A face mais cruel da má gestão e dos equívocos da política de saúde do governo do presidente venezuelano, Hugo Chávez, voltou a exibir-se na madrugada da quinta-feira (27), quando se constatou a morte de cinco recém-nascidos na Maternidade Concepción Palacios, em Caracas. Segundo Giuseppe Mandolfo, vice-presidente da associação de médicos do hospital, as mortes ocorreram por falta de pessoal. Durante o plantão, apenas um médico e um enfermeiro cuidavam das mais de 60 incubadoras da UTI neonatal, onde os bebês morreram.
"Antes, tínhamos quatro médicos nesse setor por plantão – que já não podiam prestar um atendimento adequado -; agora, temos só um", disse à AE um dos médicos da Concepción Palacios, que pediu para não ter o nome publicado.
Para Ligia González, chefe do setor de hospitalização da maternidade, os baixos salários acabaram afastando os médicos da instituição, apresentada pelo governo Chávez como um modelo de atendimento à população de baixa renda. "Eu, como chefe de setor, e depois de 15 anos de trabalho aqui, ganho cerca de 1 200 bolívares fortes (US$ 570, pelo câmbio oficial)", afirmou Ligia.
O vice-presidente venezuelano, Ramón Carrizales, foi à maternidade na quinta-feira (27) para avaliar a situação. Mais tarde, autoridades do governo, incluindo o próprio presidente Chávez, afirmaram que apenas um bebê, com problemas respiratórios, havia morrido na UTI neonatal. Os outros quatro, de acordo com as autoridades chavistas, eram casos de natimortos – afirmação contestada pela oposição e por jornais e emissoras de televisão que se opõem a Chávez.
Uma comissão, formada por autoridades governamentais e da associação de médicos do hospital, foi criada para investigar a real circunstância dessas mortes. Até esta segunda-feira (31), nenhuma conclusão tinha sido divulgada.
Em meio ao intenso debate sobre liberdade de expressão causado pela presença de representantes da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) em Caracas, de sexta-feira (28) até domingo (30), Chávez qualificou a notícia sobre a morte dos bebês de um exemplo de "terrorismo midiático" – que, segundo o presidente, é o método utilizado pelos meios de comunicação filiados à SIP.
Autoridades de saúde do governo, que se pronunciam sobre o caso somente por meio de notas oficiais ou declarações às emissoras de TV estatais, apressam-se em lembrar que a Maternidade Concepción Palacios é um centro especializado em receber pacientes de alto risco, adolescentes e mulheres que não procuraram atendimento pré-natal adequado.
Nos últimos anos, a Concepción Palácios foi beneficiada pelo Plano Extraordinário de Investimento em Saúde – um ambicioso projeto estatal de investir US$ 5 bilhões para melhorar a infra-estrutura do setor em cinco anos – e recebeu toneladas de equipamentos hospitalares, de medidores de pressão a aparelhos de raio X. No entanto, segundo os médicos da associação do hospital, não foram contratados profissionais capazes de operar esse equipamento.
A agravante, no caso da saúde pública – um dos pilares do projeto de "socialismo do século XXI" de Chávez -, é que o caso da maternidade não é uma ocorrência isolada.
Em agosto de 2005, quase ao mesmo tempo em que o presidente venezuelano anunciava a abertura da terceira fase do programa de instalação de clínicas comunitárias Barrio Adentro, quatro pacientes morreram no Hospital Magallanes, na periferia de Caracas, por falta de oxigênio no centro hospitalar.
Nos últimos anos, Chávez tem atribuído as "falhas hospitalares" à "privatização e exploração capitalista" dos serviços de saúde e chegou a nacionalizar algumas clínicas particulares.