automática para “encontrar” Dimorfo nas imagens e então ajustar o curso para impactar com ele.