Os centros de detenção de imigrantes na fronteira dos EUA com o México têm sido, durante o governo Donald Trump, foco de escândalos. A separação de famílias e a superlotação são criticadas desde 2016. Há uma semana, porém, um caso lançou um novo problema na crise: autoridades confirmaram a investigação da denúncia de uma jovem imigrante de 15 anos que relatou ter sido vítima de abuso sexual por parte de um agente de fronteira.
A garota hondurenha conta que o agente americano disse que precisaria fazer uma busca de rotina e colocou as mãos dentro de seu sutiã, abaixou sua calcinha e a apalpou. Mais de 4,5 mil denúncias de abuso sexual contra crianças sob custódia do governo nos centros de detenção de imigrantes foram registradas nos últimos quatro anos.
Em julho do ano passado, o jornal New York Times revelou os casos de duas mulheres estupradas dentro dos centros de detenção. Uma delas, de 19 anos, estava com a filha, de 3 anos. “O guarda me disse que eu seria deportada”, afirmou a garota, ao narrar o abuso.
As denúncias são só uma das etapas de uma espiral de violações a que as mulheres, especialmente imigrantes da América Central, são expostas. Segundo especialistas, a violência de gênero – perpetrada pela cultura do machismo, pouca punição a crimes contra a mulher e ausência de legislação específica em parte dos países da região – é uma das causas mais comuns de fuga e pedidos de asilo nos EUA.
Enquanto homens fogem do crime organizado, mulheres vão em busca de segurança. Na viagem, são frequentemente violentadas por coiotes. Agora, vêm à tona casos de abuso nos centros de imigração. E, por fim, mesmo quando entram nos EUA, deixam de denunciar a violência para evitar a deportação.
“Apesar dos altos níveis de violência, o caso específico da violência de gênero é subnotificado, até mesmo sua relação com a imigração. As mulheres são desproporcionalmente mais suscetíveis à exposição à violência dentro de uma relação ou com um ex-parceiro”, afirma Michael Shifter, presidente do centro de estudos Diálogo Interamericano.
“Nós encontramos uma grande relação entre imigração e violência contra mulher, particularmente no caso de El Salvador”, afirma Manuel Orozco, diretor de migração na mesma instituição. “É uma sociedade com contexto de dominação de gênero. É um ecossistema de crime organizado, de vitimização e uma cultura de violência de gênero.”
Em Honduras, 11 mulheres são mortas por dia e 90% dos casos de feminicídio acabam sem punição. Dos 25 países com mais altas taxas de feminicídio, 14 estão na América Central, segundo dados de 2016.
A Acnur, a agência de refugiados da ONU, compilou o estudo “Mulheres em Fuga”, que analisa a violência contra mulheres da região conhecida como “Triângulo Norte da América Central” – Guatemala, Honduras e El Salvador.
Entre as 160 entrevistas conduzidas com mulheres que deixaram seus países está a história da Norma, que decidiu sair de El Salvador depois de ser sequestrada e estuprada por três homens em um cemitério próximo do bairro onde mora. “Eles encheram minha boca para que eu não gritasse”, relatou. O marido, policial, fez registro do crime e a família passou a ser ameaçada, até que ela decidiu deixar El Salvador.
“É um tipo de situação que vemos todos os dias”, afirma Claudia Maria Izaguirre Mejia, diretora do Young Women’s Christian Association (YWCA), em Honduras, sobre as denúncias de estupro ligadas ao crime organizado.
“O Estado também não tem capacidade de dar respostas a essas situações. É um triângulo: a violência familiar doméstica sexual, a violência das ruas e a falta de resposta a essas situações. As pessoas não te ajudam quando essas situações ocorrem. Um tempo atrás, era o pai de família que migrava e a mulher ficava com os filhos. Depois, passamos a ver a migração de famílias. É uma situação que está mudando nos padrões de imigração.”
Violentadas no seu país de origem, as mulheres não são poupadas na viagem. Uma guatemalteca relatou ter sofrido abuso sexual pelo coiote que a levava pela fronteira dos EUA com o México em todos os 20 dias de percurso. Parte das mulheres revelou ter comprado anticoncepcionais antes da viagem pelo medo de estupro durante o percurso.
“Posso ser deportada se eu reportar um abuso?”, é uma das “perguntas frequentes” listadas em um site de uma instituição voltada à saúde da mulher, nos EUA. A resposta inclui a indicação: “Se você está sem documentos legais para viver nos EUA e está em dúvida sobre sua situação como imigrante, você deve procurar um advogado de imigração”.
Duas pesquisadoras identificaram que o maior rigor na fiscalização de imigrantes irregulares fez com que menos mulheres buscassem o direito de permanência nos EUA de forma legal por meio da legislação de violência contra a mulher, que atende mulheres e filhos de imigrantes violentos.
Isso significa que aquelas que sofrem violência doméstica deixaram de pedir residência permanente nos EUA por medo de que a ida às autoridades acabe em deportação. De 2000 a 2016, o pedido de permanência no país feito por mulheres violentadas caiu 5%. No mesmo período, as chamadas “cidades-santuário”, blindadas por uma legislação pró-imigrantes, registraram um aumento de 2% no mesmo tipo de pedido.
“A subnotificação de crimes não vem só das mulheres sem documentos. Na verdade, a maioria das petições parte de imigrantes legais. A intensificação da fiscalização de imigrantes e a atitude de muitos agentes de imigração neste novo governo aumentaram o medo de que qualquer pedido seja objeto de um escrutínio adicional”, afirma Catalina Amuedo-Dorantes, professora da Universidade de San Diego e uma das autoras do estudo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.