Após anos recluso e distante dos holofotes, o ex-líder de Cuba Fidel Castro morreu na noite de sexta-feira no país, madrugada deste sábado no Brasil. Ele lutava contra uma doença intestinal há uma década e sua saúde vinha se deteriorando. Em sua última aparição pública, para celebrar seu aniversário de 90 anos em agosto, demonstrava uma aparência frágil.

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O presidente de Cuba, Raúl Castro, comunicou em rede nacional de televisão a morte de seu irmão mais velho. O governo cubano declarou nove dias de luto nacional, período que deve se encerrar com o funeral, no dia 4 de dezembro.

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Fidel Castro foi uma das figuras mais polêmicas do século passado e também do começo deste século, depois de ter liderado um golpe no país em janeiro de 1959.

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Naqueles dias eufóricos, centenas de milhares de cubanos saíram pelas ruas e campos do país gritando liberdade, enquanto um novo governo formado por guerrilheiros barbudos, que haviam lutado durante três anos nas serras contra o ditador Fulgêncio Batista, tomava o poder no país. Nos meses seguintes, cresceu a confrontação entre o líder da revolução, Fidel Castro, e o governo americano. Os Estados Unidos deixavam de comprar quase todo o açúcar produzido pela ilha, praticamente seu único produto de exportação; as refinarias americanas na ilha paravam, ao não receber o petróleo das matrizes nos EUA para a produção; e o país entrou em uma crise profunda.

Mas os cubanos viram algo novo no país: a abertura de escolas feitas por voluntários para combater o analfabetismo, que afligia pelo menos metade da população; o fechamento dos cassinos e bordéis controlados pela máfia ítalo-americana da Costa Leste dos EUA e por partidários de Batista em Havana e em Santiago; a reforma agrária, com a repartição dos enormes latifúndios de cana-de-açúcar e a entrega de títulos de posse a milhares de camponeses miseráveis. Além disso, centenas de ex-militares e policiais do regime de Batista, acusados de torturas e assassinatos, foram levados a julgamentos públicos e punidos.

Era o clima da Guerra Fria. Tudo isso enfureceu os EUA, que armaram a invasão de Playa Giron (ou da Baía dos Porcos, como ficou conhecida no mundo): 1.500 exilados cubanos, armados pela CIA, que partiram da Nicarágua para derrubar o regime liderado por Fidel. Os cubanos, no entanto, apoiaram Fidel em massa. “Fidel Castro não é um comunista, mas a pressão dos Estados Unidos deverá transformá-lo em um comunista em dois ou três anos,” disse o líder soviético Nikita Kruchev em 1960.

Após terem sido cercados na praia por milícias populares e forças leais do Exército cubano, os invasores se renderam, depois de deixarem mais de cem mortos no combate. Muitos historiadores coincidem: a vitória de Playa Giron e a duração do regime comandado por Fidel só foram possíveis pela enorme popularidade do líder e por grandes avanços sociais que realmente ocorreram em Cuba, pelo menos nas décadas de 1960 e 1970.

O escritor cubano Guillermo Cabrera Infante (1929-2005), um dos maiores críticos da ditadura de Fidel, viveu no exílio em Londres a partir de 1965. Cabrera Infante destilou grande parte das críticas à ditadura de Fidel em seu livro Mea Cuba, de 1992, no qual contou como o Partido Comunista cubano conseguiu transformar uma revolução popular em uma ditadura que estrangulou os dissidentes do regime.

O líder cubano nasceu no dia 13 de agosto de 1927, na fazenda de cana-de-açúcar de seu pai, perto de Birán, no litoral da província cubana de Oriente. O pai de Fidel, Angel Castro, nascido na Galícia (Espanha) foi para Cuba com o exército espanhol, durante a guerra entre a Espanha e os Estados Unidos (1898). Com o fim da guerra, Angel, como vários espanhóis, preferiu tentar a sorte em Cuba, e seu primeiro emprego foi como trabalhador braçal para a United Fruit, empresa americana.

Angel era um trabalhador resistente e econômico. Em 1926, ele comprou mais de 9.300 hectares de terra, sua primeira fazenda de cana-de-açúcar. Em seu primeiro casamento, com uma professora cubana, teve dois filhos. Ele mantinha um romance com uma cozinheira cubana que trabalhava para a família, Lina Ruiz González. Após a morte da primeira mulher, Angel se casou com Lina, que já lhe havia dado três filhos: Angela, Ramón e Fidel. O casal teve mais três filhas e um filho, Raúl.

Fidel teve uma infância despreocupada. Ele entrou na escola pública local aos 6 anos e em 1942, aos 15 anos, começou o curso secundário em Havana. Tornou-se um orador brilhante e líder estudantil. Em 1945, ingressou no curso de Direito da Universidade de Havana.

O primeiro ano marcante para Fidel foi 1948, quando ele visitou Bogotá, capital da Colômbia. Ali participou de uma conferência de estudantes, mas o clima na cidade deteriorou-se rapidamente quando um político colombiano foi assassinado por um fanático. O crime foi seguido por tumultos nos quais milhares de pessoas morreram. Fidel e seus colegas, suspeitos de tentar provocar um levante esquerdista no país, foram retirados da Colômbia em um avião de carga, arrumado pelo embaixador cubano.

“Os acontecimentos em Bogotá causaram profunda impressão em Fidel. Ele jamais esqueceria o que esses fatos evidenciaram: a incrível violência que subjaz à superfície pacífica da sociedade latino-americana,” escreveu um dos seus biógrafos, o escritor americano John J. Vail, professor de política na Universidade Rutgers (Nova Jersey).

Em 1953, Fidel e seus colegas planejaram a derrubada do ditador Fulgencio Batista. Com 79 companheiros, eles atacaram em 26 de julho o Quartel Moncada, o maior de Santiago de Cuba, em Oriente. O ataque fracassou. Apenas três rebeldes morreram no assalto, mas 80 foram capturados. A maioria dos prisioneiros foi torturada e executada.

Fidel foi sentenciado a 15 anos de prisão, mas acabou libertado em uma anistia dois anos depois, quando partiu para o exílio no México. Com o apoio de vários companheiros, entre eles o médico argentino Ernesto “Che” Guevara, Fidel planejou a volta a Cuba. Em 2 de dezembro, a bordo do velho iate Granma, eles desembarcaram em uma praia. “Podemos afirmar que nossa revolução começou em condições inacreditáveis,” disse Fidel em discurso de 1966.

Delatados, Fidel e os guerrilheiros sobreviventes fugiram para a Sierra Maestra, onde começaram uma guerra de guerrilhas contra Batista. Em 2 de janeiro de 1959, Ernesto Guevara e Camilo Cienfuegos ocuparam Havana. Batista fugiu e o poder em Cuba foi posto repentinamente nas mãos de jovens revolucionários.

Apesar dos avanços sociais observados pela população, a partir de 1991, com o fim da União Soviética e da ajuda financeira de Moscou a Havana, o regime cubano tornou-se isolado de quase todo o mundo. O país enfrentou sérias crises econômicas e o regime precisou usar a força para calar opositores e dissidentes – um traço que se mostrou já no final de 1959, quando Fidel, seu irmão Raúl e Ernesto “Che” Guevara julgaram o comandante guerrilheiro Huber Matos – um companheiro e dissidente que não aceitou a implantação do marxismo na ilha. Matos passou vinte anos preso na Isla de Pinos e depois partiu para o exílio em Miami.

Em fevereiro de 2006, doente, Fidel passou a presidência de Cuba ao seu irmão Raúl Castro. Em 2011, renunciou ao secretariado geral do Partido Comunista de Cuba. Depois disso ele apareceu poucas vezes publicamente e se manteve afastado mesmo depois de o governo norte-americano de Barack Obama anunciar, em dezembro de 2014, que os dois governos decidiram restabelecer as relações diplomáticas rompidas desde 1961 e adotar uma série de mudanças que ampliarão o comércio e o fluxo de pessoas entre os dois países.

Questionado pelo jornalista italiano Gianni Miná, em entrevista de 1986, se estava satisfeito com seu papel histórico, Fidel respondeu: “Sim, estou plenamente satisfeito com a obra pela qual dediquei minha vida, sem deixar de ter um espírito crítico, sem deixar de ter uma insatisfação no sentido de que devo analisar o que fizemos e de que o que fizemos poderia ter sido feito melhor.” (Equipe AE)