MEC distribuirá livros didáticos em braile

Estudantes brasileiros com deficiência visual estão prestes a receber um importante reforço nas salas de aula. É que cerca de 70 mil exemplares de livros didáticos em braile devem começar a ser distribuídos em agosto, para 1.285 escolas públicas e especializadas do País, beneficiando quase cinco mil alunos com deficiência visual matriculados no ensino fundamental. Somente no Paraná, de acordo com a Secretaria Estadual de Educação, serão contemplados 232 deles, atendendo a números levantados no último censo escolar, feito em 2004 pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira).

O Ministério da Educação (MEC) considera o empreendimento um avanço, já que até três anos atrás o número de estudantes cegos atendidos nas escolas brasileiras não passava de 490. Uma das razões para a ampliação foi a mudança no censo escolar, que passou a identificar alunos cegos e de baixa visão. ?Passamos a incluir nos dados a condição visual do aluno e a série a que pertencia. Isso também possibilitou contemplar não apenas alunos de 1.ª a 4.ª série, mas até a 8.ª série?, explica a consultora técnica para a área de deficiência visual da Secretaria de Educação Especial do MEC, Maria Glória Batista da Mota. Segundo a professora, já há perspectivas de uso do livro didático em braile para o ensino médio. ?Existem ações nas regiões Norte e Nordeste, mas, a partir do ano que vem, devem ser ampliadas para o resto do Brasil.?

Livros de matemática, português, história, geografia e ciências devem chegar até alunos cegos de todo o Brasil acompanhados também de títulos paradidáticos, como literatura brasileira, romances e temas transversais, ligados a meio ambiente, ética e doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), por exemplo. Desses, 70 títulos já estão disponibilizados e foram distribuídos para o Centro de Produção Braile, que, segundo Maria Glória, ?pode produzir na quantidade que for necessário, basta que os CAPs (Centros de Apoio Pedagógico para Atendimento às Pessoas com Deficiência Visual) de cada localidade sejam acionados pelas escolas?. Ao todo, são 34 unidades no País, contando com equipamentos adaptados, como computadores, CDs e impressoras em braile.

No Brasil, os alunos portadores de deficiência visual estudam nas escolas comuns e cabe à Secretaria de Educação Especial ofertar o atendimento adequado. Existem instituições de apoio especializadas, mas elas apenas acompanham e apóiam os procedimentos na escola comum. Algumas promovem ensino de 1.ª a 4.ª série e auxiliam na instrumentalização de alunos e professores com treinamento de leitura em braile e uso do soroban (instrumento que auxilia em cálculos matemáticos). ?Temos meta de disponibilizar livros em braile e também em caracteres ampliados e, a partir de 2007, o plano inclui também mídia magnética?, adianta a professora.

Ela lembra que já são distribuídos também kits com materiais para alunos cegos. ?Eles contêm reglete (que possibilita escrita em relevo no sistema braile), punção (que seria o lápis), soroban e papel braile. O governo acaba de adquirir oito mil kits desses?, revela Maria Glória, que inclui entre as preocupações do MEC a construção de serviços nos municípios que incluam salas com equipamentos específicos para alunos cegos, como computadores com software de voz, para leitura de material digitalizado, impressoras braile, globo e jogos adaptados e professores com formação específica para lecionar em salas de aula com deficientes visuais.

Faltam profissionais treinados e material adequado

Os professores da escola especial Osni Macedo Saldanha, mantida pelo Instituto Paranaense dos Cegos (IPC), de Curitiba, encaram como um avanço na educação especial o número de livros em braile que será disponibilizado aos alunos cegos. ?É algo maravilhoso, mas é preciso lembrar que é também uma coisa que a maior parte dos cegos não tem?, acredita o professor Luiz César Trevisan. Ele também é cego e diz das dificuldades que os deficientes enfrentam para estudar. ?É caro imprimir um livro em braile. E não se trata apenas dos livros didáticos. Precisamos comprar o material e mandar confeccionar, sai cerca de R$ 1 por folha e só tem um lugar que faz isso em Curitiba?, diz o professor, que hoje é formado em Direito e Filosofia.

A escola conta atualmente com 76 alunos de 1.ª a 4.ª séries e oferece apoio no contraturno a alunos que, a partir da 5.ª série, são encaminhados para o ensino regular. Uma das questões levantadas pelos profissionais é a falta de treinamento adequado para quem lida com o aluno deficiente visual. ?Nós sofremos carência de professores especializados e os professores que trabalham com alunos cegos nas escolas normais nem sempre possuem adequação para trabalhar com o material necessário. Eles podem receber o livro em braile, mas provavelmente não saberão como acompanhar o aluno?, aponta o professor Waldomiro Teodoro, também deficiente visual. ?Faltam profissionais treinados e material adequado para que possam trabalhar?, completa a professora Lílian Biglia.

O tema inclusão, aliás, é amplamente discutido entre os professores. ?Acreditamos nisso, mas a desigualdade deve ser repensada. Se colocamos uma criança cega em meio a 39 que enxergam, pode não ser uma inclusão, mas uma exclusão, caso professor e alunos não sejam preparados para recebê-la e lidar com ela?, enfatiza a professora. ?E por mais que a gente leia ou escreva em braile rapidamente, quase nunca conseguimos acompanhar?, acrescenta Teodoro, que vê nessa premissa constitucional – de que o deficiente deve estudar no ensino regular, depois de iniciar a escolarização na escola especializada ou fazer contraturno na mesma – um benefício, desde que escola e aluno sejam instrumentalizados de acordo com as necessidades de cada um.

De acordo com a Secretaria Estadual de Educação, existem três estabelecimentos de ensino especializados em deficientes visuais no Paraná, dois deles em Curitiba e um em Londrina. (LM)

UEM conta com programa para atender deficientes

Os sete alunos com deficiência visual que estudam na Universidade Estadual de Maringá (UEM) contam com um programa especializado no atendimento a deficientes dentro da instituição, o Propae (Programa Interdisciplinar de Pesquisa e Apoio a Excepcionalidade). O núcleo solicita livros em braile às editoras e conta com uma impressora braile, podendo produzir material para os acadêmicos cegos, e um computador chamado Dox Vox, que permite ao deficiente ler textos digitalizados. Os alunos de baixa visão também são atendidos com xerox ampliados. Os professores recebem informativos sobre os alunos que devem atender em sala de aula e podem contar com a equipe do programa caso sintam qualquer dificuldade em lidar com a deficiência.

Quem está correndo atrás do mesmo objetivo é a Universidade Federal do Paraná (UFPR), que pretende inaugurar até o final deste ano um núcleo para atender alunos com necessidades especiais. Atualmente, a UFPR está levantando o número de alunos cegos na instituição e constatou que pelo menos seis estão em suas salas de aula. ?A idéia é assessorar professores sobre como encaminhar conteúdo, avaliações e acompanhar o aluno, observando suas dificuldades. O que de fato a universidade quer são equipamentos e recursos necessários para atender alunos com diferentes deficiências?, adianta a professora Laura Ceretta, do setor de Educação da UFPR. ?Por enquanto, os alunos contam somente com bancas especiais para ingressar na universidade; agora devemos garantir permanência de qualidade durante o curso?, ressalta. (LM)

Seed: rigor ao preencher censo

De acordo com a chefe do departamento de Educação Especial da Secretaria Estadual de Educação (Seed), Angelina Matiskei, apesar de a distribuição do governo federal atender a apenas 232 alunos cegos, a demanda é bem maior, abrangendo 712 deficientes visuais identificados nas escolas públicas do Estado. ?Pedimos rigor às escolas no preenchimento do censo justamente por esse motivo. Muitas delas não estão fazendo isso da maneira adequada?, alerta a professora.

Segundo Angelina, porém, nenhum aluno vai deixar de receber os livros. ?Se necessário, vamos reproduzi-los em braile?, promete. A professora afirma também que o Estado tem poucos cegos fora da escola. ?Nosso atendimento gira em torno de 98% da população com matrícula no ensino fundamental, isso porque alguns municípios ainda não têm o acesso da educação especial, os quais pretendemos alcançar até o fim do ano.?

A profissionalização do setor também é algo indicado como prioridade. Angelina cita que, em recente concurso, 4.850 professores especializados em educação especial ingressaram no quadro do Estado para atender ao ensino fundamental. ?Eles também têm formação para atuar no ensino médio, mas nossa maior demanda é mesmo entre 1.ª e 8.ª séries. A preocupação com o ensino médio é menos acentuada porque, quando chegam lá, geralmente já dominam o braile e têm acesso a material disponibilizado pelo Estado?, verifica.

Quanto à falta de treinamento profissional, levantada por alguns professores que atuam na rede especializada, a chefe da Educação Especial rebate que há ações permanentes de capacitação. ?A rede pública possui hoje cerca de 55 mil professores, dos quais 15 mil, em média, já foram capacitados. Esses professores aprendem formas de trabalhar pedagogicamente com alunos deficientes e sobre o tipo de relacionamento que irão manter com o professor especialista que atende o aluno no contraturno?, justifica. Uma das orientações é que o professor que possua aluno cego em sala de aula fale, em alto tom, tudo o que escreve no quadro. ?Ele amplia a prática pedagógica, beneficiando a todos os alunos.? (LM)

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