O ex-presidente argentino Néstor Kirchner (2003-2007) morreu na quarta-feira e foi enterrado na sexta, depois de um funeral que reuniu dezenas de milhares de pessoas. Mas a trajetória do kirchnerismo não será interrompida e ele deve “voltar” a interferir no cenário político. “Kirchner já ganhou seu espaço na cultura necromaníaca nacional”, diz Claudio Negrete, autor de Necromania: História de Uma Paixão Argentina. “Ele acaba de entrar para a galeria dos ilustres mortos que a sociedade argentina se encarregará de manter vivo. Líderes mortos, carregando a saudade pelo passado, voltarão com força na campanha eleitoral do ano que vem”.
A súbita morte de Kirchner, aos 60 anos, e o choque que ela causou podem impulsionar a candidatura de sua mulher, a presidente Cristina Kirchner, à reeleição em outubro do ano que vem. Negrete diz que “o ex-presidente terá direito a santuários, homenagens permanentes, grupos políticos que ostentarão seu nome e continuará liderando atos políticos e marchas”.
O historiador Daniel Balmaceda, autor de Histórias Insólitas da História Argentina, concorda. “Os argentinos costumam ser muito dedicados à necromania, à veneração e utilização política dos mortos”, disse. “Esse é um costume iniciado no século 19, época na qual as datas nacionais começaram a ser marcadas pelos dias fúnebres. Por exemplo, o ex-presidente Domingo Sarmiento (que iniciou o ensino público gratuito) morreu em um dia 11 de setembro. A data virou dia do professor. E o dia em que seu corpo chegou em Buenos Aires para o funeral, 21 de setembro, transformou-se no dia do estudante. No caso do general Manuel Belgrano, que criou a bandeira argentina, o dia de sua morte, 20 de junho, foi usado para o dia da bandeira”, conta o historiador.
Como se estivesse vivo, as frases do presidente Juan Domingo Perón são citadas diariamente pelos políticos argentinos. Peronistas neoliberais e peronistas esquerdistas usam as mesmas frases – com diferentes interpretações – para justificar medidas políticas. Além disso, a imagem de Perón está presente em comícios e nos cartazes eleitorais, como se o próprio general, morto em 1974, fosse o candidato.